Otavio Frias Filho dizia que seria bom ir todos os anos à Grécia. Para ver as paisagens onde alvoreceram a filosofia, o teatro e a arquitetura do Ocidente. Para revisitar as raízes de um modo de ver a vida que os impérios europeus vieram a impor às suas colônias.
O falecido diretor da Folha era avesso a aeroportos, filas e demais chatices inerentes a viagens. Formulava o augúrio impraticável porque fora arrebatado pelo azul safira do Mediterrâneo, o aroma de laranjais que antecede a chegada às ilhas, as ruínas solares dos trabalhos e dos dias de Homero, Sófocles e Aristóteles.
Um lugar especial na Grécia é Delfos, ao pé do Monte Parnaso. Dali se contempla o suave declive, povoado por oliveiras, que desce até o golfo de Corinto. Chegavam ali, ao grande porto, peregrinos vindos de todo canto, da Ibéria ao Helesponto. Iam reverenciar Apolo, o filho de Zeus.
Ficava lá o ônfalo –o umbigo do mundo– onde o oráculo de Delfos dava conselhos no templo de Apolo. O mais famoso deles, "conhece-te a ti mesmo", teria levado Sócrates a dizer "só sei que nada sei". Ao subir a colina, os romeiros deixavam ex-votos e dádivas às divindades olímpicas.
O que encanta em Delfos não são apenas a natureza e os escombros de obras magníficas. É a seguinte constatação: ninguém, no mundo todo, acredita mais em Zeus, Apolo ou outra potestade do Partenon. Não há uma única pessoa que faça hoje libações e sacrifique vestais ou carneiros às deidades gregas, e elas outrora assombraram povos inteiros por séculos.
A religião helênica está mortinha da silva. Isso permite um vaticínio a este oráculo paulistano: um dia, Meca, o Muro das Lamentações, o Vaticano –e, aqui, o Santuário de Aparecida e o Templo de Salomão, no Brás– só atrairão admiradores do engenho humano, e não crentes no além.
Duvida? Pois vá à Escandinávia. É a região do globo, rezam as pesquisas e estatísticas, mais próspera, igualitária e feliz. Nela se concentra a maior taxa de ateus. Os que não creem em deus são 72% dos noruegueses, 80% dos dinamarqueses e 85% dos suecos.
Não há relação comprovada entre ateísmo e bem-estar social. Mas dá o que pensar o fato de que, no último Censo, só 8% dos brasileiros tenham dito não ter religião. São 15,4 milhões de pessoas; bem mais que os espíritas (1,4 milhão) e os adeptos do candomblé e da umbanda (588 mil).
Para os 92% religiosos, os 8% descrentes são uma minoria má e perversa. Expressiva em números absolutos, ela é pacífica e passiva. Aceita de cabeça baixa que as instituições e meios de comunicação, a cultura e as artes os discriminem e façam propaganda de crendices continuamente.
Em teoria, o Estado é laico desde 1891, quando a classe proprietária e seus tentáculos armados –Exército, Marinha e polícias– impuseram a primeira Constituição republicana à massa de agregados e ex-escravos. Na prática, a separação entre religiões e Estado é uma farsa.
A Constituição atual anuncia já no preâmbulo que foi feita "sob a proteção de Deus". Entra-se no plenário do STF e se topa com a imagem de um homem exangue, sangrando em troncos transversais. A mesma figura de mau gosto adorna o gabinete do presidente da República. É um abuso.
Está firme na cadeira? Então escuta esta: deus não existe. É uma invenção compensatória. Quando falta o que comer e vestir, onde amar e trabalhar em paz, alguns compatriotas recorrem à entidade que seria capaz, se não de prover suas carências, de ao menos servir de consolo.
Com um mínimo de lógica, contudo, conclui-se que não há uma mísera prova disso. A ideia de deus persiste porque na sociedade de consumo bilhões não consomem. As religiões cumprem nela a função de dar um alívio imaginário a quem não o tem na vida real e material.
Os iluministas do século 18 viram no fim da crença em deuses um passo para que a razão vença os mitos. Com perspectivas diferentes, dois dos seus herdeiros, ambos de origem judaica, defenderam o ateísmo. Para Marx, a religião era o coração de um mundo sem coração, o ópio do povo. Para Freud, uma neurose obsessiva da humanidade.
Os ateus estão acoelhados no Brasil. Silenciam ante o avanço da mescla deletéria de política e religião que tanta destruição causou e causa –vide as guerras entre católicos e protestantes na Europa dos séculos 16 e 17 e o atual morticínio que Israel perpetra em Gaza.
Defender os ateus é defender a razão, a única via para que a humanidade supere as carências que geram a obscuridade religiosa
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