Um descobridor do material citado por Bolsonaro dá singela lição sobre a ciência
Nem mesmo Konstantin Novoselov, um dos descobridores do grafeno, está mais tão interessado no material que lhe rendeu o Prêmio Nobel em Física de 2010. Não porque o feito tenha deixado de ser promissor para novas tecnologias, mas porque a ciência se move por curiosidade e ineditismo.
Eis aí um resumo razoavelmente fiel da entrevista que o pesquisador russo deu a esta Folha. Em 2004, com pouco mais que um bloco de grafite e fita adesiva, mas sem ideia de suas futuras aplicações, ele separou a folha de átomos de carbono que hoje equipa telefones celulares para que não superaqueçam.
“Os cientistas precisam explicar às pessoas que a ciência não traz benefícios no curto prazo, mas no longo prazo ela é absolutamente vital”, diz Novoselov. Seu achado abriu todo um campo de pesquisa com materiais bidimensionais (a camada de grafeno tem só um átomo de espessura), sobretudo no âmbito da eletrônica.
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O físico, que se mudou para Singapura, estuda hoje as propriedades desses outros materiais e de arranjos em que são sobrepostos observando ângulos diferentes, em busca de efeitos físico-químicos impensados e eventualmente úteis. O grafite da descoberta laureada tornou-se coisa menos importante em sua trajetória.
Num vídeo de 2017, o hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) mostra afloramento de grafite no Vale do Ribeira (SP) e diz que a matéria-prima dos lápis é rica em grafeno. Segundo ele, 1 kg de grafite poderia render US$ 15 mil do material.
O então deputado federal pelo PP tratava do assunto para atacar a demarcação de terras indígenas onde há jazidas minerais, obsessão que levou para o Planalto.
Por outro lado, em seu governo o setor de pesquisa passa por estrangulamento financeiro —isso quando não é atacado pelo presidente, como no caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Verdade que a penúria de recursos, fruto do descontrole nos gastos orçamentários em gestões passadas, não atinge só ciência e tecnologia. Mas estas parecem sofrer adicionalmente com o viés anti-intelectual da atual administração.
Assim como nada circula em viadutos que ligam nada a lugar nenhum e ferrovias desprovida de trilhos, sem um entendimento que valorize a inteligência sobre a matéria o grafite não transitará para inimaginadas aplicações de grafeno —e menos ainda de materiais que nem sequer foram inventados.
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