Finalmente uma boa notícia sobre a inteligência artificial. Ela nos permitirá falar com os mortos. Virtualmente, claro, mas o que não é virtual hoje em dia? Bastará fornecer à IA amostras da voz do defunto e dados básicos sobre sua vida para que, através dela, possamos bater um papo com ele, e de viva voz —a sua, pelo menos.
Não está claro se o falecido terá de se limitar a assuntos de que participou em vida ou se poderá falar de fatos decorridos após sua morte. Se valer a segunda hipótese, será espetacular, porque as primeiras perguntas que todos lhe faremos serão aquelas nunca respondidas. Uma, "existe vida depois da morte?". E a outra, "existe Deus?". Esta última foi feita em 1966 a um supercomputador daquele tempo, e ele respondeu: "Agora existe." Que convencido!
De minha parte, eu me contentaria com dúvidas nunca bem esclarecidas sobre algumas pessoas. Por exemplo, eu convocaria o querido Garrincha, cracaço do Botafogo e da seleção, e lhe perguntaria: "Mané, é verdade que, como dona Rosa, sua irmã, me contou, você torcia pelo Flamengo?". Se a resposta for sim, eu emendaria: "Então por que aquela insistência em massacrar o Flamengo sempre que você o enfrentava?". Eu perguntaria também ao nosso maior oráculo, Nelson Rodrigues: "Nelson, o que você acha do politicamente correto?". Ele provavelmente responderia: "É uma invenção de imbecis de todos os sexos".
Como ainda se sabe pouco sobre as grandes mulheres do passado, eu chamaria algumas santidades unânimes, como madame Curie, Madre Teresa de Calcutá, Helen Keller, Mãe Menininha do Gantois e a princesa Isabel. Ou, pensando bem, mulheres com cabelinho nas ventas, como Aracy de Almeida, Eugenia Alvaro Moreyra, Dercy Gonçalves, Mata Hari e a Fera da Penha.
E, num rasgo de coragem, chamaria a mim mesmo depois de morto. Apenas para perguntar: "E aí? Apesar de ateu, fui pro céu?".
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