Além de Trump e Bolsonaro, o Twitter é, já há muito tempo, a rede favorita de jornalistas e cientistas políticos. É lá que ocorre boa parte do debate público
05/03/2020 | 21h02
Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo
Twitter teve crescimento acima do esperado no trimestre
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Uma ameaça ronda a empresa Twitter. E ela pode ter impacto que vai além da gestão de uma companhia. Se um determinado grupo de investidores tiver sucesso em sua ofensiva, o impacto pode resvalar até para a política. Inclusive a do Brasil.
Nos últimos anos, em grande parte por conta do impacto da eleição presidencial americana de 2016, o Facebook recuou do tema política. Diminuiu sua importância via algoritmos, fez de tudo para se afastar do debate. Some a isso o fato de que o presidente americano, Donald Trump, passou o mandato se comunicando via Twitter e, assim, atraiu copiadores como nosso Jair Bolsonaro. É, e já há muito tempo, a rede favorita de jornalistas e cientistas políticos. O resultado é que boa parte do debate público ocorre lá. Com qualidade declinante, mas é lá.
O fundo de investimentos Elliott Management comprou US$ 1 bilhão em ações da empresa Twitter. A quantia não lhe garante controle, mas dá voz alta. E este novo acionista tem uma meta: preencher com pessoas de confiança as quatro cadeiras do conselho administrativo do Twitter que ficarão vagas este ano. Da meta partem para o objetivo final: tirar Jack Dorsey do cargo de CEO.
A notícia, revelada pela agência Bloomberg, segue a lógica do mercado de capitais. Dorsey é um caso atípico: o único CEO de, simultaneamente, duas empresas que valem mais de US$ 1 bilhão. Ele comanda também a Square, que trabalha com serviços de pagamento. A companhia, argumentam os analistas da Elliott, precisa de um CEO que se dedique integralmente a ela. Se isto ocorrer, seu valor subirá no mercado e as ações compradas darão retorno.
Há também uma crítica mais específica. Diferentemente do gigante das redes, Facebook, e da outra concorrente relevante, a Snap, o Twitter não vem investindo em inovações. Esta semana anunciou seu Stories, uma invenção do Snapchat copiada por Instagram, Face e WhatsApp, que chega com anos de atraso à rede do passarinho azul.
Muitos fundos funcionam assim: encontram no mercado uma empresa que, consideram, valem menos do que deveriam. Aí constroem uma teoria sobre o que as faz valer menos. Compram papéis o suficiente para ganhar voz, trabalham para atacar o que consideram ser o problema, fazem o lucro. Jogo jogado.
Só que é preciso desconfiar. A Elliott pertence a Paul Elliott Singer, um ativo financiador do Partido Republicano. Inicialmente, ele esteve no grupo anti-Donald Trump. Mas, desde então, isto se atenuou. Não dá para dizer que Singer seja um fiel seguidor de Trump. Mas segue republicano e não votaria em um democrata jamais. Ele não contribui apenas com dinheiro para o partido e candidatos com quem simpatiza. Financia também causas que lhe são caras. E, aí, está um ponto delicado.
É inevitável comparar Jack Dorsey a Mark Zuckerberg. A atitude de Zuck perante as muitas controvérsias a respeito das redes é escorregar e evitar o confronto, empacotar um argumento formal e repeti-lo. Dorsey faz o oposto: responde diretamente, com clareza, não foge. Mas a transparência no diálogo não vem sendo acompanhada por ações reais. Jack prometeu em março de 2018 uma mudança no algoritmo para estimular conversas que não sejam o caos destrutivo do diálogo que impera hoje. É uma mudança fundamental. Mas, até este março de 2020, nada ocorreu.
É perfeitamente possível que o movimento de Singer nada tenha a ver com política. Que seja, apenas, uma típica ação de um fundo agressivo, que não é rara em Wall Street. Mas, se ele virou acionista da rede onde ocorre a conversa política e tem planos para isso, então há um risco. Um risco particularmente delicado.
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