Um Brasil passando por um momento de expansão do capitalismo, com a manutenção de práticas arcaicas nesse processo de modernização. Assim Nabil Bonduki, urbanista e professor da USP, define o Brasil dos anos da ditadura. Ele afirma que o crescimento do país, naquela época, era “de fazer inveja ao Brasil de hoje”. Mas... esse crescimento estava “baseado em salários baixos”.
Salários baixos que não geravam (e não geram) poder de compra, nem garantiam (e nem garantem) o básico para a sobrevivência. Como moradia, tema do sétimo e último episódio da primeira temporada do podcast Perdas e Danos.
“Debaixo do telhado quente” discute a reforma habitacional, uma das propostas João Goulart em suas reformas de base, e que também foi anunciada no histórico comício de 13 de março, fio condutor pra esse podcast. No comício, ele disse:
“Dentro de poucas horas, outro decreto será também dado ao conhecimento da Nação. Trata-se do decreto que vai regulamentar o preço extorsivo e abominável dos apartamentos que encontram-se vazios”.
Jango falava de um problema que se desenrolava desde os tempos de Getúlio Vargas: o valor altíssimo dos aluguéis. Uma consequência da política de congelamento dos aluguéis e a baixa oferta de imóveis para alugar. Aliado a isso, a moradia não entrava na equação dos salários.
“O custo da habitação, na verdade, não estava previsto no salário do trabalhador. O trabalhador não ganhava o suficiente para pagar uma moradia adequada”, afirma Bonduki. Com isso, dá-se início ao que o urbanista chama de processo de “autoconstrução”, com as casas sendo construídas em etapas, comprando aos poucos o material e construindo em loteamentos, legais ou clandestinos, em favelas e invasões.
Seja barracão, seja casa de alvenaria, essas autoconstruções geralmente acontecem de forma desorganizada, sem o acompanhamento da infraestrutura básica para viver de forma digna, geralmente nas periferias, não raro em terras públicas e muitas vezes em áreas de risco.
Jango tinha uma proposta para isso, muito com base em um encontro organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Uma versão urbana da reforma agrária. Mas, como esse é o podcast do “poderia ter sido”, não deu tempo de implementar essa reforma. Mais um plano interrompido pelo Golpe Militar de 1964.
Da ditadura, no entanto, temos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, que financia habitação própria. Isso para o trabalhador formal. Todo o restante, ficou de fora. E as favelas e comunidades, como sabemos, proliferaram.
Favelas que receberam migrantes vindo das áreas rurais de todo o país, numa promessa de melhoria de vida feita pela industrialização. Dojival Vieira, que nasceu em Lagarto, no interior de Sergipe, mas que chegou na Baixada Santista, em São Paulo, em 1968, ainda criança, acompanhando o pai, a mãe e três irmãos, conta como era viver nessas comunidades.
“Nós morávamos numa casinha que era uma favelinha. Era uma casa de tábua, quando chovia a água enchia e ficava só uma parte da casa que a gente botava móveis e dormia todo mundo lá, amontoado”.
Dojival morava em Cubatão, cidade que, em 1980, tinha pouco mais de 78 mil habitantes. 60% vinham de fora. Cidade que era sede de uma importante refinaria de petróleo da Petrobras, a Presidente Bernardes - maior produtora de asfalto do continente. E a cidade que foi a mais poluída do mundo, que recebeu o título de “Vale da Morte”.
Cubatão, que tinha metade da população vivendo em favelas. Uma delas, a Vila Socó. Favela que pegou fogo, em 1984, no final do governo de João Batista Figueiredo, o último presidente militar. Segundo o Ministério Público de São Paulo, o desastre deixou pelo menos 508 mortos e é o maior da história do Brasil, segundo inquérito do Ministério Público de São Paulo. Mas como as investigações foram arquivadas, o número oficial de mortes é mais de cinco vezes menor: 93 pessoas.
Neste último episódio da primeira temporada, relembramos esse incêndio, as reformas que poderiam ter acontecido e as políticas que a ditadura colocou no lugar. Voltamos logo mais com a segunda temporada!!!
todos os episódios neste link https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-05/ultimo-episodio-do-podcast-golpe-de-1964-perdas-e-danos-ja-esta-no-ar
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