Epidemiologista conta como empresas põem em xeque evidências de que produtos representam risco
“The Triumph of Doubt”, de David Michaels, é um daqueles livros que dariam excelentes roteiros de filme, em que o mocinho precisa enfrentar empresários inescrupulosos que não hesitam em envenenar populações para aumentar seus lucros e depois ainda tentam corromper as autoridades para escapar da punição.
Michaels, que é epidemiologista e durante oito anos comandou agência dos EUA encarregada de criar padrões para a segurança de trabalhadores, conta em detalhes como empresas atuam para pôr em dúvida evidências científicas de que seus produtos representam risco para a saúde ou para o ambiente e, assim, evitar ou ao menos adiar a entrada em vigor de regulamentações.
O caso paradigmático é o da indústria do tabaco, que passou décadas pagando médicos para negar que o cigarro faz mal, mas o autor nos apresenta vários outros episódios escabrosos, em que empresas agiram de modo semelhante, como a epidemia de opioides, as demências entre jogadores profissionais de futebol americano, a obesidade ligada ao consumo de refrigerantes, entre outros.
Michaels mostra que existe uma verdadeira indústria da negação, centrada em alguns escritórios especializados que sempre encontram pesquisadores dispostos a pôr em dúvida evidências, mesmo quando são robustas. O autor, que tem lado nessa controvérsia, bate com força nesses cientistas de aluguel.
Tendo a acompanhá-lo, mas, fazendo as vezes de advogado do diabo, é possível afirmar que, assim como até o pior assassino deve ter direito a defesa, até os produtos mais mortíferos devem ter direito a procurar quem os defenda com argumentos científicos. O efeito colateral desse “framing” mais jurídico é que ele detona de vez a ideia de que cientistas trabalham para descobrir a verdade. Essa talvez fosse uma noção mais romântica do que realista, mas também me parece complicado equiparar o papel de cientistas ao de advogados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário