Sob o título “Impactos da pandemia de coronavírus na atividade judicial: esforço de visualização das reações no mundo“, o artigo a seguir é de autoria de Paulo Roberto Dornelles Junior e Geraldo Dutra de Andrade Neto, membros da Secretaria Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB (*)
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As medidas extremas de quarentena adotadas pelo governo chinês em Wuhan, capital da província de Hubei causaram apreensão nos demais países. Em rápida escalada, o vírus se espalhou pelo mundo e levou a Organização Mundial da Saúde a declarar a pandemia em 11 de março de 2020. O vírus recebeu o nome científico de SARS-CoV-2, enquanto COVID-19 foi o nome atribuído à doença que provoca. Sem vacinas ou tratamentos específicos, os governos vêm adotando medidas progressivamente mais rigorosas.
Equilibrando a permanência da atividade judicial com as medidas necessárias para proteger seus quadros e impedir maior disseminação, o judiciário em todo o mundo reagiu.
Como membros da Secretaria Internacional da Associação dos Magistrados Brasileiros, mantivemos contato informal com representantes do judiciário de diferentes países, no âmbito da União Internacional de Magistrados.
Por meio de aplicativo de comunicação instantânea em grupo que reúne representantes do judiciário de diversas nações, solicitou-se aos colegas magistrados informações sobre eventuais medidas adotadas em relação às atividades judiciais em seus respectivos países em decorrência da pandemia. Estas informações foram solicitadas no dia 12 de março de 2020, dia seguinte à declaração da OMS e foram gradualmente atualizadas.
Com base espontânea colaboração dos colegas, cujas responsabilidades profissionais e associativas foram exaustivamente ampliadas durante a crise, foi possível obter um quadro geral, resultado de sintetização das informações obtidas diretamente e em situação de grande alteração de cenários. Certas imprecisões foram gradativamente corrigidas ao longo das tabelas subsequentes.
Dadas as condições em que construído, o retrato não deve ser interpretado como informação absoluta sobre a extensão e profundidade das ações adotadas pelo Poder Judiciário de cada país. As informações refletem as linhas gerais. Por exemplo, mesmo com a suspensão de atividades presenciais, foram garantidos serviços de urgência e regimes de plantão. Em alguns casos, estes serviços foram e seguem prestados inclusive por magistrados com utilização de uniformes completos de proteção contra a contaminação. A informação de adoção do trabalho remoto, por outro lado, não significa que ocorreu em todas as funções, mas que foi adotada.
Se, por um lado, pode-se perder a precisão científica com a síntese, por outro ganha-se em significado histórico ao revelar o esforço para acompanhar a evolução diária dos fatos.
Este não é um trabalho de sistematização de dados consolidados do passado. É um texto vivo, elaborado em meio a uma pandemia e que revela o esforço dos vários países em manter seus judiciários em funcionamento para assegurar a manutenção do tecido social e auxiliar as autoridades de saúde, evitando a intensa movimentação de pessoas nos ambientes dos Tribunais, para abrandar a disseminação do vírus.
Eventuais imprecisões podem ocorrer, seja pelo esforço de síntese, seja pela acelerada alteração da realidade e, por consequência, dos cenários normativos. Em qualquer dos casos, eventuais erros devem ser atribuídos exclusivamente aos autores do texto.
Da análise da situação dos países, percebe-se que o judiciário do Brasil teve uma resposta satisfatória para o cenário de pandemia. Em razão da intensa virtualização dos processos judiciais no país, o trabalho remoto não só se tornou possível, como a produtividade dos magistrados brasileiros apresentou uma tendência de aumento. Ao passar dos dias e com adaptação à nova realidade, mais as audiências são viabilizadas por videoconferência por sistemas diversos, destacando-se a plataforma de videoconferência disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça.
O quadro geral de cada dia mencionado, com informação específica de vários países, está publicado na íntegra no sítio de internet da Associação dos Magistrados do Paraná. (www.amapar.com.br).
Com o decorrer dos dias, foi realizado um breve resumo dos fatos.
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12 de março de 2020
Um dia após a declaração da pandemia, vários países não suspenderam ou restringiram o trabalho judicial presencial. Somente a Itália e o Paraguai adotaram critérios mais intensos para restringir a atividade judicial com o fim de conter a propagação do vírus.
13 de março de 2020
O número de Tribunais que suspenderam audiências no Brasil cresceu. Audiências foram suspensas na Eslovênia. A Espanha suspendeu todas, exceto as emergenciais.
Percebe-se a velocidade de propagação do vírus e a necessidade de veloz adaptação. Em apenas alguns dias, ações complementares foram tomadas e outros países suspenderam as atividades.
17 de março de 2020
Governos continuaram a tomar providências progressivamente mais rigorosas. Alguns países fecharam fronteiras.
No Brasil, muitos tribunais suspenderam as audiências. Nos EUA, a Suprema Corte decidiu suspender parte das atividades, assim como Tribunais de Nova York. Na Argentina, as atividades judiciais na província de Buenos Aires foram suspensas por alguns dias. O Peru suspendeu inicialmente congressos e seminários (12/03), mas depois também prazos e a atividade judicial ordinária, com exceções, por 15 dias a partir de 16/03/2020.
Os prazos processuais foram suspensos no Panamá por 2 semanas a partir de 16/03/2020, mas os Tribunais continuaram abertos. Na Espanha, atividades na escola judicial foram suspensas até 14/04/2020. No Equador, houve suspensão do atendimento ao público por cinco dias, suspensão dos prazos judiciais e, finalmente, suspensão das atividades, exceto para flagrantes, desde 16/03/2020. Porto Rico suspendeu as audiências, exceto as urgentes, de 16 a 30/03/2020, e foi adotado trabalho remoto. A Colômbia suspendeu prazos e audiências de 16 a 30/03/2020, com exceções, e adotou trabalho remoto. A Finlândia adotou trabalho remoto quando possível e suspendeu treinamentos para o pessoal do judiciário. A Guatemala suspendeu as atividades até 01/04/2020, com exceção de urgências e plantões judiciais.
20 de março de 2020
Os judiciários adotaram novas providências. O Panamá suspendeu o trabalho presencial nos Tribunais de 23 de março a 9 de abril. Em pronunciamento de 19 de março, a Federação Latino-Americana de Magistrados instou os poderes judiciais a adotarem medidas contra a disseminação do vírus. O Tribunal de Apelação do Chile restringiu radicalmente o número de pessoas presentes nos Tribunais. Foram divulgadas imagens de pessoal de desinfecção no Tribunal de Valência, Espanha. Foram divulgadas imagens de Juízes criminais na Colômbia trabalhando com uniformes de proteção.
Pouco depois da publicação do quadro para o dia 20 de março, houve informações de que a Croácia passou a trabalhar apenas com casos urgentes desde 16/03 e adotou trabalho remoto para os juízes, quando possível.
O último relatório foi apresentado no dia 11/04/2020. Em termos gerais, as medidas de suspensão foram prorrogadas. Iniciaram-se movimentos de restabelecimento parcial das atividades na Espanha e no Paraguai.
Entre o último relatório e este, foram comunicados falecimentos de Juízes e de membros do Ministério Público vítimas de COVID-19. Ao menos um dos magistrados falecido havia realizado audiências presenciais durante a pandemia com uso de máscara protetora.
11 de abril de 2020
As medidas de precaução adotadas pelo poder judiciário foram, no geral, prorrogadas. No Equador, a associação de Juízes defendeu a realização de audiências por videoconferência.
As medidas de suspensão na Guatemala foram prorrogadas até 13 de abril. Na Bolívia, parte das atividades judiciais foram suspensas até abril, com manutenção do regime de plantão e atenção a ações de liberdade, com uso de EPI pelos juízes. A Colômbia manteve trabalho remoto para os juízes até 13/04, com exceções. Recebida notícia de falecimento de magistrado argentino.
O Panamá prorrogou a suspensão dos prazos processuais até 30 de abril; as ações constitucionais continuam atendidas; oficinas judiciais do sistema penal seguem abertas para atender a casos urgentes. O Paraguai prorrogou a quarentena por mais uma semana após o dia 12 de abril. Na Espanha, foram iniciadas medidas para a retomada das atividades judiciais.
O impacto da pandemia levou à suspensão da assembleia anual de 2020 da União Internacional de Magistrados – UIM, na Costa Rica.
Neste cenário extremo, o Judiciário no mundo foi forçado a se adaptar. Atividades presenciais foram reduzidas nos países mais afetados, e este número de países gradualmente aumenta.
O trabalho remoto foi amplamente adotado. Audiências virtuais foram incentivadas. O Judiciário adaptou-se, mas a jurisdição segue ininterrupta.
Os relatórios apresentados refletem esforço de síntese de medidas adotadas no mundo durante uma crise sem precedentes. Estas condições anômalas não permitem refinamento de dados em nível científico. Mas o panorama geral descrito e a própria experiência da crise permitem extrair conclusões preliminares bastante objetivas:
1) As associações de magistrados desempenham papel essencial durante a crise. Atuam para salvaguardar a vida de seus membros e de terceiros ao solicitar medidas para impedir a expansão da pandemia nos ambientes dos prédios dos Tribunais, locais de intensa movimentação em períodos de normalidade.
2) Sistemas rápidos de comunicação entre membros do judiciário ao redor do mundo são essenciais durante crises de acelerada dispersão. Exemplos de medidas adotadas no exterior podem servir de modelo para medidas internas. A comunicação rápida dessas ações permite seu uso quase de forma quase imediata.
3) O trabalho remoto, via Internet, se mostrou essencial em quarentena, pois permite que o judiciário permaneça ativo e responda de forma ininterrupta aos conflitos que lhe são submetidos, inclusive os resultantes da pandemia, colaborando com a manutenção do tecido social.
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Paulo Roberto Dornelles Junior é Juiz do Trabalho no Tribunal Regional da 4ª Região (Rio Grande do Sul)
Geraldo Dutra de Andrade Neto é Juiz de Direito no Paraná, Presidente da Associação dos Magistrados do Paraná – AMAPAR, Secretário-Geral da Federação Latino-Americana de Magistrados – FLAM e Secretário-Executivo da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa – UIJLP
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