quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Energia da cana vale 3 belo monte


Usinas preveem que em 2020 vão gerar 13 mil megawatts com a queima de bagaço, superando a produção esperada para a hidrelétrica no Rio Xingu

01 de setembro de 2010 | 3h 58

    Herton Escobar ENVIADO ESPECIAL A GUARACI
Dia e noite, sem parar, os caminhões chegam à Usina Vertente, em Guaraci (SP), carregados de cana-de-açúcar. Não demora muito, um guindaste é usado para erguer a caçamba e despejar os toletes de cana sobre uma enorme esteira rolante, a "mesa alimentadora". Num dia bom, cada tonelada de biomassa engolida ali renderá, no fim da linha, 175 quilos de açúcar, 80 litros de etanol, 800 litros de vinhaça e uns 250 quilos de bagaço úmido. Não há resíduos. Nada é desperdiçado.
"Não sobra nada da cana", diz o gerente industrial da usina, Luis Muradi. O açúcar vai para os supermercados, o etanol, para os postos de combustível. A vinhaça é enviada de volta ao campo, como fertilizante. Parte do bagaço é queimada ali mesmo, numa caldeira, para produzir a energia elétrica que faz a usina funcionar. Outra parte desemboca numa montanha de bagaço ao ar livre, com quase 30 metros de altura.
O ideal seria que essa montanha não existisse. Mas ela está longe de ser um resíduo. Pelo contrário: a "bioeletricidade" gerada pela queima do bagaço de cana pode ser um produto tão importante para a sustentabilidade energética do País quanto hoje é o etanol. "O futuro das usinas está na bioeletricidade e no álcool. Acho que o açúcar vai ficar em terceiro lugar", prevê o diretor da usina, Hugo Cagno Filho.
"A rentabilidade da cogeração é muito maior."
Inaugurada em 2003, a Vertente processa 7.500 toneladas de cana por dia. Com a caldeira e o gerador atual, produz 8 megawatts de bioeletricidade. Consome internamente 6,5 megawatts e exporta o restante para a rede de distribuição. Até 2013, com a construção de uma nova caldeira e a instalação de mais dois geradores, o plano é ampliar a produção para 40 megawatts, dos quais 30 serão vendidos (o suficiente para abastecer 60 mil pessoas). É eletricidade limpa, já que as plantas que estão crescendo no campo reabsorvem, via fotossíntese, o carbono emitido pela queima do bagaço na caldeira. Isso ocorre sucessivamente, safra após safra.
Excedentes. Todas as 434 usinas de açúcar e álcool do País são autossuficientes em energia, graças ao bagaço de cana, e 100 delas já vendem excedentes para o sistema integrado nacional. Essa bioeletricidade contribuiu, em 2009, com 670 megawatts médios para a rede, ou quase 2% da energia consumida no País, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). E há muitas montanhas de bagaço para queimar.
"Temos uma reserva gigantesca de energia adormecida nos canaviais", diz o presidente da Unica, Marcos Jank. Somando o bagaço que sobra nas usinas à palha que sobra no campo após a colheita mecanizada (que hoje não é aproveitada), o setor prevê ter biomassa suficiente para produzir 13 mil megawatts em 2020. Isso equivale a três vezes o que deverá produzir a Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. E é suficiente para suprir 14% do consumo nacional estimado para 2019, quando está previsto o início da operação de Belo Monte.
"O Brasil vai precisar de sete usinas de Belo Monte para atender sua demanda de energia até 2020. Três delas podem vir dos canaviais", diz o economista Zilmar José de Souza, assessor de bioeletricidade da Unica.
O incentivo à bioeletricidade seria uma forma de ampliar ainda mais o papel da cana-de-açúcar como fonte de energia limpa - além da produção de etanol, que já movimenta 55% da frota de veículos leves do País. O desafio de acordar esse "gigante adormecido" dos canaviais, porém, não cabe apenas à indústria, afirma Jank. "Este é um setor que depende demais de políticas públicas."
Faltam incentivos para modernização das usinas e infraestrutura de conexão à rede. As usinas que não exportam energia trabalham com caldeiras antigas, de baixa pressão, que queimam muito bagaço para produzir pouca energia. "Seria preciso fazer um amplo programa de troca de caldeiras, para inserir essas usinas no sistema", afirma Souza. O chamado retrofit, porém, só vale a pena para o usineiro quando a caldeira atual está no fim da vida útil. Antes disso, diz Souza, só com algum incentivo do governo.
As caldeiras mais modernas chegam a 100 bar de pressão. A Vertente trabalha com uma de 45 bar, que deverá dar lugar a uma de 65 bar em 2013. O custo estimado do projeto - incluindo caldeira nova, dois geradores de 20 MW e 11 quilômetros de linhas de transmissão - é de R$ 100 milhões. Custo que Cagno Filho espera pagar com recursos do BNDES e da venda de energia. "A ideia é cogerar o ano inteiro e acabar de vez com essa montanha de bagaço. Hoje não faz sentido ampliar a capacidade de moagem sem ampliar a capacidade de cogeração. Uma coisa está casada com a outra."
Segundo o gerente setorial do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, Artur Milanez, o volume de recursos desembolsados pelo banco para projetos de cogeração com bagaço de cana aumentou dez vezes em cinco anos: de R$ 130 milhões, em 2004, para R$ 1,3 bilhão, em 2009. A carteira atual tem 83 projetos contratados, com capacidade para gerar 2.475 MW. "A demanda é muito grande, e ainda há muito espaço para crescer."
Apesar de todo o potencial e expectativa, os ventos não sopraram a favor da biomassa de cana nos últimos leilões de energias renováveis, promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na semana passada. Dos 73 projetos habilitados, só 12 foram contratados, totalizando 190 MW. A grande vencedora foi a energia eólica, com 899 MW contratados, divididos em 70 projetos. O preço médio pago foi de R$ 130/MWh, ante R$ 144/MWh da bioeletricidade.
Os produtos da cana-de-açúcar já contribuem com 18% da energia ofertada no País, mas quase tudo isso se refere ao uso do etanol como combustível de veículos. A participação da bioeletricidade é bem menor. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia, quase 90% da eletricidade produzida no País em 2009 veio de fontes renováveis - principalmente a hidráulica, com 83,7%. A biomassa (incluindo bagaço de cana , lenha e outros materiais vegetais), contribuiu com 5,9% e a eólica, com um modesto 0,3%.
Sol e vento. Além da biomassa, estudos mostram que há um enorme potencial ainda não aproveitado em energia eólica e solar no País, que poderia substituir os 10% de eletricidade que ainda são gerados em usinas nucleares e térmicas, movidas a combustíveis fósseis. Transformar esse potencial em capacidade instalada, porém, exige superar uma série de gargalos econômicos, tecnológicos, logísticos e regulatórios. A previsão é de que a participação proporcional de fontes renováveis na matriz energética não mudará radicalmente nas próximas décadas.
"O carro-chefe continuará a ser a energia hidrelétrica. As outras renováveis vão crescer pouco a pouco", prevê o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica, Nelson Hubner. A energia eólica, segundo ele, continuará a crescer, mas nunca deixará de ser uma fonte "complementar". A solar, por sua vez, só deverá se tornar economicamente competitiva daqui a 10 ou 20 anos.
Para o pesquisador Sergio Colle, coordenador dos Laboratórios de Engenharia de Processos de Conversão e Tecnologia de Energia (Lepten), da Universidade Federal de Santa Catarina, o Brasil poderia ser muito mais ambicioso no aproveitamento de seu potencial em termos de energia solar e eólica. "O País não pode se dar ao luxo de ficar de braços cruzados e desperdiçar oportunidades, só porque nasceu no "berço esplêndido" das hidrelétricas e da biomassa."

Tópicos: VidaMeio ambiente

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dentadura, sapato ou emprego


29 de agosto de 2010 | 0h 00
João Ubaldo Ribeiro - O Estado de S.Paulo
A grande festa da democracia já está rolando, embora a animação não pareça das mais intensas. Pelo menos para mim, nos cada vez mais escassos momentos em que consigo assistir ao horário eleitoral sem dormir, lembra esses circuitos de Fórmula Um onde as ultrapassagens são quase impossíveis e a corrida se define logo depois das primeiras três ou quatro voltas. Espero não violar nenhuma lei eleitoral, ao endossar a opinião de praticamente todo mundo com quem converso, ou seja, o dr. Serra já perdeu, anda com jeito de perdedor e às vezes a campanha dele dá a mesma impressão que a de um time de futebol em campo apenas para cumprir tabela. Observando-a em andamento, a gente às vezes precisa até de um pequeno esforço, para recordar que se trata de um candidato da oposição.
Ouso ainda achar que a campanha dele partiu de um pressuposto exemplarmente burro. Não sei se aqueles que a conceberam se basearam numa analogia com o que, segundo me contam, fazem os lutadores de jiu-jítsu, os quais usam a força do adversário contra esse mesmo adversário. Se não foi isso, ficou perto. Já que não se pode fazer nada contra a popularidade do presidente Lula, vamos então usar a força dessa popularidade contra sua candidata.
Ideia de Jericó. Não me refiro à cidade bíblica cujas muralhas ruíram por obra das trombetas de Josué, refiro-me à elegante pronúncia de Zezito Cabecinha, lá de Itaparica, que não conhecia a palavra "jerico" (só conhecia "jegue") e a leu "jericó" na primeira vez em que a viu, de maneira que até hoje designa como ideia de Jericó qualquer juízo que lhe pareça pouco inteligente. Perfeita ideia de Jericó, essa corporificada na campanha "oposicionista". Bota lá a imagem do presidente Lula bem visível nos meios de comunicação de massa, bota o nome dele nos jingles. Para mim, isso é mais ou menos a mesma coisa que a Pepsi-Cola fazer propaganda estampando a marca da Coca-Cola em todos os seus comerciais - e com uma voz off no final dizendo "Pepsi-Cola: tão boa quanto Coca-Cola!" Ou, talvez, um pouco mais no espírito da atual campanha da alegada oposição, um ator simpático falando para o telespectador: "Agora que você se deliciou com sua Coca, por que não experimentar uma Pepsi?" É em algo assim que essa campanha resulta. Eu pensava que usar uma marca e uma imagem era coisa muito bem entendida por publicitários, marqueteiros e outros cientistas sociais, mas, pelo visto, não é. Ou então o burro sou eu, deve ser. De qualquer maneira, acho que, a esta altura, saiu tudo pela culatra e a força do adversário não tem funcionado contra ele, mas provavelmente a favor, como parecem corroborar as pesquisas eleitorais.
E, lá no meu sertão, como andará a festa? O brasileiro não sabe votar, avaliação todos os dias repetida, até mesmo num texto falsamente atribuído a mim, que circula na internet e que já desisti de desmentir. Se isso se refere aos brasileiros pobres, miseráveis ou esquecidos nos cafundós, não tenho tanta certeza de que representa a verdade. Que quer dizer "votar certo"? O eleitor vota certo, digamos, quando vota no candidato que representa seus legítimos interesses e aspirações. Nesse caso, quando vende seu voto, ou o troca por uma dentadura, um par de sapatos ou, melhor ainda, um emprego, o tal eleitor "inconsciente" não estará votando certo? Em muitos casos, somente na próxima eleição é que ele vai ver esse pessoal que ora compra seu voto. A eleição é uma ocasião preciosa e rara que se oferece a ele. Durante a temporada eleitoral, ele é cumprimentado, é escutado e elogiado, vira até gente e recebe alguma coisa de um mundo que o ignora e abandona o resto do tempo. Que outra serventia tem o voto para ele? Como vão caber no horizonte dele as questões discutidas pelos "esclarecidos"? Que real diferença, para ele, existe entre um deputado e outro, a não ser que um recompensa o voto com uma graninha, um sapatinho, uma dentadurazinha, uma colocaçãozinha - e o outro nem isso? E, como nem um nem outro jamais fizeram nada para beneficiá-lo, estará votando errado, ao ser recompensado pelo seu voto da única forma que a experiência o autoriza a ver como viável?
E os que votam "certo"? Aqui de novo há uma escala. Quem furta galinha é ladrão; quem furta muitos milhões é um financista vitimado pelas vicissitudes do mercado; quem furta bilhões é um grande homem. Matou um, é assassino; matou milhões, é grande líder. Da mesma forma, quem negocia seu voto por um emprego vota errado. Em compensação, votam certo os que negociam seus votos por uma legião de empregos, como fazem os políticos profissionais que já hoje nem se aguentam, tamanha a sede de ir ao pote assim que o novo governo tomar posse, dando-nos volta e meia a vontade de pedir calma, que vai dar para todo mundo, embora, levando-se em conta a voracidade e a eficiência com que saqueiam e dissipam, talvez o seguro seja estar entre os primeiros a abocanhar, pois de repente a fonte pode secar.
Saber votar, por outro lado, consola pouco os que acham que sabem. Todos os objetivos de todos os candidatos (espero também não ter violado nenhuma lei eleitoral, por haver falado acima somente nos candidatos mais cotados nas pesquisas - temo, aliás, que no futuro, a julgar pelas tendências correntes, isto de fato venha a constituir crime eleitoral e até os livros de História do Brasil sejam obrigados a dedicar espaço rigorosamente igual a todos os presidentes da República) são sempre os mesmos. Construir um Brasil mais justo, mais igualitário, com cidadania. E porque tal, porque vira, etc. e tal. É tudo a mesma coisa, tudo fácil de dizer. E assim, mesmo nós, os que achamos que sabemos votar, enfrentamos dificuldades de escolha. Não estou precisando de dentadura no momento, mas um parzinho de sapatos talvez caísse bem. 


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Onda Dilma vem de longe

Por José Roberto de  Toledo
(coluna publicada na edição impressa do Estado)


“A propaganda eleitoral começou na TV e fez Dilma Rousseff (PT) disparar nas pesquisas”. Nada mais factual, simples e equivocado. Em eleições, como em todo o resto, não há causa única para consequências avassaladoras.
A entrada da TV no processo eleitoral é a gota d’água que transborda o copo, o grão de areia que provoca uma avalanche, o último tapinha no fundo da garrafa que faz esparramar o catchup. Não houvessem as condições necessárias, um estado crítico, não haveria a onda Dilma.
É um equívoco comum: as tensões acumuladas ao longo de meses, anos, se liberam de uma só vez e debita-se ao último fato de uma cadeia de eventos a responsabilidade pelo ocorrido.
Equivale a culpar o motorista do arquiduque Franz Ferdinand pela morte de 10 milhões de pessoas na Primeira Guerra Mundial, só porque ele errou o caminho e colocou inadvertidamente o nobre austro-húngaro frente a frente com seu assassino.
O crescimento de qualquer candidato é uma onda que se move por muito tempo antes de quebrar, de repente, na urna. Alguns não passam de marola, outros viram tsunami.
Dilma não estaria em condições de vencer no primeiro turno, não houvesse o presidente propagandeado seu nome por meses a fio, ao arrepio da lei eleitoral.
Nem Lula poderia se arvorar a “entregar meu povo em tuas mãos” não houvesse incluído dezenas de milhões no maravilhoso mundo do consumo. Tampouco isso teria ocorrido sem o Plano Real. A história faz diferença.
Assim, não se pode creditar o crescimento de Dilma apenas ao horário eleitoral. Segundo o Datafolha, só 1 em cada 3 eleitores viu os primeiros programas dos presidenciáveis. A onda vem de longe.
Antes de ultrapassar José Serra (PSDB) nas intenções de voto, a petista superou-o no favoritismo popular, ainda nos primeiros dias de junho. Desde então, a cada nova pesquisa, mais eleitores apostam que ela será eleita. Com “delay”, o favoritismo foi virando intenção de voto. Era a onda ganhando corpo.
Ela se propagou do Norte para o Sul, desde as regiões onde os aumentos de renda e do consumo foram mais fortes. Esse movimento contradiz o mito de que “formadores de opinião verticais”, os mais ricos e escolarizados, impõem as tendências de voto de cima para baixo.
Foi a soma de eventos recentes e, principalmente, a sua repercussão que propiciou o último salto de Dilma nas pesquisas. A eleição virou assunto e se propagou de boca em boca. Mais eleitores, principalmente os mais pobres, descobriram que a petista é a candidata de Lula.
Não foram poucos nem desprezíveis os eventos que antecederam o início do horário eleitoral. As entrevistas dos candidatos a presidente no “Jornal Nacional” da TV Globo foram vistas por até 36 milhões de eleitores, segundo pesquisa Ibope.
O debate entre os presidenciáveis na Band alcançou pelo menos 18 milhões de eleitores. O debate no UOL, via internet, recebeu 1,8 milhão de acessos e esse número continua crescendo, porque os eleitores seguem querendo ver os trechos mais ácidos da disputa.
“É menos a audiência (do debate ou da entrevista) e mais a repercussão, o boca-a-boca”, afirma Marcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope Inteligência.
Com 28 anos de experiência em pesquisas eleitorais, ela explica que o efeito das entrevistas e debates é potencializado pelos “formadores de opinião horizontal”, as pessoas mais influentes da família e da vizinhança, que iniciam conversas com base nesses eventos.
Embora as relações interpessoais ainda sejam uma das principais fontes de influência do voto, as novas tecnologias desempenham um papel cada vez mais importante nas eleições. Especialmente quando interagem com os meios de comunicação tradicionais.
A entrevista de Marina Silva (PV) ao “JN” quase triplicou o número de pesquisas por seu nome no Google. O número de citações aos candidatos nas redes sociais como Twitter e Facebook é multiplicado quando há debates na TV. Trecho da propaganda de Serra vira hit no YouTube. Um meio potencializa o outro.
Quando a eleição vira assunto do dia-a-dia, o acesso às informações sobre a campanha é praticamente simultâneo a todo o eleitorado, seja nas capitais, seja no Brasil profundo. Isso pode tanto reforçar tendências quanto provocar alterações bruscas, a partir de um fato inesperado, um “aloprado”. Também por isso não se pode dar a eleição por decidida.