Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
30 de abril de 2020 | 12h00
Ele está na linha de frente do combate à pandemia do sars-cov-2, o temido vírus que provoca medo e mortes pelo mundo. O médico intensivista Bruno Adler Maccagnan Pinheiro Besen, de 33 anos, coordena uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, montada no Instituto Central, em São Paulo, para atender pacientes com a covid-19.
Com trabalhos publicados na área da ventilação pulmonar, recurso para reduzir a falta de ar, complicação provocada pela doença, Besen é um exemplo dos centenas de profissionais de saúde que estão unidos e mergulhados no esforço para tentar reverter quadros graves de pessoas que lutam para sobreviver nos hospitais sem que existam drogas comprovadamente eficazes na cura da covid-19. "O que conseguimos, na prática, é atrasar a morte para que o paciente consiga ir eliminando o vírus aos poucos", explica o médico. "Mas é importante que o paciente não chegue ao hospital quando já está muito deteriorado", argumenta.
Já temos quase dois meses da crise aguda da covid-19 e não há medicação comprovada contra o vírus. O que exatamente a medicina ataca para tirar o paciente da crise provocada pela covid-19?
O tratamento da covid-19 envolve dois grandes grupos de intervenções: as medidas de suporte orgânico fornecidas na UTI e também medicamentos que possam atuar na fisiopatologia doença. Há várias terapias que foram utilizadas em estudos não-controlados, mas que agora estão passando por diversos estudos clínicos para sabermos se realmente funcionam ou não. Entre elas, hidroxicloroquina, azitromicina, plasma convalescente, corticosteróides, drogas anticoagulantes e diversos antivirais, como o remdesivir. Todas essas drogas têm efeitos colaterais, prós e contras. Só saberemos se funcionam com estudos clínicos bem desenhados, que estão sendo conduzidos em diversos países atualmente, inclusive no Brasil.
É possível termos ideia de um momento mais adequado para o diagnóstico da doença para então evitar o óbito?
Atualmente, ter o diagnóstico é importante para fins epidemiológicos e para reforçar as medidas de isolamento social. Fora isso, o importante é estar atento a sinais de alarme (como falta de ar, por exemplo) que podem denotar a necessidade de internação hospitalar para vigilância mais próxima do paciente e realizar intervenções de suporte à vida antes que seja tarde demais.
Se anteciparmos o diagnóstico e o tratamento para os primeiros dias da infecção, podemos melhorar o desempenho do tratamento e reduzir as mortes?
Não é possível afirmar isso, nesse momento, pois não temos uma terapia comprovadamente eficaz para casos leves. Por outro lado, é importante que o paciente não chegue ao hospital quando já está muito deteriorado e as intervenções sejam mais arriscadas.
Quando o pulmão está comprometido, como é feita a limpeza dessa região? Ocorre drenagem da inflação que provoca aquela imagem branca nos exames?
Nosso organismo, através de suas defesas imunológicas, tenta eliminar o vírus. O processo inflamatório nos pulmões é resultante dessa interação entre o vírus e o hospedeiro. Conforme o paciente melhora, isso significa que a inflamação vai reduzindo e as alterações radiográficas vão melhorando, mas isso pode demorar várias semanas.
É preciso ter cuidado com a hidratação? Um paciente pode tomar soro, beber água?
Sim, a hidratação é sempre algo que ficamos atentos, principalmente em quem está tendo febre mais alta. Para quem está em casa, é importante manter uma hidratação adequada tomando água. Eventualmente, no hospital, se o paciente não puder tomar água, pode receber soro ou, a depender da gravidade do caso, receber água ou dieta através de uma sonda que vai até o estômago.
Qual é efetivamente o resultado positivo do respirador mecânico? É possível mostrar se o equipamento garante a cura? Colocar na ventilação mecânica melhora o prognóstico?
O respirador mecânico é uma medida de suporte avançado de vida. Isso significa que ele consegue dar suporte ao paciente quando este já não consegue mais respirar por si só. O aparelho por si só não garante a cura. Mais do que isso, é importante ter conhecimento sobre como utilizar o aparelho para que os ajustes sejam feitos adequadamente, o que exige uma formação especializada e anos de prática em terapia intensiva. Mesmo se utilizado corretamente, não há garantia de cura, pois enquanto o ventilador mecânico está ajudando o paciente, ainda está ocorrendo a luta do hospedeiro (o paciente) contra o vírus. O que conseguimos, na prática, é atrasar a morte para que o paciente consiga ir eliminando o vírus aos poucos. Sem dúvida, se não tivéssemos ventiladores mecânicos, vários pacientes morreriam e não conseguiriam o tempo necessário para eliminar o vírus.
Quando ocorre a decisão de entubar o paciente?
A decisão de intubar envolve diversos fatores: o grau de comprometimento da oxigenação do sangue do paciente; o grau de comprometimento do exame de imagem; como o paciente está se sentindo ou se a respiração está muito difícil; se há outros parâmetros alterados, como a pressão muito baixa ou alterações da consciência; como está sendo a evolução do paciente ao longo dos dias. O médico precisa avaliar todos esses parâmetros para decidir se entuba ou não um paciente.
É preciso haver entubação para o uso da ventilação mecânica?
Não necessariamente. Existem alguns dispositivos de ventilação mecânica não-invasiva e outros que conseguem dar oxigenioterapia em altos fluxos que conseguem dar suporte ao paciente. Em algumas ocasiões, conseguimos evitar que um paciente seja intubado utilizando esses dispositivos, mas ainda assim existe o risco de alguns pacientes precisarem da ventilação mecânica invasiva.
A ventilação mecânica é feita somente com o paciente fora o estado de consciência, ou seja, desacordado?
A ventilação mecânica invasiva inicialmente sempre precisa de um tubo para o paciente respirar. Para colocar o tubo, o paciente é sedado e fica desacordado. Inicialmente, a maioria dos pacientes precisa de uma sedação profunda e permanece desacordado, para que a equipe consiga ajustar os parâmetros do ventilador. Conforme o paciente melhora, a sedação vai sendo mais leve e o aparelho ajustado para o paciente começar a respirar por conta, apenas com um auxílio do respirador. Numa última fase, quando está próximo de tirar o tubo, nos pacientes que melhoram, é preciso que o paciente fique bem acordado, sem sedativos.
A medicina já conhece outras doenças que provocam sintomas semelhantes, como falta de ar e o colapso do sistema vascular, por exemplo. O que é possível usar desse arsenal de conhecimento de UTI para a recuperação dos infectados pelo vírus Sars-cov-2?
O vírus Sars-CoV-2 gera alterações no organismo semelhantes a diversas outras condições, apesar de ter suas particularidades. Nas últimas décadas, a terapia intensiva aprendeu a lidar cada vez melhor com quadros de alteração da respiração (insuficiência respiratória) e aprendeu a prover o suporte avançado de vida, seja com o ventilador mecânico, máquinas de diálise ou medicamentos para ajustar a pressão, de forma a melhorar os resultados dos pacientes. Além disso, o foco do cuidado também é em prover qualidade e segurança assistencial através de protocolos de cuidado que evitem complicações durante a internação. Conseguir prover cuidados intensivos de qualidade, assim, é um dos maiores desafios de qualquer unidade de terapia intensiva que esteja no enfrentamento ao novo coronavírus. Para isso, precisamos de estrutura física adequada, equipamentos que tenham as configurações mínimas, uma logística institucional em bom funcionamento para fornecer insumos e medicamentos. E o mais importante de tudo: pessoas e equipes capacitadas. Não adianta termos estrutura, equipamentos e suprimentos se não tivermos um recurso humano bem qualificado.
Quais os efeitos positivos e negativos da ventilação mecânica, que é aplicada aos pacientes com a covid-19? As pessoas ficam com sequelas? Quais tipos de sequela?
A ventilação mecânica em si, se feita adequadamente por profissional capacitado, não gera sequelas no paciente. O que gera sequelas é precisar ficar muito tempo dependente do aparelho. Baseado no que sabemos de terapia intensiva em geral, hoje sabemos que um paciente que precisou ficar na UTI por mais tempo pode ter vários tipos de sequelas depois da internação. Isso vai desde problemas cognitivos (dificuldade de raciocínio, piora da memória, entre outras coisas) até as dificuldades físicas, que são mais evidentes, com fraqueza muscular, dificuldade para se locomover, problemas músculo-esqueléticos ou até dificuldade para respirar por ficar uma sequela nos pulmões. Outros pacientes podem ter problemas psicológicos que caracterizam estresse pós-traumático, associado ou não à depressão e ansiedade. É por isso que hoje entendemos que a recuperação do paciente não se dá quando ele sai da terapia intensiva e que o paciente precisa ainda de suporte psicológico, fisioterapia e muitas vezes acompanhamento médico até que consiga se recuperar. Infelizmente, essa recuperação pode nem sempre ser completa e ficar alguma sequela.
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