Um dos sintomas mais miseráveis da polarização que vivemos é a tentativa, por parte de ambos os lados dela, de empurrar quem não está 100% com eles para o lado contrário da disputa política. Este é o ponto em que a adesão política passa a funcionar como uma religião exclusivista. Não é mais uma proposta de transformação do mundo, que precisa buscar novos defensores para que seja implementada na democracia, e sim uma maneira do indivíduo se sentir moralmente superior, levando-o, portanto, a excluir de seu círculo quem não pertence ao grupo dos puros.
A sociedade democrática só resiste na medida em que uma massa crítica de cidadãos e instituições não cederem a essa lógica binária, cuja consequência lógica é a guerra civil —se houver semelhança de força entre os polos— ou a ditadura, se um deles for mais forte. E uma dessas instituições é, sem dúvida, a universidade, em especial as faculdades de humanas, que são aquelas que se propõem a falar sobre a sociedade. Se deve existir um espaço em que o pensamento seja explorado com total liberdade e profundidade, sem se render aos interesses políticos do momento, é a universidade. Não parece, contudo, que seja o caso.
Na semana passada, foi a vez de Francisco Bosco, intelectual que se situa tranquilamente na centro-esquerda, ser massacrado por ter dito que Olavo de Carvalho tinha razão ao criticar a falta de autores de direita nas universidades. Não sei se o problema está tanto na bibliografia dos cursos de humanas ou no posicionamento político de professores e estudantes, esse sim majoritariamente de esquerda e sem abertura a questionamentos (o que, imagino, deve ter algum impacto em como leem a bibliografia). Mas existe sim um problema, que tem levado a um distanciamento crescente entre mundo acadêmico e o debate público aqui fora.
Até onde eu saiba, a crítica de Olavo foi feita por muitos outros autores, inclusive com mais propriedade. No que ele foi realmente pioneiro, isso sim, foi em descobrir na prática o caminho para minar a relevância pública da universidade. Ele, ainda na primeira década dos anos 2000, percebeu que a tecnologia tornara possível prescindir dos canais da imprensa e da chancela das universidades. Cortando um a um todos os vínculos que ele tinha com a imprensa nos primeiros anos do século 21, Olavo migrou para a conexão direta com o público via internet: seja por seu curso pago de filosofia, com milhares de alunos, seja pelos comentários políticos que veiculava gratuitamente para centenas de milhares de ouvintes.
Numa linguagem que se conectava com um público sedento por saber, em seu discurso a universidade virara um antro de esquerdismo e perversão moral. Isso é mentira, mas o fato de que seja facilmente acreditado por tanta gente mostra que seus membros têm falhado em se comunicar com a população e em mostrar sua relevância.
Se, além disso, transformam-se em meros peões da disputa política, só confirmam as crenças de quem os ataca. Os defensores da universidade têm razão; mas isso vale muito pouco se não conseguirem também convencer a sociedade. E, nisso, têm deixado a desejar. Um dos jeitos de recuperar a confiança da população é ser capaz de mostrar que em seus quadros há pessoas de variadas ideologias, e que fomenta nos estudantes não o radicalismo da vez, e sim a disposição de pensar por si mesmos, sem as amarras do grupo ou da tradição. Num momento em que professores exigem —com justiça— melhor pagamento, é preciso também mostrar à sociedade que aquilo tudo vale o investimento.
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