Maior evento da América Latina sobre viver e morrer começa nesta terça (3) em São Paulo
Foi aos dez anos que aprendi, às duras penas, que o amanhã não existe. Era um sábado, 5 de agosto de 1978. Naquela manhã, Carlos, meu irmão caçula, à época com sete anos, acordou especialmente feliz.
"É amanhã, a Lapa é amanhã!". Ele se referia à festa do Bom Jesus da Lapa, que ocorre anualmente em Jardinópolis, cidade vizinha a Ribeirão Preto, minha terra natal.
Todos os anos aguardávamos ansiosamente a data. Era diversão garantida. Após a missa campal, brincávamos à exaustão no parque montado no chão batido, comíamos maçã do amor, algodão doce e petiscos diversos nas barracas montadas no local.
Mas naquele ano não houve Lapa. Poucas horas depois daquele despertar festivo, meu irmão era retirado, morto, de um poço no sítio da minha família. Caiu enquanto olhava para o céu, empinando a sua pipa.
Dois meses depois, em outubro do mesmo ano, um outro episódio viria a reforçar para mim a inexistência do amanhã. Minha melhor amiga, Rosana, morria afogada na represa de Furnas.
Sim, essas tragédias levaram as minhas fantasias pueris e me forçaram a um amadurecimento precoce que moldou a forma como eu enxergo a vida. Se o amanhã não existe, o que eu posso fazer para deixar o meu hoje melhor?
Essa discussão está em alta, ainda que, de uma forma geral, romantizada. Diante do diagnóstico de uma doença terminal, alguém decide aproveitar o tempo ao máximo, saboreando pequenas delícias da vida que antes passavam despercebidas. Quem não conhece esse roteiro manjado?
O tema está na novela das sete da TV Globo, “Bom Sucesso”, e também é o eixo central do documentário “A Partida Final”, produzido pela Netflix e indicado ao Oscar. “Re-thinking Death” [Repensando a Morte] foi ainda uma das mesas mais concorridas do Path, maior festival de inovação e criatividade do Brasil, realizado em junho último.
Agora, essa discussão e muitas outras estarão no Festival Infinito, maior evento da América Latina sobre viver e morrer, que começa nesta terça (3) e segue até domingo (8).
“Quando a gente tem consciência da finitude, começa a olhar mais para as nossas escolhas, desejos. Pensar e falar sobre a morte também abre espaço para conexões, porque começamos a entender que o que vale é a qualidade das relações que construímos. Viver a vulnerabilidade que a vida provoca nos conecta mais profundamente uns aos outros”, afirma Tom Almeida, idealizador do festival.
Também responsável por iniciativas como Cineclube da Morte, A Morte no Jantar e Death over Drinks, ele brinca que "a morte enfim saiu do armário”. Que bom!
O festival reúne mais de 40 atividades, entre palestras, workshops, vivências, sessões de cinema, espetáculos de teatro e dança, jantar, atividades para crianças e intervenções urbanas.
Foram pensados eixos temáticos que correspondem aos ciclos da vida: “Amadurecimento: a vida começa aos 40”, “Adoecimento: a vida ressignificada”, “Terminalidade: a partida final”, “Morte: o último ato” e “Luto: o vazio com significado”.
A participação do médico Steve Pantilat é um dos grandes destaques da programação. Referência americana em cuidados paliativos (ficou famoso por participar do documentário "A Partida Final"), ele traz diferentes abordagens para lidar com doenças graves. Outro nome de peso é Roy Remer, diretor do Zen Hospice Project, instituição que foi cenário de boa parte do filme.
A enfermeira e educadora Jessica Hanson também integra o time de convidados internacionais. Jessica perdeu um filho de dois anos e defende que a morte, mesmo súbita e traumática, pode ser bonita. Ela foi uma das palestrantes mais celebradas no Simpósio End Well, em San Francisco, em 2018. Seu vídeo no evento tem 7 milhões de visualizações.
O festival também tratará do Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio coordenada pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e Associação Brasileira de Psiquiatria.
A programação completa pode ser acessada no site oficial do evento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário