Preços negativos não deveriam ser possíveis. Afinal, quem pagaria para que alguém levasse seu produto? Seria culpa da crise?
XANGAI
O preço do barril de petróleo para contratos a serem entregues em maio terminou cotado a negativos US$ 37,60. Preços negativos não deveriam ser possíveis. Afinal, quem pagaria para que alguém levasse seu produto? Seria culpa da crise? Estaríamos perto do apocalipse? Felizmente, esse acontecimento único não é sinal do fim dos tempos e não deve se repetir, mas é mais um indício de que essa crise é singular.
Um contrato futuro é um acordo em que compradores e vendedores se comprometem a entregar e receber um produto a um determinado preço, em um período de tempo. No caso dos contratos que acabaram com preços negativos, cada um era um compromisso de compra e venda de 1.000 barris, com entrega física nos oleodutos de Cushing, Oklahoma, nos Estados Unidos. Ou seja, o agente que tivesse posição comprada deveria estar pronto para começar a receber o petróleo no dia 1º de maio, com o total sendo transferido até o último dia do mês.
Mas a crise da Covid-19 criou um problema no mercado de petróleo. Com muitos estados em quarentena, a demanda pelo produto despencou. Por isso, as distribuidoras de alguns lugares, como em Oklahoma, estão com estoques cheios. Assim, seria impossível a entrega física do produto em maio. Não haveria onde recebê-lo.
Os preços finais negativos envolvem principalmente investidores ou empresas (inclusive aéreas) que se protegem ou apostam na variação do preço do óleo. Nesta segunda-feira (20) se encerrou o período de negociação dos contratos com entrega em maio. A forma normal de encerrar um contrato de mercados futuros é tomar a posição contrária. Se um agente tem dez contratos de compra, basta tomar uma posição em dez contratos de venda e liquidar a posição. Não encerrá-la significaria uma obrigação de receber o petróleo.
Contudo, não haveria onde estocar o produto. Então, quem tinha contrato de compra em aberto foi obrigado a achar posição de venda, custe o que custar. E foi isso que levou os preços do barril de petróleo para entrega em maio a ficarem negativos. Para quem tinha a obrigação de comprar petróleo e não tinha como fazê-lo, a conta foi simples: seria mais caro pagar por armazenagem do produto ou tentar achar uma posição contrária a qualquer preço? As posições foram encontradas, mas a preços negativos; ou seja, agentes pagaram US$ 37,60 por barril pelo direito de não precisar receber óleo que não teriam onde estocar.
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Quem se deu bem foi quem tinha a posição vendida. No dia anterior, o preço estava em US$ 18,20. Como fechou em -US$ 37,60, cada contrato gerou US$ 55,80 de lucro por barril.
Em um dia normal, não haveria corrida por posições opostas —bastaria pagar um intermediário e vender o produto para uma distribuidora. Os preços não cairiam abaixo de zero.
Em inglês, o que se deu se chama settlement squeeze, um aperto aos investidores com posições compradas. Isso não deve acontecer de novo. Ninguém vai deixar para fechar sua posição na última hora.
Ainda assim, o que aconteceu vai ficar para os anais da história: o dia em que poder comprar petróleo foi o melhor negócio do mundo.
Rodrigo Zeidan, doutor em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é professor associado da New York University Shanghai (China), da Copenhagen Business School (Dinamarca) e da Fundação Dom Cabral.
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