domingo, 6 de outubro de 2013

Fiscalização avança, mas controle do Estado continua incompleto


Ministério Público forte é considerado o principal avanço; do papel de fiscal da lei passa, com a Carta, a fiscalizar os poderes

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Fernando Gallo - O Estado de S. Paulo
Um Ministério Público fortalecido e com a prerrogativa legal de controlar o Estado, mas não inteiramente autônomo e a quem ainda falta uma melhor integração com outros órgãos de controle. Um controle interno vigoroso no Executivo federal e em alguns Estados, e com mais atenção também sobre a eficiência do gasto público, embora precário ou inexistente nos municípios e nos outros dois poderes. Um controle social ainda frágil, mas com expectativa de melhoras, a partir da Lei de Acesso à Informação e da capacitação de conselheiros.
Os 25 anos da Constituição brasileira de 1988 encontram os mecanismos de controle e fiscalização do Estado brasileiro bastante aprimorados, embora ainda incompletos. A percepção da corrupção, tema largamente presente nos protestos País afora, é maior hoje, avaliam especialistas, porque o combate aos malfeitos é mais eficaz. Eficácia, segundo eles, oriunda de dispositivos da Carta que permitiram melhor controle.
Quase unânime, o fortalecimento do Ministério Público é apontado como o principal avanço da Constituição em relação ao controle do Estado. Até 1988, o MP tinha o papel de fiscalizar a lei, mas com a Carta passa a fiscalizar os poderes. Ganha, constitucionalmente, a prerrogativa de promover o inquérito civil e a ação civil pública, de expedir notificações e controlar externamente a atividade policial. Com as mudanças, ganha importância institucional e, com a sua atuação a partir daí, vira referência da sociedade na fiscalização do Estado.
"O Ministério Público não perdeu a sintonia com a sociedade civil, e tem demonstrado boa capacidade de acionar em defesa da cidadania", diz o Procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Elias Rosa.
As Promotorias têm enfrentado como empecilho à conclusão dos trabalhos a morosidade da Justiça, decorrente da falta de uma reforma na legislação processual, com seus recursos infinitos, algo que não poderia ter sido contemplado na Constituição brasileira, por se tratar de legislação infraconstitucional. "A sensação de impunidade é alimentada pela incapacidade de agilizar o processo judicial", opina Elias Rosa.
Ele aponta a falta de autonomia orçamentária e também de uma cooperação mais efetiva como outros órgãos de controle como empecilhos para um combate mais eficaz contra a corrupção.
Quanto ao controle interno, a Carta atribuiu a cada poder a obrigação de se autofiscalizar, não apenas do ponto de vista da formalidade dos gastos, mas também da eficiência dos programas de governo, o que tem funcionado adequadamente no Executivo federal, mas precariamente nos outros poderes e nas demais esferas da federação.
"A Controladoria-Geral da União hoje é muito mais do que um órgão de controle interno. É praticamente uma agência anticorrupção", diz o controlador do Município de São Paulo, Mário Vinícius Spinelli. "Mas, quando se olha para Estados e municípios, a diferença é abissal", diz o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage.
Os controladores defendem mudanças na Constituição. Uma das propostas é a PEC 45/2009, que disciplina e organiza o controle interno em quatro grandes funções - controladoria, ouvidoria, correição e auditoria governamental - e ainda cria carreiras específicas para o setor. "O controle interno é importante porque focamos muito no trabalho preventivo, que a gente entende que é muito mais efetivo feito a posteriori", diz a presidente do Conselho Nacional de Controle Interno, Ângela Silvares.
O controle social, dizem os especialistas, avançou pouco desde 88, mesmo com a criação, por exemplo, dos conselhos de educação, saúde e cultura. "Houve uma aposta frustrada de que o controle social por si só resolveria", diz Hage. "Controle social sem informação e sem capacitação dos conselheiros não funciona." Ele aposta em uma melhora do cenário com a Lei de Acesso a Informação e com um programa da CGU de capacitação dos conselheiros.

Sobre Deus, gameleira e a velha arte da negociação


04 de outubro de 2013 | 22h 00

João Domingos - O Estado de S. Paulo
A referência a Deus no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil foi uma das primeiras polêmicas registradas durante a realização da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). Os deputados constituintes José Genoino (PT-SP) e Edmilson Valentim (PC do B-RJ) argumentavam que, sendo de todos os brasileiros, a Constituição não poderia abrigar a palavra "Deus", visto que o País também tem ateus. Veio a votação. Os favoráveis à expressão "sob a proteção de Deus" no preâmbulo da Carta venceram por larga margem.
Durante os quase dois anos de trabalho, a Constituinte foi tomada pelas mais variadas polêmicas, da função da propriedade privada ao conceito de democracia, de um sistema republicano à volta da monarquia.
Mas nem por isso os constituintes deixaram de buscar o entendimento, que sempre prevaleceu. Desse modo, a Constituição de 1988 foi escrita pelo consenso de deputados e senadores de centro-direita e de centro-esquerda que transformaram a negociação em sua profissão de fé, conseguindo com isso contentar de alguma forma os dois lados.
A Constituinte tinha pressa. Fora convocada pelo então presidente José Sarney, o primeiro civil a assumir a Presidência da República depois de 21 anos de ditadura militar (1964-1985) marcada pela suspensão de direitos políticos e do Estado de Direito, cassações de mandatos e outros arbítrios. "Vamos votar, vamos votar, meus amigos", era a frase repetida todos os dias pelo presidente da Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP). Durante o período de votação, em 1988, os constituintes trabalhavam sábado e domingo. Negociavam e votavam. Votavam e negociavam.
A residência oficial do presidente da Câmara – cargo também ocupado por Ulysses Guimarães – transformou-se no ponto de encontro para as negociações entre os constituintes. Feitos os acordos, eles deixavam o local e iam para o plenário da Câmara votar. Uma imensa gameleira (árvore da família das moráceas) servia de abrigo para os repórteres que faziam plantão na frente da casa de Ulysses Guimarães. A árvore, com tronco de mais de três metros de diâmetro, continua no mesmo lugar, 25 anos depois.
A casa do presidente da Câmara também é a mesma. Fica na quadra mais valorizada do Lago Sul, em Brasília. Mas com raríssimas exceções, não é mais o local de reuniões importantes que podem decidir o futuro do País. Nem o Congresso atual faz política como se fazia durante a Constituinte, mesmo que as negociações também varem as madrugadas.
Hoje, boa parte de deputados e senadores aproveita as medidas provisórias editadas pelo governo para pegar uma carona e enfiar uma emenda que, não raro, serve a outros interesses e pode até causar um prejuízo irreparável ao País. Em alguns casos, são tantos os penduricalhos colocados numa MP que o Executivo se vê obrigado a vetar tudo.
Um exemplo recente ocorreu com a medida provisória que modernizou os portos e permitiu a entrada de novas empresas no setor. Uma emenda apresentada pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), conhecida por "Emenda Tio Patinhas", promovia a renovação automática das concessões dos terminais. Dilma foi obrigada a vetar essa parte.
Hoje votações importantes são sempre precedidas de ameaças por parte de congressistas, uma forma de fazer pressão sobre o Executivo para que o dinheiro das emendas parlamentares seja liberado. E o governo também faz a sua parte na chantagem. Costuma só liberar o dinheiro das emendas – que são legais, previstas no regimento e que levam pequenas obras para municípios distantes – se os deputados e senadores aprovarem a proposta de interesse do Executivo.
Pressão. Os movimentos sociais hoje têm ferramentas diversas para sua atuação. E fazem pressão sobre o Congresso, exigindo mais ética na política, como nas manifestações de junho. Esses grupos sociais começaram a se fortalecer durante a Constituinte. Eles participaram ativamente dos debates. Todos os dias eram encontrados no prédio da Câmara representantes de quilombolas, de sem-terra, de indígenas, de mulheres, de gays, de negros, e dos mais variados setores. Empresários, banqueiros, exportadores, funcionários públicos, militares, profissionais liberais, todo mundo era ouvido por deputados e senadores que não tinham distinção entre sim. Eram apenas constituintes.
Durante o primeiro ano de funcionamento da Constituinte, a centro-esquerda conseguiu ocupar os principais postos da Comissão de Sistematização, que a princípio teria o poder de redigir a Constituição. Percebendo que tinham levado uma rasteira, os parlamentares de centro-direita se organizaram – o que ficou conhecido por Centrão – e mudaram o regimento da Assembleia Constituinte. A Comissão de Sistematização perdeu o poder e coube ao plenário da Constituinte votar tudo o que consta da Constituição, sempre em dois turnos.
O Centrão, no entanto, tinha dentro de si um outro grupo, com cerca de 100 constituintes, que acabou sendo denominado de "centrinho". Eram parlamentares que ora votavam a favor de propostas de centro-direita, ora de centro-esquerda. Passou a ser tão importante que os dois lados não faziam nada sem verificar para que lado penderia o voto do "centrinho".
Havia ainda um pequeno grupo que votava contra tudo. Era constituído pelo deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), que viria a ser presidente da Câmara e líder do governo de Fernando Henrique Cardoso, Oscar Correa Filho (PFL-MG) e Ronaro Correa (PFL-MG). Eles diziam que a Constituição, como estava sendo feita, enterraria o Brasil. Não votavam sim nem nas questões polêmicas nas quais tinham sido importantes para chegar a um consenso. Eles ficaram conhecido como grupo do "não".

A busca constante pelo ‘cheiro de amanhã’ (sobre os 25 anos da Constituição)

Criada na transição do regime autoritário para a democracia, Constituição resiste a falhas e críticas com garantias à cidadania

04 de outubro de 2013 | 22h 00

O Estado de S. Paulo
"Essa Constituição terá cheiro de amanhã, e não cheiro de mofo." Para o então deputado Bernardo Cabral, relator da Assembleia Nacional Constituinte e depois ministro e senador, a profecia de Ulysses Guimarães foi realizada 25 anos depois.
A Assembleia Nacional Constituinte, que iniciou os trabalhos em fevereiro de 1987 e viu a Carta Magna ser promulgada em 5 de outubro de 1988, fora criada num momento em que o País clamava por democracia. Em plena transição pós-regime militar, a hora era de garantir os direitos individuais, a liberdade de expressão, proteger as minorias. Gerar os princípios para a garantia da cidadania.
O clima histórico ajuda a entender a complexidade da Carta Magna, cujo nível de detalhamento é elogiado por uns e tão criticado por outros.
Um dos princípios fundamentais da Constituição de 1988 é a harmonia entre os Poderes. Preservado nos artigos, o pressuposto é violentado ora pela politização do Judiciário, evidente no processo recente de julgamento do escândalo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, ora pela quase promíscua relação do Executivo e do Legislativo, que perde forças no presidencialismo de coalizão marcado pela mão forte das medidas provisórias, instrumento criado pela Constituinte.
Ainda que momentos de conflito tenham marcado a relação entre governo e Congresso de lá para cá, assim como as reclamações desses Poderes contra um eventual excesso de protagonismo do Judiciário, nenhuma crise ameaçou o pilar da democracia ao longo desse quarto de século.
Liberdade. "Você, que talvez não tenha se recordado, ou não tenha vivido os momentos difíceis da nossa Constituição, precisa se lembrar de que naquele tempo tudo era incerteza. Nós vivíamos em um regime autoritário, onde as pessoas não podiam definir o seu futuro. Hoje, nós estamos num regime de liberdade e nós devemos isso à nossa Constituição." O conselho foi dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardozo em seu perfil no Facebook.
Constituinte na época, FHC, traduz a história para a juventude guiada pela era digital que quer ser conquistada pelos políticos: "O Brasil de hoje, esse Brasil dinâmico, moderno, que tem esperança, que olha o futuro com relativo, senão bom otimismo, começou ali. A democracia".
Fernando Henrique descreveu os debates na Assembleia Constituinte como um momento de otimismo. "Era o Brasil sonhando, era um Brasil quase que enlouquecido por um futuro melhor. Hoje nós podemos dizer que nós demos um passo essencial. Nossa Constituição garante liberdade, garante direito, garante acesso a muitos bens sociais. É uma Constituição que desenhou um Brasil melhor, mais feliz, que queria ter educação, saúde, reforma agrária...", escreveu o ex-presidente.
"(O País) precisa melhorar muito, mas o marco geral foi dado pela nossa Constituição. É uma Constituição, como dizia Ulysses Guimarães, cidadã, dá a cada um de nós a noção de direito. Agora nós temos que exercer."
Vitalidade. Também Constituinte que virou presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, ao celebrar a promulgação da Constituição em evento promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, enfatizou o caráter dinâmico da Constituição, também lembrando a frase de Ulysses. "Esse apenas um quarto de século já constitui o mais longo período de exercício das liberdades democráticas e do Estado de Direito da nossa República. Diante dos imensos desafios do Brasil, a vitalidade da Constituição é um feito a se lembrar."
Lula relembrou períodos de crise, como o afastamento do primeiro presidente eleito de forma direta em 29 anos, quando a Constituição nem havia completado meia década de vigência. "Eu lembro do impeachment do presidente Collor, quando muita gente tinha medo de que o Brasil não estava preparado para aquele gesto. O Brasil não só estava como fez o impeachment e continuou vivendo na normalidade democrática porque as instituições funcionavam."
A Constituição cidadã liderada por Ulysses Guimarães está longe de ser perfeita e, reconhecem os ex-constituintes, advogados e políticos, sofrerá constantes aperfeiçoamentos para garantir os direitos sociais e individuais. "O vigor da Constituição reside nessa combinação de liberdades políticas com direitos sociais coletivos e individuais, em que, em muitos aspectos, foi absolutamente inovadora para a sua época", sentenciou Lula.

Judiciário ganha protagonismo ao julgar corrupção e avalizar pauta social

Ações contra políticos e decisões como cotas e união homoafetiva jogam holofote sobre Corte guardiã da Constituição

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Felipe Recondo - O Estado de S. Paulo
Brasília - O mensalão elevou o Supremo Tribunal Federal à posição de protagonista da história recente do País num teste institucional para a proteção de princípios centrais da Constituição de 1988. Após meses de julgamento, um ex-ministro de Estado, parlamentares e presidentes de partidos políticos foram condenados por violações que começam no artigo 1.º da Constituição, que estabelece o pluralismo político como fundamento da República Federativa do Brasil.
Ao cumprir a missão de guardar a Constituição, prevista no artigo 102, o Supremo alargou sua atuação, pautando discussões e decidindo questões que dividem ainda hoje a sociedade e que não encontravam consenso no Congresso. Enquanto pesquisas de opinião apontavam divisão da sociedade, o tribunal deu sinal verde para a união homoafetiva, liberou a interrupção da gravidez em caso de anencefalia e manteve a política de cotas raciais nas universidades.
Ainda nos últimos anos, o tribunal garantiu o direito de livre manifestação, mesmo que em favor da liberação de drogas, interpretou que a vedação ao nepotismo decorre da própria Constituição, apesar de não haver proibição expressa na lei, manteve a proibição de candidaturas de políticos condenados judicialmente antes da aprovação da Lei da Ficha Limpa, derrubou a Lei de Imprensa e firmou o entendimento de que a Lei de Anistia perdoou crimes praticados por agentes de Estado durante a ditadura militar.
Pela frente, outros testes aguardam deliberação do Supremo. O tribunal terá de decidir um conflito entre direitos fundamentais que envolvem a publicação de biografias de pessoas públicas. O que prevalece: o direito à informação ou o direito à privacidade? A Corte analisará também a constitucionalidade da Lei Seca, discutirá os limites de atuação do Ministério Público e julgará se os governos estaduais devem, obrigatoriamente, investir na reforma de presídios para garantir a dignidade humana dos presos.
Ao julgar a acusação de que integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva teriam desviado dinheiro público para comprar apoio de deputados, o Supremo teve, de uma só vez, de enfrentar seguidas questões constitucionais. Em alguns momentos, o tribunal buscou reinterpretar o que estava expresso na Constituição. Em outras, deparou-se com questões ainda pendentes de uma definição.
Papel. Réus sem foro privilegiado poderiam ser julgados diretamente pelo Supremo Tribunal Federal sem que isso viole o direito ao duplo grau de jurisdição? A quem cabe cassar o mandato de parlamentares condenados judicialmente? Deputados condenados em única e última instância têm direito a novo julgamento, por meio de embargos infringentes? Antes de julgados todos os recursos, os réus podem ser presos? Deputado preso pode exercer o mandato? Decisões do tribunal que expandiram sua atuação, reforçaram o papel proeminente da Corte na vida política e social do País e garantiram notoriedade aos ministros.
A expansão do Supremo reativa o recorrente teste aos Poderes que, pela Constituição, devem ser harmônicos e independentes. O Congresso já reagiu às recentes decisões da Corte, propondo mudanças na Constituição para conter o protagonismo do Supremo. No Executivo, as críticas ao ativismo judicial são constantes e interferem no processo de indicação dos ministros.
Internamente, magistrados da Corte buscam o equilíbrio entre a efetividade da Constituição e a autocontenção, para que não interfiram nas atribuições dos outros poderes. O receio manifestado é de que o Supremo se enfraqueça institucionalmente e comprometa a missão que lhe cabe desde a proclamação da República: guardar a Constituição.

Participação popular ainda precisa ser efetivada

04 de outubro de 2013 | 22h 00

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo
Em dezembro de 1992, o assassinato da atriz Daniela Perez, de 22 anos, causou comoção nacional e pôs à prova o artigo 14 da Nova Constituição, que prevê projetos de lei de iniciativa popular. Mais de 1 milhão de assinaturas foram recolhidas para tornar homicídio qualificado crime hediondo. Sem estrutura para conferir a autenticidade das assinaturas, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados não pôde dar continuidade à tramitação do projeto de lei.
Foi preciso que o então presidente Itamar Franco enviasse um projeto do Poder Executivo. O apoio público garantiu a rápida votação pelo Congresso em 1994. Mas não se tratava de fato da concretização do dispositivo de participação popular.
Segundo a Constituição, um projeto popular tem de contar assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado, ou 1,4 milhão de pessoas este ano. Nesses 25 anos, em que quatro projetos do gênero chegaram e foram aprovados no Congresso, porém, não houve a criação de um sistema de validação de assinaturas eficiente. Sem um deputado - ou o Poder Executivo - precisa "abraçar" a causa e se tornar, o autor formal da proposta.
A iniciativa popular exitosa mais recente é a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de pessoas condenadas por colegiados de tribunais. "Foi a mobilização da população que garantiu a inclusão da participação popular na Constituição. O resultado foi positivo, mas está sendo frustrado, porque não há mecanismo de validação das assinaturas e um parlamentar tem que subscrever o projeto", diz o juiz Márlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, agora dedicado a coletar assinaturas para um projeto de reforma política.
Várias propostas estão em discussão no Congresso para assegurar a participação mais efetiva da população no Legislativo, como a que reduz a exigência legal para 0,5% do eleitorado e a que aceita assinaturas recolhidas na internet. Para Pedro Abramovay, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, a inovação da Carta referente à participação popular começa já nos Princípios Fundamentais, ao dizer que "todo o poder emana do povo. "A Constituição oferece ampla participação, mas não oferece mecanismos para que seja exercida. Não poderia o povo requerer, por exemplo, urgência na tramitação de um projeto?", questiona o professor.
Diretor da Avaaz - comunidade de mobilização popular online -, Michael Mohallem cita um exemplo de petição com assinaturas de internautas que seria bem sucedido: o fim do voto secreto. "Mais de 700 mil pessoas assinaram a petição do voto aberto. Os senadores foram inundados por telefonemas e tuítes. Um projeto de iniciativa popular não é garantia de que vai virar lei, mas passam a coexistir a participação popular e a ação dos parlamentares. Porém, ainda há um déficit de participação direta."
Mecanismos. Outros dois mecanismos de participação garantidos na Constituição são o plebiscito (consulta prévia sobre determinado tema) e o referendo (consulta para confirmar ou rejeitar uma lei ou ato normativo).
Nos últimos 25 anos foram usados apenas duas vezes. Em 1993, a população manteve, em plebiscito, o presidencialismo como sistema de governo. Em 2005, um referendo rejeitou a proibição de comercialização de armas de fogo, prevista no Estatuto do Desarmamento. Fora isso, têm sido realizados apenas plebiscitos locais sobre criação de novos Estados e municípios.
Em junho passado, a proposta feita pela presidente Dilma Rousseff de realização de um plebiscito sobre reforma política, como resposta aos protestos que tomavam conta do País, foi enterrada pelos partidos no Congresso Nacional.