quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Decisão de Alexandre de Moraes é 'afronta aos advogados' que 'nem na ditadura' ocorreu, diz Mariz, FSP

 A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de proibir que advogados dos investigados na Operação Tempus Veritatis se comuniquem entre si tem sido objeto de duras críticas entre os profissionais do direito.

"É uma afronta aos advogados", diz Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, considerado decano da profissão.

"Nem na época da ditadura militar isso ocorreu. Éramos proibidos de falar com nossos clientes, mas podíamos conversar entre nós", segue.

O advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira em evento da Associação dos Advogados de São Paulo, na capital paulista - Mathilde Missioneiro - 23.ago.2023/Folhapress

A operação teve como alvo Jair Bolsonaro (PL), militares de alta patente e auxiliares do ex-presidente suspeitos de tramar um golpe de Estado para se manter no poder.

Em sua decisão, Moraes acata pedido da Polícia Federal para que os acusados sejam proibidos de manter contato com outros investigados, "inclusive através de advogados".

OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também se insurgiu contra a medida pois ela violaria a prerrogativa dos advogados e prejudicaria a defesa dos investigados. A entidade já apresentou uma petição ao STF para que a decisão seja revista.

Segundo Mariz, os fatos investigados pela PF e objetos das decisões de Alexandre de Moraes "são graves. E os crimes [de subversão da ordem democrática] precisam ser combatidos. Mas sem que se precise restringir a atuação dos advogados".

Ele afirma que, por mais excepcional que seja, o crime combatido não pode justificar medidas também excepcionais por parte da polícia, de procuradores ou de juízes.

"O magistrado não pode tomar decisões que não tenham base legal. Ou vira ditadura do Judiciário. Como criar uma regra [a proibição de conversa entre advogados dos investigados] que não está prevista em lei, e que afronta a própria lei?", afirma ele.

"O advogado pode fazer o que quiser, dentro da lei. O sistema não pode impor limitações a ele. O amplo direito de defesa é consagrado na Constituição. Restrições aos réus não podem atingir seus advogados", segue Mariz.

"Há uma investigação em curso. Pode ser até que inocentes estejam sendo acusados. Eles precisam ter o amplo direito de defesa garantido para provar sua inocência. O advogado tem que fazer a defesa completa do acusado", diz.

O criminalista Pierpaolo Bottini diz que a conversa até mesmo entre os réus "é natural" e "faz parte do direito de defesa".

"No sistema brasileiro é proibido ao investigado destruir provas, influenciar testemunhas ou mesmo ameaçar outros réus. Mas não há obrigação de prestar depoimento nem de apresentar sua própria versão dos fatos, ainda que desagrade a autoridade. A conversa entre réus é natural, faz parte do exercício da defesa. Ao Estado cabe investigar os fatos, e não extrair à força da boca do réu aquilo que acredita ser verdadeiro", afirma.

Para Mariz de Oliveira, "na hora em que o Judiciário passar a desrespeitar a advocacia, não haverá quem o defenda. Em 1968, em plena ditadura, quando as prerrogativas dos magistrados foram suspensas, quem saiu às ruas fomos nós, os advogados. O Judiciário corre o risco de não ter quem o defenda".

Na decisão em que acatou o pedido da PF, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a medida era "necessária para garantia da regular coleta de provas durante a investigação, sem que haja interferência no processo investigativo por parte dos mencionados investigados, como já determinei em inúmeras investigações semelhantes".


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