sexta-feira, 16 de junho de 2023

Demétrio Magnoli - República dos amigos, FSP

 "Não é democrático o presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos. Você não indica o ministro da Suprema Corte pra ele votar favorável a você ou te beneficiar." O farsante que pronunciou tais frases chama-se Lula da Silva –mas foi antes, como candidato, no debate eleitoral na Band. Agora, presidente, ele indicou um amigo, seu advogado pessoal, "pra ele votar favorável a você".

A Constituição, artigo 101, estabelece o "notável saber jurídico" como condição para ocupar uma das cadeiras do STF. Cristiano Zanin não cumpre o requisito legal. Nunca escreveu obra jurídica significativa e nem mesmo tem pós-graduação. É um advogado como outro qualquer –ou melhor, um advogado muito mais bem relacionado que a imensa maioria de seus pares, pois amigo do rei. Lula preside a república dos amigos.

O advogado Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Lula (PT) para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal)
O advogado Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Lula (PT) para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira - 13.jun.23/Folhapress

"Tentar mexer na Suprema Corte pra colocar amigo, pra colocar partidário, é um retrocesso que a República brasileira já conhece", registrou Lula no mesmo evento eleitoral. De fato, a indicação de Zanin inscreve-se na tradição: Lula repete outros, inclusive ele mesmo, que indicou Toffoli, mas especialmente Bolsonaro, condutor de Nunes Marques ao STF. O patrimonialismo une esquerda e direita.

A (rala) crítica de direita à decisão de Lula carece de credibilidade. Já a crítica de esquerda, menos que rala, é um convite à barganha. Nessa vertente, que também ignora as disposições constitucionais, são duas as acusações a Zanin: o advogado comete os imperdoáveis crimes comprovados de ser "homem" e "branco". Finalidade aparente das reclamações identitárias: negociar uma "mulher-negra" na próxima indicação. A finalidade efetiva, porém, vai além disso.

Bolsonaro indicou, primeiro, Nunes Marques, o "partidário" sem currículo apreciável, e depois o "terrivelmente evangélico" André Mendonça, um juiz-pastor que carrega a bandeira do identitarismo religioso. Após o insucesso inicial, o lobby identitário de esquerda tenta convencer Lula a seguir o rumo do antecessor, substituindo Rosa Weber por uma juíza comprometida com as agendas do identitarismo racial e de gênero. A república dos amigos legitima-se atendendo, lateralmente, às pressões das militâncias ideológicas.

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Toda a "obra jurídica" de Zanin resume-se a um livro sobre a defesa de Lula perante o STF. Seu recurso que redundou na anulação das condenações tornou-se, curiosamente, alvo de aclamação. Seria um triunfo jurídico histórico. Esquece-se, rapidamente, que o advogado de defesa acumulou derrotas em série num tribunal curvado à vontade de Sergio Moro, até ser salvo pelas revelações da Vaza Jato sobre as tramoias criminosas do Partido dos Procuradores. Foi a publicação de uma coleção de mensagens conspiratórias, não a força persuasiva das moções de seu advogado, que tirou Lula da cela curitibana.

Uma coisa é o que faz Bolsonaro; outra, o que faz Lula. Os atos do primeiro, uma figura merecidamente envolta por nuvens tóxicas, nunca funcionaram como álibi admissível. Já o segundo cria precedentes: jurisprudência. Se Lula pode, por que não eu? A indicação do amigo Zanin estimulou Arthur Lira a deflagrar, à luz do dia, uma articulação para emplacar seu advogado trabalhista, Adriano Avelino, no TST. Na república dos amigos, o poder público é prolongamento da fazenda.

Em tese, o sistema de nomeação de juízes ao STF atende ao interesse público, pois atribui ao Senado o direito de barrar uma indicação presidencial. Os senadores, contudo, jamais utilizaram tal prerrogativa para fazer cumprir o que prescreve a Constituição. Lula não precisa perder o sono. Na sabatina, eles endossarão o nome de Zanin, como antes aprovaram o de Nunes Marques. O nome do jogo é barganha: sempre haverá, nos outros tribunais superiores, vagas disponíveis para os próprios amigos. Uma mão lava a outra.

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