Uma semana agitada no estado de São Paulo para aqueles que têm a volúpia da farda e do coturno, legítimos herdeiros dos bandeirantes. Em duas ocasiões, a Polícia Militar do Estado de São Paulo levou o que alguns entendem como lei e ordem — ou bordoadas e bombas — a estudantes em manifestação.
Na primeira ocasião, quarta-feira, 22 de maio, na sessão da Assembleia Legislativa, a lei e a ordem foram levadas a estudantes e professores de educação básica que protestavam contra a votação do Projeto de Lei Complementar n° 9/2024, que institui o programa estadual de escolas cívico-militares.
Absolutamente primária, a iniciativa estadual reproduz os mantras do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), instituído na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, e de sua política educacional neoliberal. As principais justificativas, em ambos os casos, recaem sobre uma suposta melhoria na qualidade didático-pedagógica e na excelência administrativa da educação pública.
Segundo o Projeto de Lei estadual, as escolas cívico-militares poderão ter uma gestão cívica e uma gestão militar. Esta última será responsável por atividades extracurriculares cívico-militares.
Se a gestão didático-pedagógica e administrativa, segundo o Projeto de Lei, continuará sob a batuta do diretor da unidade escolar e da equipe pedagógica da escola, é no mínimo razoável questionar como, exatamente, a presença de policiais militares nas escolas irá melhorar a prática pedagógica. Será que professores e estudantes precisam realmente desse incentivo para fazer com que os indicadores de desempenho se elevem? Ou seriam necessários mais investimentos de outro calibre, como afirmam histórica e reiteradamente os estudiosos da área?
A exposição de motivos apresentada ao governador pelo secretário de educação Renato Feder é confusa e repleta de generalidades, ocupando uma página e meia com afirmações sobre a superioridade das escolas militares no desempenho e na disciplina, e tentando uma transposição direta e ilusória das supostas vantagens destas às escolas públicas a serem militarizadas.
Aliás, na exposição de motivos, para uma mudança de tal magnitude na educação paulista, Feder afirma que: "Em relação às despesas decorrentes da instituição do Programa Escola Cívico-Militar, importa registrar que o modelo é voltado para as práticas pedagógicas onde os estudantes são estimulados a cultivar o respeito à pátria, aos símbolos nacionais e aos direitos e deveres de cidadania." E segue concluindo: "Assim, podemos observamos [sic] que as despesas já são previstas e que o impacto orçamentário já está no custo de pessoal."
Mas, talvez o que obscuramente o secretário imagine ser justificativa para as despesas, seja, na verdade, a reiteração de que os objetivos das escolas cívico-militares devam guardar alguma relação com os da educação pública atual. Assim, as novas despesas poderão estar garantidas no orçamento da Educação, inclusive aquelas relacionadas à remuneração de militares da reserva alocados nas escolas, que passarão a auferir mais do que os profissionais da educação ali presentes.
A exiguidade do Projeto de Lei Complementar talvez contenha a astúcia de nada explicar, na suposição de que seus parcos argumentos são verdades irrefutáveis. Ou, ainda, tal astúcia esteja relacionada à certeza da aprovação previamente negociada.
Mas, afinal, há quem possa quebrar o consenso de que a presença de policiais militares nas escolas talvez não seja uma boa ideia?
Parece que há. Está previsto no PL que cabe à Secretaria da Educação o papel de promover "a conscientização da comunidade escolar sobre a importância da implementação das Escolas Cívico-Militares". Comunidade composta por pais, estudantes, professores, coordenadores, diretores e demais profissionais da educação. Equipes pedagógicas preparadas em nível superior e capazes de liderar suas comunidades, elaborar o Projeto Político Pedagógico das respectivas escolas e atuar em acordo com ele, responsáveis por adequar o currículo oficial às necessidades de suas turmas, integrando conhecimentos científicos e acadêmico aos saberes de seus estudantes, além de fazer a administração e a gestão pedagógica escolar.
Cabe então questionar como a presença de policiais militares da reserva viabilizará o cumprimento das diretrizes e metas do Plano Estadual de Educação (PEE), já que esse é um dos objetivos do programa. Será que as diretrizes e metas do PEE são exequíveis apenas sob a mira de policiais fardados? Como a presença dessa categoria auxiliará a escola a cumprir o expresso no Artigo 3°, inciso VI, do PL: "estimular a promoção dos direitos humanos e do civismo, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância como garantia do exercício da cidadania"?
Os estudantes presos na quinta-feira nos deram uma amostra do apreço à tolerância que caracterizou a ação da Polícia Militar. Parece um escárnio que o projeto se refira ao enfrentamento à violência, à cultura da paz e à proteção dos estudantes nas escolas de áreas vulneráveis. As escolas em áreas vulneráveis, ocupadas majoritariamente por pessoas negras e pobres, apenas contarão com mais um instrumento de controle, dominação e violência.
A segunda ocasião da volúpia fardada ocorreu na sexta-feira (24), na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Em repúdio à presença do governador na universidade, estudantes foram reprimidos, com menor violência, é verdade. Faltaram o spray de pimenta e os cassetetes da quarta-feira (22). Talvez, a quantidade de juristas e advogados tenha limitado a ação, mas não muito.
Medidas como a que o estado de São Paulo está propondo para as escolas públicas levam à fragilização de nossa democracia ao induzirem a compreensão de que só por meio de obediência e repressão à juventude é possível transformar uma sociedade já em si extremamente violenta.
Como já afirmamos neste espaço, a qualidade da educação é indissociável de uma gestão democrática — palavra ausente do Projeto de Lei — da presença da pluralidade de ideias, da liberdade de ensinar e de aprender. Isso é o que está em nossa Constituição Federal.
A militarização das escolas é, ao mesmo tempo, um erro e um ataque ao direito subjetivo à educação e à cidadania, que requer liberdade e autonomia dos sujeitos, e não repressão e obediência.
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