O presidente se conduziu de modo leviano e criou antagonismo desnecessário em meio à pandemia
Até a semana passada presidentes fritavam ministros. Desta vez, foi Luiz Henrique Mandetta quem fritou Jair Bolsonaro. Ele saiu maior e o capitão ficou menor. Tendo-se colocado numa posição teatral que ofendeu a ciência e a opinião pública, o presidente abandonou a piada da “gripezinha”. Boa notícia.
Bolsonaro fritou-se porque quis. Conduziu-se de maneira leviana e criou um antagonismo desnecessário com Mandetta. Em nenhum país a discussão da calibragem do isolamento, bem como das virtudes da cloroquina, levou a fricções como as que Bolsonaro produziu. (Se Donald Trump pudesse, teria cortado a língua do doutor Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas desde 1984, mas preferiu calibrar seus próprios delírios.)
Podem-se atribuir as falas da “gripezinha” a um estilo próprio de Bolsonaro, mas no
último domingo (12), quando ele disse que “parece que o vírus começa a ir embora”, lidou com fatos. Até aquele dia haviam morrido 1.233 pessoas, o contágio estava em expansão e, como se esperava, poderia bater a marca dos 2.000 óbitos.
último domingo (12), quando ele disse que “parece que o vírus começa a ir embora”, lidou com fatos. Até aquele dia haviam morrido 1.233 pessoas, o contágio estava em expansão e, como se esperava, poderia bater a marca dos 2.000 óbitos.
Bolsonaro vive numa realidade paralela. Isso não é de hoje. Em maio do ano passado ele disse o seguinte: “Brevemente, estará sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”. Cadê? (Provavelmente, era a ideia de se legalizar o jogo.)
Em fevereiro, Bolsonaro anunciou que iria aos Estados Unidos, onde visitaria uma empresa de militares que lhe apresentariam uma “transmissão de energia elétrica sem meios físicos”: “Se for real, de acordo com a distância, que maravilha! Vamos resolver o problema de energia elétrica de Roraima passando por cima da floresta”. Não era real, era conversa de maluco, e Bolsonaro foi aos Estados Unidos, mas não visitou a tal empresa. De lá, sua comitiva trouxe apenas 25 infectados pelo coronavírus.
Até a semana passada Bolsonaro cultivou a ideia da “gripezinha”. Pode ser que tenha moderado sua fé médica, mas quando a pandemia estiver controlada ele terá no colo uma inédita recessão.
Antes do vírus, ele administrava um pibinho com 12 milhões de desempregados. Depois dele, seu “Posto Ipiranga” está tonto, à frente de um superministério travado, encrencando com o Congresso.
Luiz Henrique Mandetta era uma solução, e Bolsonaro resolveu fritá-lo. Fritou-se. Não se pode saber o que fará Nelson Teich, o novo ministro da Saúde. Ele sabe que Rivotril não resolve, assumiu distribuindo platitudes e revelou que saúde e economia são complementares. (Em outra ocasião, usou a ciência econômica para justificar o descarte dos velhos doentes.)
Teich defendeu um amplo programa de testes para identificar pessoas contaminadas ou imunes ao vírus. Amanhã o doutor poderá telefonar ao seu colega Paulo Guedes para saber o que aconteceu
com a proposta de um empresário inglês que há uma semana lhe ofereceu 40 milhões
de kits de testes por mês.
com a proposta de um empresário inglês que há uma semana lhe ofereceu 40 milhões
de kits de testes por mês.
No país do futebol, Mourão recorreu a regra do polo para comentar crise
Quando o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o ministro Luiz Henrique Mandetta “cruzou a linha da bola” com sua entrevista do dia 12, antecipou que ele seria demitido. O general explicou: “Cruzar a linha da bola é uma falta grave no polo. Nenhum cavaleiro pode cruzar na frente da linha da bola”. De fato, o regulamento desse esporte diz que, “se um jogador comete uma falta grave, o juiz poderá aplicar o cartão amarelo ou optar pela expulsão de forma direta, aplicando o cartão vermelho”.
Chega a ser pitoresco que no país do futebol, com suas regras elegantes, o general tenha recorrido a um exemplo desse excêntrico esporte. Mourão é um oficial da cavalaria e, no Rio, montava no Centro Hípico do Exército.
Apesar de as tropas dos aliados terem surpreendido os alemães em 1944 porque desembarcaram na Normandia sem trazer cavalos (só veículos), no Brasil os regimentos de cavalaria só adotaram o transporte mecanizado nos anos 1960.
“A tradição hipomóvel” foi mantida, contou Mourão ao repórter Fabio Victor, que o acompanhou numa competição com seu animal, “Ídolo do Rincão”. No Centro Hípico havia cinco banheiros-vestiários, o dos generais, o dos oficiais superiores, o dos sargentos e tenentes, o dos soldados e cabos, e o dos paisanos.
Em Brasília, Mourão cavalga “Rincão” no 1º Regimento de Cavalaria de Guarda. No século passado, lá montava o general-presidente João Baptista Figueiredo. Ele contava que não foi para a Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial porque não tinha o curso de motomecanização.
Para paisanos, cavalo é coisa cara. Um quadrúpede qualquer pode custar R$ 2.000 mensais. Um cavalo de polo, por baixo, custa entre R$ 5.000 e R$ 10 mil.
O hipismo é uma tradição militar em quase todo o mundo. O general americano George Patton jogava polo, montava um magnífico cavalo branco, mas se celebrizou com seus tanques, desembarcando na Sicília, até entrar na Alemanha, atravessando o rio Reno, no qual urinou.
DE UMA SERPENTE
“Se o Getúlio Vargas tivesse feito com a Força Expedicionária Brasileira o que Bolsonaro faz com os profissionais de saúde, as tropas alemãs teriam desfilado na avenida Rio Branco.”
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