O avanço de Jair Bolsonaro no Nordeste não é um acidente provocado pela pandemia, mas o destino natural do seu projeto de poder. A extrema direita se move pelo desejo de conquistar os bastiões dos seus inimigos políticos.
Num processo bem documentado na literatura de ciência política, a Frente Nacional, por um meticuloso trabalho de porta a porta, explorando as dificuldades da integração dos imigrantes do norte da África e os problemas de segurança pública, conquistou o chamado cinturão vermelho das cidades francesas, como eram conhecidas as periferias organizadas pelo Partido Comunista desde antes da Segunda Guerra.
Na última década, a extrema direita alemã e a espanhola replicaram essa estratégia com algum sucesso, capturando regiões tradicionalmente vinculadas à esquerda.
O populismo não ocidental tenta realizar em anos uma obra que demorou décadas para ser construída nos países europeus. Reeleito triunfalmente ano passado, Narendra Modi continua mobilizado na luta pela aniquilação do histórico Partido do Congresso.
Recentemente, lançou uma ofensiva no Rajastão (68 milhões de habitantes), uma das últimas grandes regiões controladas pela oposição, recorrendo à multiplicação de programas sociais e à cooptação de lideranças locais da nova geração, que não se reconhecem na história do velho partido da independência indiana.
Eleito por uma mistura de sentimento antipolítico, rejeição à alternativa eleitoral e desalento generalizado, Bolsonaro se beneficiou de palanques estaduais circunstanciais.
Em 2022, João Doria, que tatuou o nome do presidente em 2018, será um dos seus mais ferozes opositores. Wilson Witzel terá regressado ao anonimato de onde nunca deveria ter saído, e o fantasista Romeu Zema está condenado a ser derrubado pelo prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil.
Esse campo de ruínas obrigará Bolsonaro a se apresentar como um candidato puro-sangue de extrema direita, sem partido organizado, mas com um poderoso movimento de massa no Nordeste e no Centro-Sul, onde criou hegemonia nas periferias das grandes cidades.
O campo progressista deve estar preparado para a batalha regional. A estratégia do PT de apostar na nostalgia lulista de um eleitorado jovem, transformado por uma revolução do mercado do trabalho e da comunicação, está fadada ao fracasso.
Os mitos de Mahatma Gandhi e de Jawaharlal Nerhu nada serviram contra a máquina de Narendra Modi.
A velocidade com que os monumentos da centro-esquerda desmoronaram nas periferias da Europa também deveria servir de alerta para os petistas ainda iludidos pela força da memória coletiva.
Uma reação à altura do desafio seria a transformação do Consórcio do Nordeste em um movimento de oposição estruturado.
Com o Nordeste como principal palco eleitoral, essa geringonça regional, para retomar o conceito criado em Portugal, virou o único ponto de partida possível de um novo projeto progressista nacional.
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