Affonso Celso Pastore, O Estado de S. Paulo
29 de setembro de 2019 | 05h00
Há algum tempo tive a ousadia de classificar como depressão o ciclo econômico que ainda está em desenvolvimento no Brasil. Recebi críticas de (poucos) colegas de profissão. Afinal, dizem eles, depressão é o que ocorreu nos Estados Unidos em 1929. Deveria tê-los recordado de que o ocorrido em 1929 não foi uma depressão qualquer, mas sim “A Grande Depressão”, com o artigo definido “a” sendo usado para afirmar a natureza singular daquele episódio. Uma depressão é uma queda significativa da atividade seguida de uma estagnação, mas para não entrar em disputas em torno de adjetivos eu havia, até aqui, decidido deixar de lado essa discussão.
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Quando olho para o comportamento da produção industrial brasileira, no entanto, somente posso defini-la como uma depressão. Querem saber por quê? Coloquem em um gráfico, na mesma escala, as produções industriais do mundo e do Brasil. Veremos que entre 1990 e 2007 ambas cresciam juntas, a taxas muito parecidas, com uma queda quase igual à da Grande Recessão de 2008/2009, recuperando-se em velocidade próxima até o fim de 2012.
No entanto, em 2013, a produção brasileira perdeu força, literalmente despencando 15 pontos porcentuais entre 2014 e 2016, passando a flutuar daí em diante próximo do “fundo do poço”. Já a produção mundial voltou a crescer persistentemente, e atualmente está 40 pontos porcentuais acima da brasileira.
O que há de errado com a nossa indústria? Durante os governos Lula II e Rousseff o setor foi premiado com uma ajuda sem precedentes. A narrativa dos industriais era de que, com isso, o governo estaria compensando a penalização imposta ao setor pelo Banco Central, que olhando apenas para os rentistas mantinha a taxa de juros muito acima do necessário e, para conter a inflação, deliberadamente valorizava o real. O “pecado” da autoridade monetária justificaria o aumento de seus contatos com o “poder”, ao qual transmitiam seu diagnóstico sobre como consertar as consequências dos desmandos monetários e cambiais.
Assistimos atônitos o ressurgimento do protecionismo; a recriação da falida indústria naval; uma sucessão de renúncias fiscais cujo total sobe a 4% do PIB, dos quais a desoneração da folha de salários direcionada a setores escolhidos é apenas uma faceta; e cresceu o uso do BNDES para financiar a taxas subsidiadas os projetos que iriam “turbinar” o crescimento. Além da carga direta dos subsídios sobre o Orçamento, o governo transferiu ao BNDES, por fora do Orçamento, mais de 8% do PIB. Foram os anos gloriosos da “bolsa empresário”. Em vez de o governo formular um diagnóstico sobre as causas do baixo crescimento, aprendendo com a história dos países bem-sucedidos qual seria o caminho, dobrou-se à visão míope e distorcida dos empresários, para os quais a gestão da economia brasileira é uma coisa muito parecida com a de suas empresas, acreditando que “o que é bom para a minha empresa é bom para o Brasil”. Sabíamos que poderia não dar certo, como de fato não deu.
Mas o passado está morto e acabaram-se os anos de juros altos e de câmbio valorizado. Por muitas razões – domésticas e internacionais –, estamos entrando em um longo período de juros reais baixos e de real persistentemente mais fraco. Se a visão errada de nossos industriais fosse correta, deveríamos iniciar um período de crescimento acelerado da indústria, mas não é isso que se vê à frente. Mesmo considerando as defasagens, que são longas, os quadros – monetário e cambial – benignos já estão conosco há algum tempo – seguramente mais de um ano –, e até agora não há nem sequer um pequeno sinal da esperada recuperação industrial. Segundo, porque o crescimento da indústria é algo muito mais complexo, que requer o aumento da eficiência, e se inicia com a correção de distorções e a exposição do setor à competição.
É bom que as atenções se voltem aos verdadeiros problemas que causaram a depressão à nossa indústria. Um bom começo seria o apoio irrestrito da indústria à aprovação de um verdadeiro IVA, absorvendo todos os impostos – federal, estaduais e municipais – sobre bens e serviços, cobrado no destino e não na origem, decretando a morte das enormes distorções geradas pela guerra fiscal entre Estados. Seria um enorme passo na direção de corrigir distorções que inibem as exportações, além de tirar da nossa frente uma das razões – a carga tributária – frequentemente usadas pelos que se opõem a uma maior abertura comercial, que é fundamental para o crescimento.
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
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