terça-feira, 20 de junho de 2023

Quarentena imposta pela Nasa após a missão Apollo 11 foi falha, FSP

 Quando os astronautas da Apollo 11 foram à Lua em julho de 1969, a Nasa se preocupou com a segurança deles durante o voo complexo. A agência espacial também estava preocupada com o que os astronautas poderiam trazer de volta para a Terra.

Por anos antes de a missão decolar, autoridades receavam que a Lua pudesse abrigar micro-organismos. E se os micróbios lunares sobrevivessem à viagem de volta e provocassem febre lunar na Terra?

Para controlar essa possibilidade, a Nasa planejou colocar em quarentena as pessoas, os instrumentos, as amostras colhidas e os veículos espaciais que entrariam em contato com material lunar.

Astronautas da missão Apollo 11 Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin Jr. conversam com o presidente Richard Nixon durante a quarentena após a chegada da Lua, em 1969
Astronautas da missão Apollo 11 Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin Jr. conversam com o presidente Richard Nixon durante a quarentena após a chegada da Lua, em 1969 - Nasa via NYT

Mas em artigo publicado neste mês na revista de história da ciência Isis, o historiador ambiental Dagomar Degroot, da Universidade Georgetown, demonstra que esses esforços de "proteção planetária" foram insuficientes em um grau que até agora não era do conhecimento geral.

"O protocolo de quarentena pareceu ter sido um sucesso", Degroot conclui no estudo. "Mas apenas porque não foi necessário."

O trabalho de pesquisa arquival do historiador também revela que a Nasa sabia que micróbios lunares poderiam representar uma ameaça existencial (se bem que a probabilidade dela fosse baixa) e que, no caso de esse perigo existir, a quarentena lunar provavelmente não manteria a Terra em segurança. De qualquer maneira, eles caracterizaram sua capacidade de neutralizar esse risco como sendo maior do que era de fato.

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O artigo de Degroot diz que essa narrativa da era espacial é um exemplo da tendência presente em projetos científicos de minimizar riscos existenciais que são improváveis e difíceis de se lidar, optando em vez disso por concentrar-se em problemas menores e mais prováveis. O texto também oferece lições úteis, agora que a Nasa e outras agências espaciais se preparam para coletar amostras de Marte e outros mundos no sistema solar para estudar na Terra.

Nos anos 1960 ninguém sabia se existia vida na Lua. Mas cientistas estavam suficientemente preocupados com essa possibilidade para que a Academia Nacional de Ciências promovesse uma conferência de alto nível em 1964 para discutir a contaminação Lua-Terra. "Eles concordaram que o risco era real e que as consequências poderiam ser profundas", disse Degroot.

Os cientistas também concordaram que colocar em quarentena qualquer coisa que viesse da Lua era ao mesmo tempo necessário e inútil: os humanos provavelmente não conseguiriam conter uma ameaça microscópica. O máximo que os terráqueos poderiam fazer seria atrasar a liberação dos micróbios até que os cientistas desenvolvessem uma contramedida.

A despeito dessas conclusões, a Nasa declarava publicamente que podia proteger o planeta. Ela gastou dezenas de milhões de dólares para construir um centro sofisticado de quarentena, o Laboratório de Recepção Lunar. "Mas, apesar de toda essa complexidade bela, foram cometidos erros básicos, fundamentais", disse Degroot.

A Nasa tinha plena consciência de que o laboratório não era perfeito. O artigo de Degroot detalha muitas das conclusões de inspeções e testes que revelaram caixas de luvas e autoclaves de esterilização que racharam, vazaram ou se inundaram.

Nas semanas após o retorno da tripulação da Apollo 11, 24 profissionais foram expostos ao material lunar do qual a infraestrutura do centro deveria supostamente protegê-los. Tiveram que ser colocados em quarentena. Degroot escreveu que as falhas de contenção foram "em grande parte escondidas do público".

Procedimentos emergenciais do laboratório —por exemplo, para o caso de incêndio ou de problemas médicos— também exigiam a quebra do isolamento.

"Isso acabou sendo um exemplo de teatro de proteção da segurança planetária", comentou Jordan Bimm, historiador da ciência na Universidade de Chicago. Ele não participou da pesquisa de Degroot.

O próprio retorno à Terra dos astronautas do Apollo 11 pôs o planeta em risco. Seu veículo, por exemplo, foi projetado para liberar ar durante a descida, e os astronautas deveriam abrir a escotilha no oceano.

Em um memorando de 1965, um funcionário da Nasa disse que a agência tinha a obrigação moral de evitar potencial contaminação, mesmo que isso exigisse mudar o peso, custo ou cronograma da missão. Mas quatro anos mais tarde, no retorno à Terra, a nave liberou ar de qualquer maneira e o interior da cápsula teve contato com o Pacífico.

"Se organismos lunares capazes de reproduzir-se no oceano da Terra tivessem estado presentes, teria sido o nosso fim", disse John Rummel, que cumpriu dois mandatos como responsável pela proteção planetária da Nasa.

A probabilidade de tais organismos existirem era muito pequena. Mas as consequências de sua existência, caso fosse comprovada, seriam tremendas —e o programa Apollo essencialmente aceitou encará-las em nome do planeta.

Degroot disse que essa tendência de minimizar riscos existenciais e em vez disso priorizar riscos mais prováveis, mas cujas consequências seriam menos graves, é vista em campos como a mudança climática, armas nucleares e inteligência artificial.

Na missão Apollo, as autoridades não apenas minimizaram os riscos como não foram transparentes em relação a eles.

"Fracassar faz parte de aprender", disse Bimm, fazendo referência à quarentena inadequada.

Entender o que não funcionou será importante no momento em que a Nasa se prepara para trazer de volta amostras de Marte na década de 2030. Marte é um lugar que tem probabilidade muito maior que a Lua de abrigar vida.

Nick Bernardini, o atual responsável por proteção planetária da Nasa, diz que desde a missão Apollo a agência espacial já aprendeu muito sobre proteção planetária. Ela está embutindo proteções desde o começo e promovendo workshops para entender as lacunas científicas. E já está trabalhando sobre um laboratório de amostras de Marte.

A Nasa também pretende ser transparente com o público. "A comunicação de riscos e a comunicação como um todo é extremamente importante", disse Bernardini. Afinal, destacou, "o que está em jogo é a biosfera da Terra".

É difícil imaginar a biosfera em risco devido a organismos alienígenas, mas as chances disso não são inexistentes. "Riscos pouco prováveis e que teriam consequências graves têm muita importância", disse Degroot. "Mitigá-los é uma das coisas mais importantes que os governos podem fazer."

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