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Aborto legal, ledo engano O Código Civil brasileiro contempla de forma explícita os direitos do nascituro a partir da concepção
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HÉLIO BICUDO
É de estarrecer que ainda se fale em aborto legal, no Brasil constitucionalizado a partir da Carta de 1988. Essa expressão, usada pelas correntes feministas mais ativas ou por quantos estejam interessados na legalização do aborto, vai na linha de obter a aprovação popular para a maior abrangência de práticas abortivas -mas, francamente, não cabe na boca de pessoas ligadas à ciência do direito constitucional. Na verdade, as nossas Constituições anteriores garantem a inviolabilidade do direito à vida, mas usam de linguagem que permite a recepção das normas anteriores relativas à matéria, constantes do Código Penal de 1941. São os "direitos concernentes à vida", previstos nas Constituições de 1946, 1967 e emenda de 1969 (artigo 153), norma bastante diferente daquela contemplada na atual, quando diz expressamente, em seu artigo 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida (...)". A comparação dos dois textos mostra claramente que o constituinte não quis a relativização da expressão "concernente", mas as especificidades de "sem distinção de qualquer natureza" e da "inviolabilidade do direito à vida". Ora, a Constituição não distinguiu entre direitos fundamentais e direitos absolutos. Os direitos contemplados no artigo 5º são absolutos, por serem fundamentais. Por que fundamentais? Porque se constituem em cláusulas pétreas, na forma do artigo 60, parágrafo 4º, IV, da mesma Carta. Veja-se que, ademais, não tem procedência o apelo à relativização do direito da propriedade, tendo em vista sua função social. No caso do aborto, advirta-se, trata-se de uma vida humana e não de uma coisa, o que parece não sensibilizar as autoras de "O Direito Constitucional ao Aborto Legal". O problema, na melhor interpretação, vai buscar seus contornos jurídicos na norma constitucional e na genética. Nesse caso, apenas para uma conclusão efetiva: perquirir quando tem início a vida humana. Sem dúvida, como salienta a professora Márcia Pimentel, PhD em genética humana, ela começa com a concepção, "pois, a partir do momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, inicia-se uma nova vida, que não é aquela do pai ou da mãe, e sim a de um novo organismo que dita seu próprio desenvolvimento, sendo dependente do ambiente intra-uterino da mesma forma que somos dependentes do oxigênio para viver. Biologicamente, cada ser humano é um evento genético único, que não mais se repetirá". Acrescente-se, ainda, que o Código Civil brasileiro, na sua versão atual e no projeto recentemente aprovado pelo Senado Federal, contempla de forma explícita os direitos do nascituro a partir da concepção. Em remate, o aborto quando não há outro meio para salvar a vida da gestante, hoje raríssimo diante dos avanços da ciência médica, está contemplado no instituto do estado de necessidade. E o aborto em decorrência de estupro não pode ser autorizado, porque o ser concebido não pode ser punido por fatos não queridos que determinaram sua vida. O que se pode fazer, compreendendo as pressões psicológicas e sociais a que a mulher possa estar sujeita, uma vez cometido o delito, é não aplicar à gestante a pena prevista na figura penal do "aborto criminoso", como a lei penal também permite. Vamos, de uma vez por todas, acabar com essa farsa do "aborto legal" e dar melhores condições para que a mulher seja atendida sem violações ao direito -inalienável- de viver, tomando em consideração que a vida é um processo, que tem início na concepção e não pode ser cortado sem clara violação aos direitos humanos naquilo que o caracteriza fundamentalmente, que é o direito à vida.
Hélio Bicudo, 75, jurista, é deputado federal pelo PT-SP, presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, membro eleito para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e membro do Fórum Interamericano de Direitos Humanos (Fideh). É autor de "Violência: O Brasil Cruel e sem Maquiagem".
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