quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Em Prudente, candidatos tentam se colar em imagens de Bolsonaro e de antigo cacique político local, FSP

 Paulo Batistella

PRESIDENTE PRUDENTE

Era comum encontrar Agripino Lima (1931 - 2018) no santuário Morada de Deus, em Álvares Machado, onde morava o ex-prefeito de Presidente Prudente. Ele foi o idealizador do local com representações em tamanho real da Via Sacra e uma igreja envidraçada de 50 metros de altura.​

Lima se empolgava ao contar a história que motivou a obra religiosa na área verde no município vizinho a Prudente (a 556 km distância de SP): uma carona que deu no interior de Mato Grosso do Sul a um sujeito misterioso, que, meses depois, disse ter reconhecido ser Jesus Cristo.

Outdoors com imagens de Bolsonaro e Agripino
Outdoors com imagem do presidente Jair Bolsonaro e do ex-prefeito Agripino Lima em Presidente Prudente (SP) - Paulo Batistella/Folhapress

Em Prudente, a fama de Agripino, que morreu há dois anos, aos 86, vai além da experiência mística. Foi megaempresário e prefeito por três vezes.

Nas eleições de novembro, a primeira em 38 anos sem atuação de Lima e com número recorde de chapas (12), os candidatos tentam se colar a imagens dele e de Jair Bolsonaro (sem partido), que teve 78% dos votos válidos da cidade, com cerca de 170 mil eleitores, no segundo turno de 2018.

A três meses do pleito, incursões publicitárias na televisão e outdoors espalhados pela cidade já estampavam o rosto de Agripino em convite a uma exposição fotográfica sobre a trajetória do político, iniciativa da fundação que leva o nome dele.

Um canal televisivo da família dedicou ao patriarca um documentário que conta com depoimento do ex-presidente Michel Temer (MDB), de quem Agripino foi colega na Assembleia constituinte de 1987 —o ex-prefeito também foi deputado estadual e duas vezes vereador.

À frente de ambas iniciativas, que dizem celebrar o que seriam os 89 anos do político, está Paulo Lima (PSD), filho mais novo de Agripino, três vezes deputado federal e candidato pela primeira vez à prefeitura prudentina.

Apesar do parentesco, Paulo tem dificuldade em capitalizar com a imagem do pai. Ainda respingam sobre ele brigas familiares que vieram a público na virada do século, com agressões registradas em boletins de ocorrência, envolvendo a separação dos pais e o controle do patrimônio familiar.

A construção da fortuna teve início na década de 1970, quando Agripino, ex-caminhoneiro e vendedor de livros, já era bacharel em direito e professor. Amigo de um sobrinho de Golbery do Couto e Silva, eminência parda da ditadura militar, ele recebeu aval do general para fundar junto de Ana Cardoso Maia, então sua esposa, o que viria a ser a Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), hoje com mais 18 mil alunos.

Nos anos 1990, construiu com recursos próprios o maior hospital da região, hoje estadualizado, e incorporou propriedades rurais e veículos de comunicação ao patrimônio da família. Elegeu-se prefeito pela primeira vez em 1992.

Chegou a ser investigado por enriquecimento ilícito e fraudes fiscais, entre outras ações, mas nunca foi condenado. As acusações envolviam o uso da mantenedora da universidade, isenta de tributos, para benefício próprio —o santuário à beira da rodovia Raposo Tavares é também um campus.

Com perfil explosivo, Agripino protagonizou disputa acirrada com Paulo Maluf por candidatura ao Palácio dos Bandeirantes em 1998 e ganhou projeção nacional em 2002, no auge do conflito agrário no Oeste Paulista, ao mobilizar maquinário e servidores públicos para impedir a chegada de uma marcha do MST (Movimento Sem-Terra) à maior cidade da região. Na época, ameaçou matar a tapas José Rainha Júnior, então líder sem-terra.

Em 2004, quando Agripino foi eleito à prefeitura pela terceira vez, pelo PTB, o filho Paulo preferiu selar apoio partidário à chapa opositora —desde então, nunca mais se elegeu para cargos públicos.

Agora, o filho caçula repete até o apelo religioso do pai, que vivia com um grande crucifixo pendurado no pescoço e construiu 15 igrejas na periferia prudentina, em aliança com a Diocese local: para vice, convidou um padre, Milton Gonzaga, que pendurou a batina por ora.

Procurado, Paulo não respondeu ao contato da Folha. O filho ainda precisa rivalizar com outros herdeiros políticos do pai na cidade. Um deles é o deputado estadual Ed Thomas (PSB), em seu quarto mandato, próximo de Agripino em pleitos anteriores e agora candidato pela segunda vez a prefeito.

Apesar de seu partido se opor aos governos federal e estadual, Thomas tenta ao menos uma aproximação com Bolsonaro, com quem tem fotos e mensagens de agradecimento por recursos nas redes sociais.

Outro afilhado de Agripino envolvido na disputa é Milton Carlos de Mello (DEM), o Tupã, que abandonou sua pré-candidatura para lançar o correligionário Laércio Alcântara. Mello foi secretário de Obras de Lima e se elegeu prefeito pela primeira vez em 2008, com a benção do tutor.

Em 2012, no entanto, os dois romperam e foram concorrentes. Agripino, à época, insistiu na candidatura, em que o filho Paulo era vice, mesmo estando inelegível —havia sido cassado no mandato anterior por ter dispensado licitação na compra de equipamentos para um planetário na cidade.

Na ocasião, proibido de fazer campanha, Agripino chamou o ex-pupilo de traidor e disse, em entrevista a uma de suas rádios, que havia recebido um telefonema de Nossa Senhora em seu apoio.Tupã venceu novamente e ainda emplacou como sucessor Nelson Bugalho (PSDB), que bateu justamente Agripino —Lima ficou em terceiro, mesmo sob especulações quanto ao seu estado de saúde e à idade avançada.

Bugalho concorre agora à reeleição, já sem aliança com Tupã. O atual mandatário tem apoio do ex-prefeito Mauro Bragato (PSDB), em seu décimo mandato na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e histórico rival de Agripino. Ele próprio protagonizou embates com Lima, a quem chama de professor e diz ter respeito, quando atuava como promotor de Justiça —hoje está licenciado.

O prefeito espera ter o apoio de João Doria (PSDB), apesar do apelo local de Bolsonaro. Ele pontua que a dobradinha com ambos funcionou em 2018 e que não está plenamente alinhado ao governador.

"Em relação à pandemia, não concordo com todas as ações que foram tomadas. Nem pelo governo estadual nem pelo federal. Os prefeitos poderiam ter tido uma maior liberdade."

Também na disputa, o empresário Guilherme Piai, do PSL, tenta replicar uma chapa bolsonarista, com uma militar de vice, a policial reformada Neyla Pinheiro. Ele diz em seu material de campanha ter Agripino como referência.

"Ninguém vai se eleger aqui sendo crítico ao governo federal ou ao Agripino", diz o geógrafo Rafael Freire, doutorando pela Unicentro (Universidade Estadual do Centro Oeste) e pesquisador sobre os grupos de poder locais. Associar-se a ambos será fundamental, mas com destaque para o ex-prefeito: "Ele é uma personalidade com muito menos rejeição em Prudente do que o Bolsonaro".

Ainda concorrem José Lemes Soares (PDT), empresário ligado ao ramo dos transportes e sobrinho de um ex-prefeito, Glauco José Bazzo (PTC), João Felício Figueira (PRTB), Juliano Borges (PODE), Marcos Lucas (Avante), Luís Valente (PT) e Fábio Sato (MDB), segundo colocado em 2016, a 1.034 votos de Bugalho.

Sem conexões com figuras históricas da política prudentina, Sato tem seus fiadores em Brasília: assumiu o MDB local a convite do deputado federal Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, e tem em sua coligação o Cidadania, presidido por Roberto Freire, de quem foi assessor no Ministério da Cultura, na gestão Temer.

Apesar de não ser herdeiro de Agripino e de dizer que "a cidade quer perder esse vínculo com o estilo coronel de governar", Sato evita antagonizar abertamente com o ex-prefeito. "É o que eu sempre digo: o Agripino Lima está acima de acordos políticos. O maior legado dele é nunca ter perdido a conexão com o povo, e quem se inspirar nisso vai estar no caminho certo", afirma.​​​

Elio Gaspari Livro de Mandetta é retrato de disfuncionalidade de Bolsonaro na Presidência, FSP

 O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta publicou suas memórias do poder. O livro chama-se “Um Paciente Chamado Brasil”. Seria mais preciso denominá-lo “Dois Pacientes Chamados Bolsonaro e Mandetta”.

Mandetta ficou 16 meses no Ministério da Saúde, teve um desempenho estelar durante a pandemia e acabou demitido por suas virtudes e por defeitos alheios. Como em todo livro de memórias, fala bem de si e escolhe aqueles de quem fala mal: Bolsonaro, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni, nessa ordem.

Sua análise do comportamento do capitão diante da pandemia é exemplar. Médico, ele pensou em ser psiquiatra e cursou um ano dessa matéria, até se decidir pela ortopedia. Diante da Covid, Bolsonaro passou por três fases de manual. Primeiro a negação (“uma gripezinha”), depois a raiva do médico (Mandetta), finalmente, o milagre (a cloroquina). É um retrato perfeito no qual o médico ministro tenta mostrar ao presidente o tamanho do problema, não consegue ser ouvido e entra num desastroso processo de fritura. Quando ele avisava que poderiam morrer mais de 100 mil pessoas, os áulicos contavam ao presidente que essa conta era exagerada. Seria coisa de quem queria derrubar o governo. Quem? O embaixador chinês.

O paciente Bolsonaro está exposto com precisão. Já o paciente Mandetta precisa ser decifrado pelos leitores. O ministro Mandetta endossou todos os procedimentos corretos para o controle do vírus, já o ex-deputado Mandetta (DEM-MS) foi temerário, metendo-se onde se meteu.

Ele entrou para um governo que prometia um ministério técnico, livre de quaisquer influências. Mandetta tinha duas semanas na cadeira quando foi informado que o palácio queria a cabeça de quatro de seus colaboradores. Vá lá que houvesse motivo, mas ele informa: “Quem articulou as exonerações e impôs os novos nomes mirava o controle de mais de oitenta por cento do orçamento do Ministério da Saúde.” Basta.

Mandetta conta que em 2016 o deputado Onyx Lorenzoni gravou uma conversa de parlamentares na casa de Rodrigo Maia. Deve-se a ele essa revelação, indicativa dos métodos do atual ministro da Cidadania. Pela sua narrativa “ele tirou o celular do bolso e me disse: ‘Ouve isso’”.

“Você gravou escondido a reunião?, perguntei. Ele respondeu que havia gravado sem querer.”

Tudo bem, mas por que chamou-o para ouvir o grampo? Mandetta guardou essa história por quatro anos. Lorenzoni estava com o deputado num passeio de barco no final de 2018 quando o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, obteve de Flávio Bolsonaro a promessa de que ele seria o ministro da Saúde. (Os filhos de Bolsonaro são mostrados no livro como patronos do Gabinete do Ódio, mas pode-se dizer tudo deles, menos que tenham radicalizado suas ideias só depois da eleição do pai.)

O livro de Mandetta é o primeiro retrato da disfuncionalidade do capitão na Presidência e vai além. Mostra Paulo Guedes tonitruante contra o adiamento da remarcação do preço dos remédios (“não admito tabelamento”), sem saber que os fármacos são tabelados. O bate-boca dos dois ministros é um dos bons momentos do livro.

Feitas as contas, Mandetta entrou mal no ministério e saiu bem.

Seu sucessor, Nelson Teich, cometeu o mesmo erro, mas conseguiu sair melhor porque foi-se embora em apenas 28 dias.

Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".