SÃO PAULO
Há cinco anos, Gregori Santos, 42, viaja diariamente de sua casa, no perímetro urbano de Bauru, até o haras Bom Jesus, na zona rural da cidade, onde tem a missão de cuidar de 80 cavalos com mais cinco funcionários.
A fazenda, localizada no quilômetro 367 da rodovia Comandante João Ribeiro (SP-294), recebe turistas de diferentes partes do país, segundo ele. A única rota de chegada ao local é a estrada estadual.
Santos foi surpreendido ao saber, pela Folha, que a porta de seu trabalho receberá uma praça de pedágio, prevista no edital da maior concessão de rodovias já feita no país: a Piracicaba-Panorama. Com isso, ele provavelmente terá de pagar duas tarifas por dia para chegar e sair do trabalho.
“Eu tinha ouvido falar sobre a possibilidade de colocarem pedágio na estrada, mas não chegou ninguém para conversar e não sabia que seria na minha porta. Hoje, o fluxo de gente é bem grande aqui. Um caminhão que vem de Bauru com animais vai ter que pagar dois pedágios”, diz.
Segundo ele, a estrada não precisa de melhorias que justifiquem a colocação das praças, uma vez que a SP-294 tem pista dupla com acostamento em boa parte de sua extensão.
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A Folha percorreu os 1.273 quilômetros do maior lote de concessões rodoviárias do país, que tem a SP-294 como um de seus principais eixos, e encontrou opiniões antagônicas sobre a privatização.
O edital foi publicado pelo governo paulista em julho. Ao todo, as empresas e consórcios interessados em administrar os trechos de 12 rodovias estaduais por 30 anos terão 120 dias para enviar suas propostas.
A futura concessão abrange estradas que cortam 62 cidades, desde o oeste paulista até a cidade de Panorama, na fronteira com o Mato Grosso do Sul.
Segundo Giovanni Pengue Filho, diretor-geral da Artesp (agência reguladora estadual), o contrato prevê ao menos 149 obras serão feitas nas estradas. O pacote inclui, de acordo com ele, cerca de 600 quilômetros de duplicações. Os investimentos exigidos somam R$ 14 bilhões.
A contrapartida para os aportes é o baixo valor da outorga mínima no leilão, fixada pelo governo em R$ 15 milhões, além da instalação de 16 novas praças de pedágio —um aumento de 10% em relação às 160 já em operação na malha estadual— e a manutenção de cinco pontos de cobrança já existentes hoje.
“Fizemos várias simulações para saber se era adequado essa extensão. Também foi avaliada a composição do lote. Para saber se fazia sentido licitar em um, dois ou três pacotes. Fizemos em um porque incorporamos uma série de estradas de acesso, menores, com pista simples. Aumentamos o custo de operação com isso”, diz Pengue Filho.
“Poderíamos dividir o lote em duas partes, mas que pela quantidade de investimentos que foi solicitada nas audiências públicas não ficaria viável economicamente. A composição para comportar o maior número de melhorias, com tarifas menores e praças bem distribuídas, foi esse.”
O tamanho da concessão contraria demandas como a da Apeop (associação das principais empreiteiras do país), que defende a priorização de concessões menores para que mais empresas possam participar das licitações.
O projeto da Piracicaba-Panorama engloba a atual concessão de 220 quilômetros da Centrovias. A malha está desde 1998 sob administração da concessionária, controlada pela Arteris, e liga cidades como Cordeirópolis, Rio Claro, São Carlos, Brotas e Bauru.
Outro eixo da concessão é formado pelos cerca de 350 quilômetros da SP-294 entre Bauru e Panorama. Aos dois trechos, foram adicionadas vicinais. Também foram incluídas partes das rodovias Assis Chateaubriand (SP-425), que liga Presidente Prudente a Osvaldo Cruz, e SP-284, que conecta Presidente Prudente a Assis.
As principais vozes críticas à concessão das rodovias à iniciativa privada vêm das regiões de Bauru e Marília, conectadas pela SP-294.
Nas audiências públicas realizadas pela Artesp para a discussão do projeto, parlamentares, caminhoneiros e deputados da região reclamaram do fato de que haverá dois pontos de cobrança entre as duas cidades.
O deputado estadual e ex-prefeito de Marília Vinícius Camarinha (PSB) é um dos críticos. Ele apresentou um projeto para que as privatizações de rodovias sejam subordinadas ao crivo da Assembleia Legislativa —hoje, o Executivo tem autonomia para decidir sobre a concessão de estradas.
“As pessoas estão assustadas porque hoje há muita comunicação entre as cidades da região, gente que mora em Marília e estuda em Bauru ou vice-versa, por exemplo. Os municípios menores também usam a infraestrutura de saúde pública dos maiores”, afirma.
“A SP-294 já foi duplicada nos governos de José Serra e Geraldo Alckmin, é uma estrada boa, não precisa de pedágio. A rodovia recebeu até dinheiro do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] e recursos do IPVA da região. Isso poderia voltar a ser feito”, diz Camarinha, que não descarta eventual judicialização contra o projeto.
O BID liberou R$ 46,4 milhões entre 2006 e 2009 para financiar as obras de duplicação de um trecho de 23 quilômetros da estrada, entre Osvaldo Cruz e Adamantina.
Para o caminhoneiro Janderson dos Santos, 38, que carrega móveis de Osvaldo Cruz para Adamantina, Tupã e Presidente Prudente, a rodovia tem problemas de manutenção.
“É duplicada em muitos pedaços, mas sem acostamento e com buracos mal tapados, o que gera alguma trepidação às vezes. Isso poderia melhorar, se vão colocar pedágio”, diz.
“Uma coisa é a obra de duplicação, entregue pelo estado. A concessão envolve um conjunto de serviços, inclusive a manutenção ao longo de 30 anos. Os municípios entre Marília e Bauru, que estão em um trecho movimentado, não têm nenhuma garantia de como o governo do Estado vai manter aquela via”, diz Giovanni Pengue Filho, da Artesp.
O edital da Piracicaba-Parorama prevê uma inovação para minimizar críticas pelas novas praças de pedágio: o desconto progressivo de tarifa para veículos de passeio e pequenos veículos de carga que usam as rodovias da concessão com frequência.
O usuário que instalar dispositivos de cobrança eletrônica como o Sem Parar, por exemplo, pagará tarifa 5% mais barata.
A partir da segunda passagem em um período de 30 dias, inicia-se um desconto que poderá chegar a 90%, a depender da praça de pedágio.
“O usuário terá uma economia mensal que poderá chegar a 74% em relação à tarifa cheia. Isso varia de praça para praça. Na de Jaú, por exemplo, a tarifa manual é de R$ 9,50 manual. A trigésima passagem paga algo entre R$ 0,70 e R$ 0,80”, afirma Pengue Filho.
Além disso, a base de cálculo das tarifas, segundo a Artesp, é menor que a usada hoje nas praças da Centrovias. Com isso, as tarifas dos pedágios já existentes devem cair 10% na média, o que faz com que lideranças dessa região apoiem a concessão.
“Conseguimos negociar o atendimento de demandas antigas, como uma marginal e alças de acesso para reduzir acidentes. Um dos projetos tem orçamento de R$ 290 milhões e a obra será feita pela concessionária. Além disso, o pedágio vai baixar”, diz o prefeito de Rio Claro, João Teixeira Júnior (DEM).
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