Rômulo Garzillo
Num daqueles arroubos paradoxais próprios à democracia, foi promulgado, em pleno governo Bolsonaro, o pacote anticrime. Nele foi criada a figura do juiz de garantias.
Seu nome de batismo causou rebuliço —o termo "garantias" no Brasil é constantemente confundido com impunidade. Deveria chamar-se, pois, juiz da investigação. Em linhas gerais, um magistrado que atuará exclusivamente durante o inquérito. E isso por uma questão simples: um juiz, ao decretar prisão preventiva ou quebra de sigilo e receber a denúncia, forma sua convicção sobre o caso. A intenção, portanto, é garantir maior imparcialidade ao juízo da instrução, que sentenciará a causa.
Certos setores do Judiciário e da política —aqueles que sempre defendem o endurecimento como emplastro para conter a criminalidade— rangeram os dentes contra a medida, fundamental para aperfeiçoar a Justiça penal brasileira.
Membros da própria magistratura e suas entidades representativas se insurgiram contra o instituto. Argumentam com o ônus para o erário, como se a Justiça não fosse tão custosa e necessária. Alegam, ainda, dificuldade procedimental de instaurar a nova sistemática.
Quatro ações diretas foram distribuídas. Quando vice-presidente do STF, em janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux suspendeu, por tempo indeterminado, o juiz de garantias.
Passaram-se três anos até que, finalmente, a questão foi a plenário. Vários defensores da medida ocuparam a tribuna do STF. Durante as sustentações orais dos amicus curiae, a impressão foi a de que os argumentos encontraram ouvidos interditados e alguma aversão ao que se ouvia.
Em linhas gerais, os advogados sustentaram a necessidade de garantir maior confiabilidade ao juiz de instrução. Trouxeram como paradigma a triste experiência da Lava Jato, já várias vezes censurada pelo STF. Narraram o que viveram na pele os criminalistas que nela atuaram.
Das sustentações, restou uníssona a dificuldade natural de um mesmo juiz (ser humano que é, não nos esqueçamos) determinar a produção de uma prova e depois, ele próprio, declará-la nula, se necessário.
Inusitadamente, a defesa do aprimoramento do sistema de justiça criminal foi recebida como ofensa aos juízes. Como se a busca por avanços na estrutura significasse ultrajar pessoalmente os que nela atuam. Como se estes estivessem acima de críticas. Magistrados, como advogados, falham. São falíveis, passíveis de crítica.
Para além do estranhamento com o modo como foi recebido o debate, vale a pergunta: o que afinal incomoda tanto no juiz de garantias? Por que a reflexão sobre melhoras em nosso sistema de Justiça é recebida como ofensa pessoal?
A dificuldade em aceitar que juízes podem errar e, portanto, serem criticados apenas reitera a imprescindibilidade do instituto. Não se trata de "acabar com o poder do juiz de primeira instância", mas a simples impressão de que é isso que se pretende evidencia a importância de existirem limites a esse poder.
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