O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux votou nesta quarta-feira (28) contra a implantação obrigatória do juiz das garantias nos estados, modelo aprovado em 2019 que divide a condução dos processos criminais entre dois magistrados.
Para ele, cada tribunal poderia decidir sobre a instalação ou não do modelo. Segundo o ministro, o Congresso invadiu competência dos estados ao legislar sobre o tema.
O julgamento sofrerá interrupção porque o ministro Dias Toffoli decidiu pedir vista (mais tempo para análise), com a previsão de ser retomado em agosto, após o recesso do Judiciário.
No retorno, o indicado pelo presidente Lula (PT) ao Supremo, Cristiano Zanin, poderá votar sobre o tema —sua posse está prevista para 3 de agosto.
Pela regra, um juiz seria responsável pela fase da investigação, enquanto o outro se encarrega do julgamento.
"Nos moldes impostos pela lei, o juiz das garantias não passa de um nome sedutor para uma cláusula que atentará contra concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos, do acesso à Justiça para normatividade dos direitos fundamentais", disse Fux, ao encerrar o seu voto na sessão desta quarta. Ele havia começado a leitura da sua manifestação na semana passada.
Na sessão anterior, o ministro havia dito que o nome juiz das garantias seduz como "o canto da sereia", mas que a imposição da lei poderia gerar o caos na Justiça criminal. Isto porque, segundo Fux, a norma ignoraria a carência de magistrados no país com dimensões continentais e a diferença entre os estados.
"Cerca de 65,6% das comarcas do Brasil são providas com apenas de uma vara e que, por um viés cognitivo, o magistrado que zelar pelos direitos fundamentais do investigado ficaria impedido de trabalhar no processo. É fácil perceber que essa alteração criaria um caos na Justiça criminal", disse.
Fux também afirmou, na semana passada, que todos os juízes brasileiros são juízes de garantias durante a investigação e instrução processual, "incumbindo-lhes zelar pelos direitos fundamentais assegurados pela Constituição".
Durante o julgamento, o ministro teve atritos com o decano da corte, Gilmar Mendes, assíduo defensor do juiz das garantias.
O modelo do juiz das garantias foi aprovado no Congresso no fim de 2019 e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Após a sanção, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança.
Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 por Fux, que também suspendeu a instalação do modelo.
O ministro justificou que a suspensão da lei por ele foi gerada por "dever judicial de responsabilidade e não de passionalidade", que a veio antecedida de maus exemplos, mas exemplos isolados não servem para que se faça um novo sistema.
Além disso, afirmou que a norma não foi criada para melhorar a situação de delitos cometidos em comarcas distantes, como em casos de furtos pequenos, e sim para um fim "completamente diverso dos delitos do varejo".
Fux justificou que parlamentares solicitaram a retenção do processo a pedido de parlamentares, que tratariam do tema na discussão do novo Código de Processo Penal.
O relator tem um histórico de atuação no STF favorável às demandas classistas, e o modelo proposto do juiz das garantias tem levantado uma série de queixas tanto das entidades como dos tribunais.
No entanto, a maioria do Supremo tem a tendência a se manifestar de forma favorável ao juiz das garantias, com possibilidade de propor uma modulação para que a medida seja implantada gradualmente ou após um período que permita aos tribunais se preparem para a mudança.
Isso atenderia às demandas das cortes.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), autora de uma das ações que questionam o juiz das garantias, diz que o projeto pode trazer impactos negativos ao sistema de Justiça.
Para a entidade, o Judiciário não tem estrutura necessária para instalar o juiz das garantias em todas as comarcas do país, por falta de magistrados.
A associação também afirma, em nota, que a implementação trará insegurança jurídica por falta de clareza dos procedimentos e na prestação jurisdicional, porque ampliará as atribuições dos magistrados e trará sobrecarga de trabalho.
Argumenta ainda que investigações serão engessadas e prejudicadas devido à falta de juízes suficientes para desempenhar essa função e julgar ações penais.
A OAB, uma das partes interessadas no processo, discorda dos argumentos das entidades e tem defendido que o juiz das garantias seja logo instalado.
"A implementação do juiz das garantias é um avanço civilizatório, reformulará positivamente a sistemática do processo penal brasileiro, efetivando o direito de defesa e reforçando a necessária imparcialidade da Justiça", disse à Folha o presidente da OAB nacional, Beto Simonetti.
"O modelo ficou em discussão por três anos, tempo suficiente para que Supremo e sociedade amadurecessem o tema por meio de audiências e debates."
Defensores do juiz das garantias dizem que a proposta dará mais imparcialidade aos julgamentos.
A aprovação se deu na esteira da revelação de mensagens que sugeriam a colaboração entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e o então magistrado Sergio Moro. Moro sempre se manifestou contra a medida.
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