Ugo Giorgetti, O Estado de S.Paulo
03 Fevereiro 2019 | 00h00
Nesta terra momentaneamente acometida de insanidade quase generalizada, um homem parece manter seu perfeito juízo e capacidade de raciocinar. Seu nome é Jorge Sampaoli. Esta semana, inquirido por alguém revestido da autoridade de jornalista sobre se estava pretendendo revolucionar o futebol brasileiro, o treinador do Santos, depois de se recuperar do impacto da inacreditável pergunta, respondeu mais ou menos o seguinte: "Não quero revolucionar o futebol brasileiro, nem tenho capacidade para isso. Quero apenas ajudar o Santos a jogar bom futebol".
Sampaoli certamente foi o primeiro a se espantar com a possibilidade de, após quatro jogos, ser ungido a líder de uma revolução destinada a modificar o futebol cinco vezes campeão do mundo. Essa pergunta jamais teria sido feita a qualquer treinador nativo, nem por brincadeira. Técnicos como Fernando Diniz, por algumas vezes, empregaram seriamente métodos que poderiam ser chamados de revolucionários, às vezes com êxito, outras nem tanto, mas de qualquer maneira sua tentativa de inovar era evidente por si mesma. E nunca ouvi falar de alguém que sequer supusesse que Diniz pudesse revolucionar qualquer coisa.
Sampaoli deve ter ficado também bastante espantado com a capacidade que têm os brasileiros de imediatamente reconhecer a supremacia de um estrangeiro e colocar-se sob sua tutela sem pestanejar. Sem nem sequer cogitar de esperar um mínimo de tempo necessário para que se concretizem ou não as primeiras impressões.
Não é bem assim. Os torcedores que neste momento reverenciam Sampaoli, na verdade estão reverenciando a vitória. O brasileiro é um enlouquecido pela vitória. É um empolgado pelo êxito e, às vezes, esquece quem o proporcionou. O encanto não é com o futebol bem jogado, que parece milagroso, é com a vitória. Esse mesmo futebol vistoso e bem jogado se não ganhar passa a ser cobrado e não exaltado.
Diniz, para voltar a ele, sofreu profundamente essa situação. Nos primeiros dias de Athetico-PR foi exaltado e venerado com toda justiça. Só se falava nele. Os próprios jogadores estavam encantados com seus métodos. Vi um jogador inteligente como Paulo André falar em entrevista que nunca tinha visto aquilo e que o treino tinha alguma coisa de brincadeira, mas uma brincadeira que dava certo. Tudo correu maravilhosamente durante o Paranaense. Mas não no Brasileirão.
Bastou uma sucessão de derrotas para que toda a beleza do novo jogo implantado fosse esquecida. Depois de crise com a torcida, que exigia não beleza, não modernidade, mas vitórias, Diniz saiu do clube. Hoje está no Flu, onde espero que não abandone seus métodos e insista em jogar o verdadeiro futebol brasileiro, cheio de passes audaciosos e jogadas inesperadas.
Não faço esse comentário como uma previsão do que pode acontecer com Sampaoli. Creio até que, treinador rodado, que conhece o mundo e como são os clubes, no fundo todos iguais, deve saber como agir nessa situação. Ficaria admirado se ainda caísse no encanto de ver seguidores pelas ruas de Santos, câmeras em punho, registrando suas atividades no cotidiano da cidade.
Se tiver algo da decantada malandragem argentina, deve estar de olho bem aberto. Tem alguma vantagem em relação a treinadores como Fernando Diniz. É o desconto que se dá a estrangeiros e nossa tradicional tolerância e admiração gratuita por eles. Mas é só. Tenho por Sampaoli a mesma admiração que tenho por aventureiros da bola. Sempre me agradou quem não se esconde atrás de prudência opaca e se vale de resultados magros para manter o cargo. Não parece ser esse o caráter de Sampaoli, mas o de alguém a quem agrada viver perigosamente.
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