domingo, 27 de julho de 2025

Um país em que não se pode xingar mandatários do poder não é democracia, FSP Pondé

Vivemos, hoje, no Brasil, um cenário de conflito entre duas formas de política totalitária. Uma do bolsonarismo, mais óbvia, tosca e amante de um golpismo "démodé" típica dos anos da Guerra Fria na América Latina. E outra, aparentemente mais sutil e com a cara do século 21, aquela praticada pelo PT e seu aliado, o Supremo Tribunal Federal.

"Disclaimer": identificar o risco autoritário no PT e no STF não implica evidência de inocência de Jair Bolsonaro.

A imagem apresenta uma grade com um padrão de losangos, onde estão dispostas várias letras formando palavras. As palavras visíveis incluem 'SEMANTICA', 'PARA', 'GOLPISTAS', entre outras. O fundo é branco e as letras são pretas, destacando-se na grade. No canto inferior esquerdo, há a assinatura 'Cammarota'.
Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna se Luiz Felipe Pondé de 28 de julho de 2025 - Ricardo Cammarota/Folhapress

Antes, um reparo metodológico. Contenha-se, pelo menos até o fim da argumentação que se segue —a fim de apontar a possibilidade de que haja, também, elementos autoritários no PT e no STF—, antes de berrar que estou do lado do Bolsonaro. O mesmo reparo vale quando se aponta para a óbvia vocação autoritária do Bolsonaro e seus aliados. Não se deve berrar, comunista! A polarização é um circo de regredidos.

Aliás, esse é um dos piores sintomas da condição regredida da polarização. O enquadramento imediato dos argumentos numa das duas posições miseráveis e reinantes na política brasileira nos últimos anos, ou você é bolsonarista, ou você é petista. E neste quadro de regressão, engana-se quem assume que esse erro seja típico do senso comum.

Não, gente com pós-doutorado ou livre docência, além de outras marcas da realeza acadêmica, incorre na mesma regressão cognitiva, só que com uma linguagem e jargões da academia que só engana quem não é do ramo.

Quando o ministro do STF Luiz Fux discordou do colega Alexandre de Moraes acerca das medidas restritivas aplicadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro —tornozeleira eletrônica, proibição de qualquer emissão de conteúdo nas mídias, inclusive de terceiros—, chamando mesmo a atenção para o risco de censura jurídica do Estado sobre a liberdade de expressão, logo se tornou objeto de chacota nas bolhas dos petistas e simpatizantes.

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Também levantou suspeitas de que, por não ter tido seu visto americano revogado por Trump —nem ele, nem outros dois ministros do STF, Kassio Nunes Marques e André Mendonça—, estaria a serviço do Trump e Bolsonaro.

Hoje, aliás, não sentir o odor de contaminação política ou ideológica no STF pode indicar problemas no sentido do olfato. A temporada de dúvida com relação à pureza jurídica do STF está aberta.

Não se considera, nem por um minuto, a possibilidade de que exista algum argumento racional contra qualquer decisão do ministro Alexandre de Moraes contra o Bolsonaro. Poderíamos mesmo supor que, caso fosse ordenado o enforcamento em praça pública de Bolsonaro, haveria um carnaval na Paulista em nome da defesa da democracia. Alexandre de Moraes virou o faraó do Brasil. E o argumento "em defesa da democracia" virou um sofisma para enganar as pessoas. A retórica política sempre teve vocação a lata de lixo, mas hoje está pior ainda.

A entrevista do ex-presidente do STF Marco Aurélio Mello ao jornal O Estado de S. Paulo, vai na mesma direção de apontar exageros do "espírito de corpo" dos ministros do STF, por não colocarem nenhum freio aos impulsos um tanto inconsistentes juridicamente —na opinião do entrevistado— do ministro Alexandre de Moraes no seu "inquérito do fim do mundo", o inquérito das fake news, assim como na sua conduta no caso de Bolsonaro.

Marco Aurélio Mello chega mesmo a questionar a atribuição do caso ao STF diretamente. No caso da prisão do Lula, o fato de ter sido na primeira e segunda instâncias, pode ser anulada pelo STF sem saia justa.

Evidentemente, as bolhas dos petistas e simpatizantes verão nessa crítica a fala de um "ex-ministro bolsonarista do STF". De novo, para a esquerda não há racionalidade possível fora do apoio a tudo que o ministro Alexandre de Moraes fizer contra Bolsonaro.

Resumindo a ópera: a tradição mais comum da boa filosofia política sempre suspeitou que o poder, quando absoluto, corrompe absolutamente quem o possui. Mas, devia ser evidente —pelo menos para aqueles que praticam a palavra pública profissionalmente— que um país em que não se pode xingar livremente os mandatários do poder não é uma democracia plena, como o Brasil hoje.

O famoso argumento em favor da honra é sempre um argumento em favor da censura. Sócrates foi condenado à morte pela democracia ateniense também sob a acusação de ferir a honra de pessoas de "reputação ilibada". Num mundo como o nosso, onde não há honra —só em sociedades guerreiras a virtude da honra é fato—, qualquer argumento em nome da honra é falso.

A luta no Brasil, hoje, é para não deixarmos o país virar um galinheiro de quintal, dominado pelo canto de três ou quatro galos enfeitados.

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