segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Facebook não conseguiu evitar fake news no Brasil, apontam análises internas, WSJ, FSP

Deepa SeetharamanJeff Horwitz
THE WALL STREET JOURNAL
No ano passado, os executivos do Facebook elogiaram publicamente os esforços da empresa antes da eleição presidencial brasileira, como prova de seu progresso no combate à difusão de desinformações por meio de suas plataformas.
Mas, dentro do Facebook, o quadro era mais complicado.
Análises internas constataram que o gigante da mídia social não foi capaz de expor e evitar comportamentos suspeitos ou desinformaçãoem larga escala, depois do assassinato da vereadora Marielle Franco em março de 2018, de acordo com documentos revisados pelo The Wall Street Journal.
Celular com o ícone de curtir posts, símbolo do Facebook
Celular com o ícone de curtir posts, símbolo do Facebook - AFP
O Facebook continuou a depender de terceiros, entre os quais a mídia, para identificar questões que afetavam a eleição de outubro daquele ano, porque ainda não havia desenvolvido instrumentos para "detecção proativa" de certos problemas, mostram os documentos.
O Facebook demorou quatro meses para desmantelar uma rede de contas que espalhavam desinformações sobre Marielle depois de seu homicídio, um evento que polarizou ainda mais o Brasil nos meses que antecederam a eleição presidencial ferozmente disputada.
E a empresa também descobriu que uma organização de direita que apoiava o candidato vencedor, Jair Bolsonaro, estava encorajando seus seguidores no Facebook a usar um app externo que permitia que a organização postasse em nome deles mensagens em favor do candidato, duas vezes por dia.
O Facebook não estava informado sobre essa atividade antes de ser alertado por jornalistas e não foi capaz de determinar até que ponto ela era comum, os documentos demonstram.
Os documentos, compartilhados amplamente entre os empregados do Facebook, mostram uma empresa que continuava a enfrentar problemas para lidar com a manipulação de seus serviços por interessados em difundir desinformação política, em anos de eleição.
Também destacaram os preparativos do Facebook para a eleição americana de 2020, quatro anos depois de a empresa ser severamente criticada por permitir o uso de sua plataforma para difundir desinformação e alterar a discussão política no curso de uma campanha aquecida.
Dirigentes do Facebook descreveram a revisão sobre o Brasil como uma avaliação interna inicial de sua campanha para reprimir a desinformação.
Nathaniel Gleicher, diretor de política de segurança na computação do Facebook, disse que as defesas da empresa haviam sido consideravelmente reforçadas desde que o relatório foi escrito, em agosto de 2018.
"Estou muito confiante na equipe que temos em operação", disse Gleicher em entrevista. "Creio que estejamos em situação melhor hoje para identificar e bloquear essas coisas, muito mais do que em qualquer momento do passado."
Nos últimos anos, o Facebook vem sofrendo ataques de autoridades regulatórias e governamentais em diversos países, por violações de privacidade e por permitir que retórica hostil e mensagens políticas divisivas poluam o processo democrático.
 
No Brasil, os meios de difusão de boatos políticos na mídia social, no ano passado, incluíam o Facebook e o WhatsApp, um serviço de mensagens criptografadas controlado pela companhia de Menlo Park (Califórnia).
Em resposta, o Facebook pediu desculpas no mundo inteiro, contratou milhares de pessoas e investiu mais e mais recursos na segurança de sua plataforma.
Gleicher disse que o Facebook encontrou e desmontou mais de 40 campanhas de influência em todo o mundo no primeiro semestre de 2019, ante apenas algumas no primeiro semestre de 2018 e "cerca de duas dúzias" no segundo semestre do ano passado.
Ele disse que o Facebook contratou dezenas de pessoas como parte de sua equipe central de investigadores que buscam campanhas de influência, entre os quais antigos policiais e procuradores públicos, e agentes de serviços de informações, assim como ex-repórteres investigativos.
A empresa menciona esses investimentos em resposta a apelos por uma ordem judicial de cisão do gigante de mídia social, afirmando que uma empresa menor teria dificuldade para mobilizar os recursos necessários para combater a desinformação.
O Facebook retrata seus esforços eleitorais de modo otimista, enfatizando seu progresso, embora reconheça que ainda restam problemas.
Em um evento no ano passado, dirigentes da empresa disseram que ela havia detectado uma alta súbita na retórica hostil, bem como reportagens afirmando falsamente que a eleição brasileira seria adiada, e que todo esse conteúdo foi removido em questão de horas. O Facebook ficou "deliciado" com o tempo de reação, disse um executivo da empresa na época.
A apresentação interna preparada em 2018 mostra como as campanhas de desinformação estão evoluindo, criando novos desafios para o Facebook em muitos de seus maiores mercados. Na metade do ano passado, o Brasil era o quarto maior mercado mundial da plataforma em termos de usuários mensais ativos.
 
A revisão se concentra nas consequências do assassinato de Marielle, uma líder política local que costumava criticar a polícia.
Quase imediatamente depois de seu homicídio, rumores e desinformações sobre sua morte começaram a circular no Facebook e WhatsApp, entre os quais o de que ela havia "sido executada por seus próprios amigos a fim de incriminar a polícia", de acordo com um post incluído na apresentação da empresa.
Uma das deficiências reconhecidas no relatório foi a de que a rede social não se provou capaz de implementar suas regras que proíbem comportamento não autêntico coordenado, o que o Facebook define como qualquer tentativa sincronizada de manipular a discussão pública para fins estratégicos.
Algumas das páginas que a empresa encontrou espalhando desinformações sobre Marielle eram administradas por contas falsas, e os sistemas do Facebook não detectaram o fato com antecedência.
Um outro conjunto de problemas envolvia um terceiro app chamado Voxer, que fazia posts em nome de usuários que o autorizassem a isso. A atividade foi denunciada inicialmente ao Facebook por repórteres brasileiros.
O Voxer, que parece estar desativado e não ter relações com uma empresa homônima de San Francisco, promovia um recurso chamado Voxer Sharer, que descrevia como "ferramenta para compartilhamento em massa", de acordo com versões arquivadas do site.
No ano passado, o app permitia que um usuário vinculasse suas contas de Facebook e Twitter e compartilhasse conteúdo automaticamente.
O Movimento Brasil Livre (MBL), de direita, era cliente da empresa, de acordo com o Facebook, e enviou aos seus usuários ativos uma mensagem instando-os a fornecer suas credenciais de acesso ao Voxer para que a organização pudesse postar em nome deles.
"O Brasil precisa de vocês", escreveu o MBL, que apoiou Bolsonaro, aos seus usuários, afirmando que o Facebook havia reduzido o alcance das páginas políticas de direita. "Vocês podem fazer a diferença."
A atividade atraiu a atenção de jornalistas e do Facebook.
Gleicher disse que não era verdade que o Facebook tivesse reduzido o alcance das páginas de direita. Ele descreveu os posts feitos pelo Voxer como "manipulação de escala", e violação das regras do Facebook que proíbem fazer falsas afirmações para obter seguidores. O Facebook excluiu o Voxer de sua plataforma no começo de abril de 2018.
A avaliação do Facebook sobre seu desempenho em 2018 se alinha às críticas de alguns pesquisadores e ativistas brasileiros sobre a fiscalização da rede social antes das eleições.
"Sim, eles tinham uma equipe, mas era pequena demais e lenta demais", disse Nell Greenberg, diretora de campanhas da rede ativista online Avaaz.

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