A mágica da confiança
Estamos diante de um jeito diferente de engendrar desenvolvimento econômico
Gustavo Franco, O Estado de S. Paulo
29 de setembro de 2019 | 05h00
A recuperação da economia está muito lenta, e essa queixa vem da época do Temer.
É grave a situação, pois são 12 milhões de desempregados; metade dos quais, não vamos esquecer, empregos destruídos pela Nova Matriz, cujas viúvas andam agitadas pois, afinal, os clubes de futebol continuam trocando seus treinadores, achando que isso produz, ao menos no início, uma injeção de ânimo. Discutível, quando muito.
Mas por que mesmo está demorando?
Acho que a melhor resposta considera que não estamos apenas diante de mais uma recuperação cíclica, mas testando algo como uma “mudança de modelo”, vale dizer, um jeito diferente de engendrar o desenvolvimento econômico, crescimento com responsabilidade fiscal.
Desde os tempos da hiperinflação, quando se dizia que estávamos diante da falência do modelo de desenvolvimento baseado no gasto público financiado pela fabricação de papel pintado.
Mas na hora de mudar as coisas para valer é impressionante a dificuldade. Fica a impressão de que a Nova Matriz não foi apenas um delírio parnasiano de uns poucos professores da Unicamp; há fiéis escondidos por toda a parte. A vida era mais fácil quando não era preciso fazer conta na área pública.
Vamos aos fatos: o investimento público está morrendo, e por bons motivos.
De um lado, o dinheiro acabou, o que já seria motivo suficiente. De outro, a complexidade para se trabalhar com o governo atingiu um nível crítico. Segundo o TCU, cerca de 37% de todas as obras públicas estão paradas, o que seria sinal de incapacidade de execução, quando se trata de obras públicas. Nem Keynes seria keynesiano nessas condições.
A mudança de modelo de que falamos consiste em o investimento privado fazer o que antes se esperava que o investimento público fizesse. Não há como escapar disso, mas o problema é que, no Brasil, o inevitável pode demorar várias décadas.
Metade do problema tem de ver com dificuldades conhecidas de reduzir o gasto público; a outra, amiúde esquecida, é pertinente ao setor privado.
A formação bruta de capital fixo do setor privado, ou o Capex, para usar o jargão contábil-empresarial (os gastos de capital), é muito baixa há anos, e as empresas estão acomodadas nessa situação.
Ninguém gosta de se alavancar, a aversão ao endividamento é um dos hábitos mais arraigados das empresas brasileiras, e por bom motivo: no país que é campeão mundial de juros, o recurso ao endividamento é como um doping que costuma matar o atleta antes de ele ganhar medalhas.
Nossos tesoureiros são excelentes para aplicar dinheiro e otimizar o caixa, mas morrem de medo de tomar dinheiro emprestado, exceto quando se trata de crédito direcionado baratinho que só os amigos do governo conseguem obter.
Ocorre que estamos migrando para um novo patamar de custo do capital, o que nos levaria a pensar que este é o momento para o setor privado se habituar a fazer mais gastos de capital com recursos de terceiros.
Faz sentido, mas é natural que as empresas não se sintam confortáveis para essa transição senão na presença de uma graça designada como “confiança”. Com ela, é possível imaginar um movimento virtuoso coordenado na direção de mais investimento, mas sem ela não dá nem para atravessar a rua.
O problema conceitual no combate à hiperinflação era semelhante: confiança era o que resolvia o problema de coordenação na raiz das dificuldades para o setor privado cooperar com a estabilização, segurando seus preços.
Muitos “agentes econômicos” (como se falava antigamente) precisavam se mexer ao mesmo tempo, na mesma direção, uns com medo dos outros. Tudo na macroeconomia tem a ver com interdependência, decisões coletivas (tácitas ou não), consensos, combinações, coesão social, essas coisas.
E é nesse ponto que está empacada a nossa “mudança de modelo”, que deveria vir na forma de um bom plano de recuperação de empregos. Mas de que é feito um plano que produz “confiança”?
Se fosse apenas juntar bons economistas e elogiar publicamente suas ideias, o Plano Cruzado teria funcionado.
Há componentes na mistura que não têm de ver com economia.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS
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