sexta-feira, 24 de abril de 2020

Diário de Confinamento: 'Um Dia dos Namorados diferente', FSP

Susana Bragatto
BARCELONA
Dia #41 - Quinta, 23 de abril. Cena: passarinho na varanda cantando. Parou de chover.
Se fosse um dia normal, Barcelona deveria haver amanhecido nesta quinta (23) dominada por bancas de livros e rosas.
23 de abril é Dia de Sant Jordi, o santo patrono da cidade. É o equivalente ao Dia dos Namorados catalão, e se celebra sem caixa de bombom, perfume ou set de cuecas.​
Ilustração Diário de Confinamento
Aniol Yauci/Divulgação
Pela tradição, homens ganham livros e mulheres, rosas vermelhas, decoradas com um raminho de trigo, símbolo da fertilidade, e fitinhas de listras amarelas e vermelhas, cores da Catalunha (aproveitando o ensejo pra fazer um statement, The Catalan Way).
O vermelho é uma alusão ao sangue do dragão, derramado pela espada de São Jorge em batalha na mítica montanha catalã de Montblanc. A fábula é tão querida na cidade que até a Casa Battló, uma das preciosidades arquitetônicas de Gaudí, foi inspirada nela.
Pra celebrar a data, nem precisa ser namoradis ou parceiris —amigos se presenteiam, filhos com pais etc.
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Quando eu cheguei aqui, anos atrás, me pareceu um costume poético, e ao mesmo tempo de um machismo tremendo (eu queria livro, pôohhamm). Até que um amigo me presenteou com meu primeiro livro de Sant Jordi e eu entendi que vale tudo, todo mundo ganha e dá o que quiser.
O catalão é um povo doido por livros. As banquinhas de Sant Jordi trazem exemplares novos e de segunda mão, em várias línguas, edições mil, preciosidades. Misturar-se com a multidão Sant Jordínica que domina as calçadas e parques e esquinas é um prazerrrrr. Mas não hoje.
A celebração foi adiada para 23 de julho, ápice do verão, e a gente pode prever que não será como nos anos anteriores. Provavelmente haverá regras de distanciamento, máscaras e menos beijos e amassos públicos. Ou não.
E, como a gente não pode sair de casa, um coletivo de 37 editoras independentes catalãs (sí, quase 40 editoras locais, señoras e señores! bravuuu) divulgou um manifesto de Sant Jordi, pedindo que "desconfinemos os livros".
O pedido parece estar funcionando: a plataforma catalã Libelista, que reúne mais de uma centena de livrarias locais independentes, registrou o dobro de vendas durante o período de confinamento. A ideia é que, ao comprar online, o usuário "dá apoio às livrarias locais e ajuda a manter o tecido cultural da sua cidade".
Fora da Catalunha, as abundantes feiras de livros que deveriam acontecer nesta época na Espanha também deixaram muitos negócios órfãos, e tem até livraria fazendo crowdfunding pra remediar a crise e não fechar as portas.
É o caso da 80 Mundos, de Alicante, capital da Comunidade Valenciana, onde as línguas oficiais são o espanhol e o valenciano, uma ramificação do catalão (embora, muy importante observar, subsistam polêmicas mil sobre se é língua própria ou variação).
Em menos de um mês, essa livraria já recebeu mais do que o dobro de sua meta inicial de 6.000 euros (R$ 36 mil) para se manter funcionando durante a quarentena, com doações de leitores que compram diferentes packs de leitura ou se convertem em sócios.
Na página do projeto, tem pra todos os gostos: pacote quarentena, de fanzines, pra amantes de esportes, filosofia, clássicos, romances policiais, gatos, queer, e até um especial "platinum" no valor de 500 euros (R$ 2.971), já apoiado por dois doadores.
"Este ano, mais do que nunca, necessitamos vocês", diz o manifesto das editoras catalãs. "Se vocês compram livros, talvez não impedirão que a resposta política à epidemia mate muitos projetos literários (uy), mas, sim, limitarão os estragos".
A preocupação é grande, porque essa época de celebração é estratégica para a sobrevivência do setor. Pra não sobrecarregar um sistema underground que não dá conta da distribuição massiva e não abarrotar as ruas de entregadores, os independentes também sugerem: comprar agora, ir pegar logo menos. Quando a gente puder sair, entre rosas e livros.
“Músicas para Quarentenas” podem ser escutadas aqui.

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