Com pouco conhecimento da população, está em curso no estado de São Paulo uma liquidação ilegal de terras públicas para fazendeiros a preço de banana —com descontos que chegam a até 90% do valor do imóvel. O governador Tarcísio de Freitas está colocando em prática a lei estadual nº 17.557, de 2022, aprovada na gestão de Rodrigo Garcia, que cria novos e graves problemas no campo.
A cada dia, o tema ganha maior relevância e alcança o Supremo Tribunal Federal e a CPI sobre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Por isso é necessário que a população de São Paulo entenda como chegamos até aqui.
A nova legislação autoriza o estado a celebrar acordos para transferir terras públicas, além de regularizar posses em terras devolutas sem atender a função social da propriedade. A partir do pretexto de "regularizar" terras, os terrenos que deveriam ser destinados aos agricultores familiares e à produção de alimentos agora estão à venda, por preços simbólicos e sem avaliação de valor de mercado, a fazendeiros que estão em terras griladas.
Para quem não está familiarizado com o tema, é importante saber que as terras devolutas são áreas públicas que nunca tiveram dono e que foram ocupadas irregularmente. A ação atual do governo dá preferência a quem as ocupa atualmente, os chamados grileiros.
O mais grave é que a lei de 2022 revogou a lei estadual 4.925, de 1985, do ex-governador Franco Montoro, que destinava terras devolutas e públicas do estado a pequenos agricultores e garantiu a implantação de 140 assentamentos em 40 municípios. Nos últimos 40 anos, os assentamentos ocuparam uma área de 153.539,52 hectares, onde residem e trabalham hoje 7.159 famílias.
A partir da urgência da temática, enviei um ofício à ministra Cármen Lúcia, do STF, e me reuni com ela solicitando agilidade para uma decisão que pode barrar a liquidação de terras. A ministra é relatora da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7.326/2022, que tramita no Supremo e foi elaborada pela bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista.
Alertamos para os riscos a partir de uma legislação que afronta normas constitucionais definidas pelo Plano Nacional de Reforma Agrária.
A Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União emitiram pareceres favoráveis à ADI e o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi eloquente ao destacar que a nova lei "parece invadir competência da União" e viola preceitos que envolvem a compatibilização com a reforma agrária.
Enquanto o órgão responsável pela liquidação das terras, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), entra em ação, considerando dez processos aptos para a regularização, a Folha de S.Paulo revelou um vídeo no qual o diretor-executivo do Itesp, Guilherme Piai, orienta a agilização de processos antes que a "lei caia".
Estima-se que, no curto prazo, de 100 a 200 fazendeiros poderão ter suas posses transformadas em propriedade privada, por valores ínfimos, em área a ser alienada que pode alcançar até 300 mil hectares. Em um prazo mais longo, os processos podem envolver até um milhão de hectares.
Entre os fazendeiros beneficiados, seis estão em Marabá Paulista, na região do Pontal do Paranapanema, historicamente um território em disputa, especialmente pela grilagem de terras. A "nova regularização" pode gerar mais tensão entre proprietários de terra e movimentos de trabalhadores rurais na região.
Não há dúvida de que o que está em jogo é evitar que o Governo de São Paulo acelere um processo de antirreforma agrária que pode aumentar a desigualdade —em um estado já tão desigual— e prejudicar quem produz e garante comida orgânica e saudável no prato dos paulistas, tanto do campo como das cidades.
Alerto para um severo retrocesso nos direitos que devem garantir condições básicas à população de baixa renda.
Não há mais tempo a perder. Faz-se necessário e urgente suspender o efeito de uma nova lei para que volte a valer o ordenamento jurídico anterior e o Estado retome a sua função social.
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