Nas últimas semanas, os brasileiros se uniram num gigantesco sentimento de solidariedade em torno dos nossos irmãos do Rio Grande do Sul. São sentimentos assim, em torno de uma causa, que transformam um país em pátria.
A tragédia do Sul, pela sua dimensão, poderia ter sido o início de um verdadeiro e profundo movimento de união nacional. Mas, na verdade, a máxima política —e defeito orgânico atávico do lulopetismo, que floresceu em diferentes episódios da história (de que, entre o PT e o Brasil, o PT sempre fica com o PT)— mostrou que continua mais viva do que nunca.
A decisão do presidente da República de nomear um militante do seu partido com notórias pretensões políticas para, dentre outras funções, cuidar "da articulação entre governos federal, estadual e municipais do Rio Grande do Sul; da interlocução com a sociedade civil (...)", atribuições constitucionais do governador eleito, se configura em evidente intervenção no estado sem previsão legal —e, o que é mais grave, com previsíveis consequências na gestão da crise.
O presidente Lula, com esse gesto, perde a oportunidade de incorporar o estadista que vinha sonhando ser, e que o momento aguardava, para contentar-se com o papel de líder do seu governo ou apenas do seu grupo político.
Mesmo nas tragédias, a vida costuma oferecer aos homens públicos algumas oportunidades que o presidente parece não ter percebido ao visitar o equívoco do Narciso, que acha feio tudo que não é espelho, demonstrando estar mais preocupado com a visibilidade das suas ações do que com sua real efetividade, confundindo obrigações e responsabilidades do Estado nacional com mera benemerência pessoal.
Assim, na prática, reforça o que diz querer combater —o insano antagonismo entre brasileiros.
Como "pau que dá em chico dá em Francisco", imaginem se o então presidente Jair Bolsonaro houvesse nomeado em alguns estados ministros interventores durante outra grande tragédia nacional, a pandemia de Covid-19. Isso seria aceitável? Ou se um próximo presidente viesse a criar um Ministério Extraordinário da Defesa para cuidar da tragédia da segurança pública na Bahia, nomeando para comandá-lo o principal adversário político do governador eleito. Isso seria razoável?
A pergunta que se faz hoje em diversos ambientes é: se o governador do Rio Grande do Sul fosse do PT, a mesma medida teria sido tomada pelo presidente?
Num momento em que a solidariedade precisa se traduzir em medidas práticas e urgentes em favor da população do RS, que dependem da articulação de todas as instâncias governamentais, cria-se uma divisão e uma disputa de poderes onde não deveria haver.
Não é difícil imaginar os conflitos e atrasos desnecessários que a criação desse poder paralelo pode trazer.
O texto da Constituição de 1988, que teve o voto contrário do PT e do seu então líder na Câmara, Luiz Inácio Lula da Silva, enuncia na primeira parte de seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal. Extrai-se daí o denominado princípio federativo.
Em um Estado federado como o nosso, o poder se reparte no espaço territorial, gerando uma multiplicidade de organizações governamentais autônomas, distribuídas regionalmente e que, portanto, não podem ser violentadas por um imprudente ato presidencial.
Por tudo isso, o Congresso Nacional deverá se debruçar cuidadosamente sobre a medida provisória 1.220, que, a meu ver, não deveria sequer ter sido aceita por sua flagrante inconstitucionalidade, para avaliar, dentre outros efeitos, os perigosos precedentes que ela cria.
Infelizmente, entre o projeto político do PT e o eficaz enfrentamento da tragédia, o presidente e seu governo optaram pelo primeiro.
Que tenhamos força e desprendimento para superar as diferenças e os equívocos, garantindo que o interesse da população do Rio Grande do Sul seja a única prioridade.
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