Ugo Giorgetti, O Estado de S.Paulo
29 de setembro de 2019 | 04h00
Pensei em ir ao Pacaembu ver Palmeiras x CSA. Não só pelo jogo, mas para ver o tobogã. Não pude, infelizmente. Nunca fui adepto, muito menos admirador, dessa bizarra construção que tomou o lugar da bela Concha Acústica original, tão cara a mim desde tempos imemoriais. Parece estranha, portanto, minha intenção de ir ao estádio por causa dela. Explico: é que li recentemente que o Pacaembu está privatizado e nas mãos de uma empresa que, talvez por um acaso de fina ironia involuntária, se chama Patrimônio São Paulo!
Como uma das formas de zelar pelo nosso patrimônio, essa empresa se propôs a demolir o tobogã, o que, de fato, não seria má ideia. Nosso patrimônio seria efetivamente respeitado, porém, se no lugar das futuras ruínas do tobogã fosse restaurada a antiga Concha Acústica em toda sua beleza. Isso sim, seria um ganho, no mínimo estético, para a cidade de São Paulo.
As grandes cidades do mundo – o que São Paulo ambiciona ser – sempre privilegiaram a beleza como um de seus atributos. Por mais mercantil que fosse a cidade, nunca se deixou de usar o belo, pelo menos para atestar a pujança e o próprio poderio. Turistas vão até hoje a lugares que foram erigidos com o pensamento voltado para a beleza.
No nosso caso, no entanto, isso não está nas intenções dos novos proprietários do Pacaembu. Em lugar do horrível tobogã vão levantar algo mais feio ainda. O estádio ficará fechado entre a metade de 2020 e a metade de 2022, quando deverá estar pronto. A reforma mais importante é justamente a demolição do tobogã, única parte do estádio possível de ser destruída, já que era ela mesma uma intervenção espúria.
O resto do estádio, felizmente, está protegido por lei e é impossível destruí-lo, pelo menos completamente. A região do tobogã é a que será mais atingida pela reforma. Em seu lugar, como já foi anunciado, teremos um centro de convenções e escritórios para alugar. Há até no Google uma foto com a maquete do empreendimento, mas a rigor não precisava haver. Poderia prever, sem foto alguma, que seria mais um daqueles edifícios cheios de vidro, de branco, e de nada, com vista panorâmica para algum lugar. Nesse caso, para um deserto e abandonado gramado, onde se exibiram nossos mais talentosos artistas durante quase 80 anos.
“Centro de convenções” faz parte desse léxico de palavras vagas, inventadas para rotular atividades vagas e imprecisas. “Aluguel de escritórios” conhecemos o suficiente na cidade, como atestam as placas de “aluga-se”. Não sei se é pela construção do monstrengo, mas por alguma razão a ocupação do estádio, na improvável hipótese de ser usado para futebol, vai cair para 26 mil pessoas. No fundo é a propósito de pessoas que escrevo. É por causa delas que prefiro mil vezes o horrível tobogã ao edifício que vai substituí-lo.
No tobogã ainda se veem pessoas, muito diferentes das que vão ocupar o futuro centro de convenções. As que hoje ainda vejo no tobogã jamais verei de novo. E estou certo de que essa multidão feia e desorganizada é mais rica e próxima da tradição do futebol como foi concebido do que as pessoas sérias, compenetradas, do centro de convenções. Essas também são pessoas, mas de uma categoria que um sociólogo americano, que ninguém lê mais, classificava como “robôs alegres”.
A troca vai favorecer ainda mais o que já acontece praticamente em todos os estádios de São Paulo, isto é, o afastamento obrigatório de todo um público indesejável de ser visto em regiões respeitáveis. Em duas palavras, exclusão social. É isso. Quem quiser ainda ter uma pálida ideia do que era um estádio de futebol na cidade que corra para o Pacaembu e fique de olhos fixos no tobogã, seja qual for o jogo. Terá até meados de 2020 para isso. Depois...
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