Não são raras as histórias de um período da juventude no qual se teria vivido o auge da vida. As repúblicas estudantis, a garagem na qual se faziam os primeiros ensaios de uma banda, atores lembrando os perrengues do início de carreira, viagens pelo mundo sem dinheiro, histórias que sempre retornam na conversa adulta em tom nostálgico.
Elas remetem a um período no qual o jovem estava começando a se conhecer para além das expectativas familiares e a se experimentar diante de desafios que serviram para revelar o quanto ele podia contar consigo mesmo. Sexualidade, autonomia, valores, competências e limites: o salto em direção a si mesmo é considerável. A coisa não vai sem medo, choro e ranger de dentes, caso contrário, não seria um processo de transformação, apenas uma experiência cosmética.
Trata-se de um período no qual a ostentação financeira é vista com maus olhos pois ela só revela o que a família de origem amealhou e não o que o jovem chegou a conquistar. Esse momento de exceção na feroz lógica capitalista permite desfrutar de relações de camaradagem sem o peso do "você sabe com quem está falando?" que costuma aparecer depois.
Longe do familiar, vivendo a ideia de futuro em aberto e sem o peso do status financeiro, as relações entre os jovens acabam por se concentrar na lealdade e nas trocas mais íntimas, que dependem da criação de laços de confiança e solidariedade. Passado esse período, cada um segue seu caminho e assume seu posto diante do seu desejo e a partir das contingências que a vida impõe.
A assunção da vida adulta, na qual se faz a negociação entre o projeto sonhado e o que foi realizado, é tema de inúmeras obras de ficção, (super-recomendo o adorável "Somebody, somewhere" de Jay Duplass). A fantasia de uma juventude idílica ocupa diferentes lugares na maturidade, ora servindo de inspiração, ora puxando o sujeito para uma melancolia paralisante. O que está em jogo na última é a assombração de uma vida paralela que teria sido idílica, mas não foi à revelia do sujeito.
A psicanálise, no entanto, não dá toda essa "colher de chá" para o nostálgico. As contingências da vida — que muitas vezes usamos de desculpa— nos fizeram tomar infinitas decisões e assumir posições. Essas decisões revelam nossos desejos inconscientes pois elas apontam se o sujeito pagou o preço de bancar seu desejo ou se ele se alienou ao que supôs que os outros esperam dele, ou seja, ao desejo do outro. Desejar algo para além do que os pais alcançaram ou ir na contramão das expectativas deles envolve um custo narcísico considerável. Desejar algo que possa colocar o psiquismo à prova, também.
Temos, por outro lado, as circunstâncias que nos impedem de realizar algo para o qual estávamos empenhados de corpo e alma, como as guerras, as doenças, as pandemias, as derrocadas econômicas, a vulnerabilidade social, o gênero, a raça. Tudo isso causa enorme sofrimento e frustração e o luto que decorre desses impedimentos externos deve ser feito para que o sujeito siga sua vida criando novos caminhos para si. No entanto, não é aí que a nostalgia se esconde. É o sonho não realizado, por alienação e por medo, que mantém o sujeito em dívida consigo mesmo, preso na fantasia do que poderia ter sido. Para escapar disso só resta assumir eticamente o que foi possível e se reconciliar consigo mesmo.
Além disso, acreditar que o futuro só esteve em aberto na juventude é uma fantasia comodista e alienante, que mantém o sujeito repetindo no presente o que ele supõe que seja uma escolha do passado. Enquanto estivermos vivos, a repetição e a ruptura continuarão a ser de nossa inteira responsabilidade.
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