
Na guerra das tarifas declarada por Donald Trump, o Brasil se encontra bem posicionado. A avaliação é do ex-embaixador na Itália e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero. O País, além de registrar déficit comercial com os Estados Unidos há 17 anos, tem a seu favor uma reserva em dólares que financia em até 16 meses suas importações.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele diz que a queixa do Brasil junto ao órgão de resolução de controvérsia da Organização Mundial do Comércio (OMC) tem um valor legal e moral, mas sem efeitos práticos, já que Trump “não respeita nada”.
Além disso, para ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria parar de falar na criação de uma moeda para o comércio entre os Brics, porque é uma medida que carece de resultados práticos. Mesmo assim, diz, Lula não está errado em contestar o ataque de Trump ao Brasil via tarifaço. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Para você
O Brasil perde muito com a tarifa de 50% às exportações para os EUA imposta por Donald Trump?
O comércio do Brasil com os EUA é importante, mas não é o mais importante para nós. É lamentável, mas é uma perda que pode ser absorvida.
Por quê?
Temos uma diferença que nos separa de uma maneira nítida de outros países da América do Sul. Todos os países do Peru para o Norte destinam aos Estados Unidos cerca de metade das suas exportações. Em um dos casos, o México, é mais de 80%. O Brasil envia apenas 12%. Os Estados Unidos são o segundo destinatário das exportações brasileiras. O primeiro é a China, com 30%. A Ásia representa quase 50%. Um país que só agora que está crescendo, Bangladesh, importa mais de US$ 1 bilhão em algodão do Brasil. Isso significa mais do que os cinco países nórdicos somados - Islândia, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia. Em Bangladesh está a grande indústria de tecidos, então eles importam algodão em rama e transformam em tecidos. O comércio exterior brasileiro é diversificado.
Mas não há diferença entre o que exportamos para a China e Estados Unidos?
A China consome sobretudo petróleo bruto, soja em grão e minério de ferro. Os Estados Unidos, embora respondam por 12% das nossas exportações, são importantes para manufaturas, inclusive as de alto conteúdo tecnológico - os aviões da Embraer, os motores elétricos da Weg e produtos siderúrgicos da Tupy. Mas o comércio brasileiro é diversificado. A Europa recebe 15% a 16% das nossas exportações. A Argentina e a América Latina representam 10%. Não há uma concentração num só mercado.
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Independentemente disso, o Brasil deve entrar com queixa junto ao órgão de resolução de controvérsias da OMC. Qual o efeito prático dessa ação?
Até onde sei, o Brasil já entrou com a queixa no sistema de solução de controvérsias e é um caso fácil de ganhar. Ganha, mas não leva, porque o Trump não liga. Tem um valor moral e legal, até para marcar o precedente para o futuro, mas não vai adiantar nada. O Trump nem cita a Organização Mundial de Comércio, nem toma conhecimento da existência dela.
Fala-se que falta diálogo entre os presidentes Lula e Trump. O sr. concorda?
Não houve contato de alto nível entre os mandatários do Brasil e dos Estados Unidos. Nisso, há uma diferença com outros países. Quase todos os outros tiveram contato. Não sei se teria adiantado porque a situação no Brasil é única. É o único em que existe um componente político, que é o caso do Bolsonaro e da queixa que o Trump faz das decisões do Supremo Tribunal Federal.
O Bolsonaro é realmente importante para o Trump?
Quando Trump se queixa que o Brasil persegue o Bolsonaro, está na verdade defendendo a posição dele. O Bolsonaro está sendo processado exatamente pela mesma acusação que o Trump sofreu nos Estados Unidos, de ter perdido a eleição e procurado reverter isso por meio de procedimentos ilegais. A solidariedade dele a Bolsonaro é sincera. A diferença é que aqui corre um processo e Bolsonaro provavelmente vai ser condenado entre setembro e outubro.
Fala-se também que Trump teria se irritado com a fala de Lula sobre uma moeda para o comércio entre os Brics.
Isso é especulação. Lula deveria parar de falar nisso porque não traz resultados práticos. Quem recebe pelas exportações são os exportadores, e eles querem receber em dólar. Desde 2023 existe um acordo entre Brasil e China para usar moedas locais em transações comerciais e isso nunca avançou porque o exportador não quer receber em yuan. No comércio com a Argentina, por exemplo, o exportador não vai querer receber em peso.
Lula erra no discurso contra Trump nesta questão do tarifaço?
Eu não acho que o presidente está errado. Não começamos essa guerra. Foram Trump e os Estados Unidos. Tenho visto muitas críticas ao governo brasileiro, mas quem critica são os traidores da Pátria. O Brasil nunca se recusou a negociar. Em março, mandou uma delegação do Itamaraty aos Estados Unidos, chefiada pelo secretário de Assuntos Econômicos. E, em maio, no dia 20, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin, mandaram uma carta aos Estados Unidos pedindo que dessem uma resposta às ofertas que o Brasil tinha feito. E eles nunca responderam.
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