quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Obras em Guarulhos transformam aeroporto para receber 75 milhões de passageiros, FSP

 Fábio Pescarini

São Paulo

Quem embarcar neste fim de ano pelo aeroporto de Guarulhos poderá observar da janelinha do avião algo além de aeronaves e carrinhos de serviço do lado de fora. Grandes colunas de concreto saltam aos olhos junto ao terminal 3, a ala internacional.

Com previsão de inauguração para daqui a um ano, essas estruturas são a base de um novo terminal internacional, chamado de T3B.

Quando pronto, o local, com 33 mil m², contará, entre outros, com mais 14 pontes de embarque —atualmente, a ala para partidas ao exterior conta com 50 desses "fingers", como são conhecidos.

O novo terminal internacional ficará visualmente diferente do vizinho atual, finalizado em 2014. A estrutura não será toda envidraçada como o que já existe.

Ele está sendo construído colado à nova sala VIP da companhia aérea Latam. Considerada a maior da América Latina, com 4.700 m² de área, deverá estar pronta depois do T3B. Apesar de serem próximas, as estruturas são independentes.

Com a ampliação, o terminal 2, atualmente usado de forma híbrida, com embarques domésticos e internacionais, será apenas para voos nacionais.

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Ainda para o próximo ano, a sala de embarque do terminal 2 será aumentada em 1.500 m². A estimativa é que essa etapa, em estado adiantado de obras, seja concluída ainda no primeiro semestre de 2026.

A ampliação do aeroporto, que conta ainda com intervenções no acesso às pistas de pouso e decolagens para melhorar a eficiência, fica pronta até 2029 e tem projeto desenvolvido com Ministério de Portos e Aeroportos e Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Será construída ainda uma nova estrutura no terminal 2, com mais dez pontes de embarque, com entrega prevista até dezembro de 2028.

Várias pessoas com malas passam pelas catracas na área de embarque doméstico de um aeroporto. Placas amarelas e brancas indicam 'Embarque doméstico / Domestic departure'. O ambiente é interno, com piso de mármore e iluminação artificial.
Embarque doméstico do terminal termina 2-D;local está sendo ampliado e tem reformas estruturais - Rubens Cavallari/Folhapress

A estimativa é que quando toda a reformulação estiver concluída, a capacidade passe de pouco mais de 50 milhões para 75 milhões de passageiros ao ano —o aeroporto é considerado a maior área de entrada e saída aérea do país.

Assim, mesmo atualmente com alguns espaços ociosos fora dos horários de pico na grade de pousos e decolagens para serem preenchidos (o limite é de 60 operações por hora), Cumbica caminha para ficar saturado sem a ampliação.

Este ano são esperados o embarque e o desembarque de 47 milhões de pessoas, cerca de 3,5 milhões a mais que os 43,6 milhões de usuários de 2024, recorde nos 40 anos de história do aeroporto inaugurado em 20 de janeiro de 1985.

"O crescimento é iminente, está acontecendo", diz Osvaldo Garcia, 61, presidente da concessionária GRU Airport, responsável pela gestão do aeroporto, que no último dia 26 de novembro recebeu a reportagem para uma caminhada junto aos canteiros de obras.

O executivo cita o maior movimento de passageiros em um dia, registrado em 17 de julho passado, quando 152 mil viajantes circularam pelo aeroporto da região metropolitana de São Paulo, considerado o maior do país.

O investimento estimado em quatro anos é de R$ 2,5 bilhões e engloba também retrofits e adequações.

Se não atentar aos tapumes coloridos com aviso de obras, o passageiro talvez não perceba as intervenções, principalmente no terminal 2.

Apesar de a visita da Folha ao local ter sido no meio da tarde de uma quarta-feira, horário em que o movimento costuma ser menor, a sala de embarque do terminal 2 estava cheia.

Havia portões fechados exatamente por causa das mudanças que estão sendo feitas de dentro para fora —a distância de aproximadamente sete metros a mais de profundidade de piso reduziu o tamanho das pontes de embarque na frente, mas ampliou o ambiente interno.

Em forma de U, essa sala de embarque fica junto aos pátios 2 e 3 de aeronaves.

Ainda na parte interna, esteiras de bagagens estão sendo remanejadas visando a criação de espaço no terminal remoto, para melhorar a logística de quem é levado de ônibus dos aviões para conexões.

Houve troca de luminárias, eliminando o ar de penumbra dos saguões, e reforma nos pisos, além do forro do teto. Tudo isso dá sensação de conforto.

"Esse investimento conjunto significa não apenas ampliar esse terminal [aeroportuário], mas investir na infraestrutura aeroportuária brasileira", diz o ministro Silvio Costa Filho, de Portos e Aeroportos, em nota enviada à Folha. "Cada melhoria em infraestrutura, tecnologia e capacidade operacional em Guarulhos significa mais competitividade, empregos, turismo e oportunidades para o Brasil inteiro."

Mais do que um banho de loja, as reformas também buscam reverter recentes indicadores de qualidade da Anac, que avalia os serviços de aeroportos concedidos à iniciativa privada. Os de Guarulhos fecharam no negativo nos últimos dois anos.

Em junho de 2024, inclusive, a agência chegou a proibir o aeroporto de aumentar a frequência de voos por causa de falhas estruturais. Na época, a concessionária afirmou que a punição era desproporcional.

Por outro lado, pesquisa Datafolha mostrou que no mês anterior ele era o mais bem avaliado entre os entrevistados.

Entre as principais reclamações dos usuários estão os banheiros. Mas, segundo Garcia, 40 deles já foram reformados.

Outro gargalo são os estacionamentos —no período de festas de fim de ano em 2024, falta de lugar para deixar o carro foi reclamação comum de quem ia buscar passageiros que chegavam de viagem ou para levar os que partiriam, com longas filas e congestionamentos. Um novo edifício-garagem está previsto para o terminal 3 e estuda-se a construção de outro junto ao 2, porém, apenas até 2029.

O lugar onde quem desembarca dos aviões pega carros de aplicativos também vai mudar até o fim do projeto. Um hotel será construído junto ao terminal 3.

"Isso aqui é uma cidade. São 130 mil passageiros por dia, há 32 mil colaboradores e outros 20 mil vêm trazer e levar gente daqui. O principal desafio é prestar serviço para essas pessoas todas", afirma o presidente.

Para os pilotos, há obras junto às duas pistas (de 3.700 m e 3.000 m). Uma delas prevê um "atalho" para que os aviões que pousam na menor cheguem aos pátios das aeronaves sem cruzar a principal, como ocorre hoje e, consequentemente, paralisam as operações até a passagem. Isso deve melhorar a dinâmica das decolagens.

Flávio fez movimento isolado, e PP se sente liberado para outra candidatura, diz líder do partido, FSP

 Raphael Di Cunto

Brasília

Líder do PP na Câmara, o deputado doutor Luizinho Teixeira (RJ) afirma que seu partido se sentiu livre para construir uma candidatura presidencial de centro-direita, desvinculada dos Bolsonaros, quando o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) resolveu se lançar candidato à Presidência sem falar com as demais legendas.

"Neste momento, a federação [com o União Brasil] se sente liberada para fazer o movimento que ela quiser, porque o PL fez o movimento dele isolado", disse ele em entrevista à Folha, ao destacar que Flávio terá mais dificuldades por causa da rejeição maior ligada à família.

Homem de terno escuro e gravata azul fala gesticulando com as mãos em ambiente com parede de madeira ao fundo. Placa com texto parcialmente legível está pendurada atrás dele.
Líder do Progressistas na Câmara, dr. Luizinho afirma que segurança pública pautará a eleição de 2026 - Pedro Ladeira/Folhapress

Luizinho afirma que o PP está hoje dividido entre os que querem apoiar o presidente Lula (PT), os que querem lançar um candidato de direita e os que preferem a independência, parcela essa que seria a majoritária. "Nossa prioridade é eleger deputado e senador. A gente vai olhar qual é o melhor projeto para isso", afirma.

Na opinião dele, Flávio pode até recuar da candidatura em junho ou julho, mas será tarde para construir um projeto nacional único, porque os palanques regionais já estarão resolvidos.

Líder de um bloco com 275 deputados que reúne os partidos de centro e centro-direita, o deputado afirma também que o grupo será o fiel da balança nas votações e defende medidas de contenção do STF (Supremo Tribunal Federal). "As pessoas aprenderam a usar o Judiciário para intimidar o Parlamento."

O sr. é o líder do novo bloco formado por Hugo Motta, sem o PL e sem o PT. Qual é o papel desse bloco majoritário? É um bloco de apoio ao presidente [da Câmara] Hugo Motta, que a cada votação vai delineando para onde vai a Casa. Se esses 275 votos estiverem com o governo, o governo é vencedor. Se estiverem com a oposição, a oposição é vencedora.

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Esse bloco vai construir a reeleição de Motta? A gestão dele tem sido contestada. A eleição é construída no dia a dia, mas ele é o candidato natural do nosso bloco. Ele sofre por ser um presidente de consenso em um país polarizado. Quando atende a pauta do governo, a oposição execra. Quando atende a oposição, o governo é que execra. Mas tem o mérito de enfrentar todos os temas.

O PP apoiará a candidatura do Flávio? O PP, junto com o União Brasil, participava da construção de uma candidatura de centro-direita. A partir do momento em que Flávio Bolsonaro puxa a candidatura dele por uma decisão familiar e impõe para a direita, todo mundo que é de centro e centro-direita está livre. Nossa prioridade é eleger deputado e senador. A gente vai olhar qual é o melhor projeto para isso. E precisa apresentar um projeto de país.

Não basta ter um sobrenome. Não basta. Tenho relação pessoal com o senador, mas uma candidatura presidencial envolve apoio político, chamar todo mundo para participar, definir qual é o projeto. Neste momento, a federação se sente liberada para fazer o movimento que ela quiser, porque o PL fez o movimento dele isolado. No PP, muitos no Nordeste querem apoiar o presidente Lula. Muitos querem o candidato de direita, e muitos querem ficar independentes porque cada estado faz seu arranjo.

Qual ala tem mais peso? A da independência. É 50%. 25% querem caminhar com Lula e 25% com a candidatura de direita, seja ela qual for, até o Flávio. A tendência maior é para a centro-direita, pelo perfil do presidente [do PP] Ciro [Nogueira]. Mas, a partir do momento em que ele não pleiteia mais ser candidato a vice-presidente, deixa o partido numa outra configuração.

Qual seria o candidato de centro-direita alternativo? O presidente do PP, Ciro Nogueira, falou recentemente nos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ratinho Júnior (PSD-PR). Tem o Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), que é da federação. Esses três nomes têm viabilidade eleitoral. O Ratinho e o Tarcísio têm mais porque são governadores de estados maiores. A gente precisa entender quais nomes surgirão. E aí avaliar se vale a pena para o partido dar apoio ao candidato ou liberar nos estados como forma de trazer mais parlamentares.

Qual é a viabilidade eleitoral de Flávio? O que vai impactar é a rejeição. Ele já sai com uma rejeição muito alta, tem mais dificuldade de conquistar o eleitor de centro do que o Tarcísio e o Ratinho. O Eduardo nos Estados Unidos fez com que a população brasileira visse uma movimentação dele contra o país, e cresceu a rejeição à família Bolsonaro. Mas a eleição deixou de ser uma maratona para ser uma corrida de cem metros, então pequenas coisas mudam uma eleição. Pode ser que o Flávio, como não é o pai, consiga diminuir essa rejeição. O que acho é que a forma não foi a melhor de construir uma candidatura.

Aprovar o projeto de redução de penas foi uma forma de o centrão fazer Flávio recuar? Foi decisão do presidente Hugo, porque ele está com o sentimento de encerrar os problemas postos em 2025. Posso garantir que não houve, por parte dos partidos aliados, um pedido desse, com o objetivo de demover o Flávio.

Mas a consequência pode ser a de ele retirar a candidatura? Não acho. Não acho. Acho que é o contrário. O Flávio fez uma fala ruim [de sua candidatura "ter um preço"], e agora ele mesmo está refém do que falou, não vai poder abrir mão tão cedo. Se ele for rever a posição, isso vai ser em junho, julho. Acho que hoje ele é candidato de verdade, porque é um sentimento da família de querer manter o nome ativo.

Esse prazo atrapalha a construção de outra candidatura presidencial? Se lá na frente ele desistir, ele comprimiu esse tempo para que a eleição presidencial seja a construção principal. Em janeiro vai todo mundo para o estado organizar a base. Quando a gente voltar para cá [em fevereiro], a eleição estadual já está organizada, com os acordos feitos com nossos candidatos a governador e ao Senado, e isso vai impactar nas coligações nacionais. "Olha, mas eu já construí lá. Agora vamos fazer uma aliança que vai ser contra a minha aliança estadual? Como isso vai se dar?"

Falta ao Ratinho se apresentar mais para a disputa? Eu tenho essa visão. Se ele quer ser candidato, precisa participar mais da política em Brasília. O Tarcísio sai de uma vantagem porque foi ministro, todo mundo com mandato conheceu ele. Política é relação de confiança.

Uma candidatura de direita sem Bolsonaro não acabará como Geraldo Alckmin em 2018, que teve o apoio de vocês e 4,7% dos votos? Quero esclarecer que não estou participando da construção de nenhum projeto presidencial. Minha função é liderar a bancada, ajudar a estabilizar o país e votar os temas, o que me faz ter uma relação estreita com o governo e de super respeito com o presidente Lula. Se eu estivesse construindo candidatura presidencial, o nosso bloco seria de oposição, o que não é. Só que a gente tem posição clara sobre alguns temas, como foi na derrubada da MP [medida provisória] dos impostos, e às vezes o governo não acredita.

A segurança pública será a pauta para derrotar o governo Lula na eleição? O governo Lula está dando essa bandeira para a direita. Sou do Rio de Janeiro, a gente vive um medo constante. Mas a população estará com essa preocupação em todo o Brasil. O governo não captou isso. Talvez o Ministério da Segurança Pública seja mais importante hoje que o Ministério da Defesa, para tratar esse assunto de uma forma diferente.

A ARTE DE DIZER OLÁ , Alexandre Marcos Pereira - in APMP

 É aparentemente ingênua a hipótese de que cumprimentar as pessoas  aumenta a longevidade — como se a receita para viver mais tempo coubesse em meia dúzia de sílabas pronunciadas de passagem. Mas, à medida que a ciência avança sobre os efeitos da solidão, da vida urbana e da fragmentação dos laços sociais, essa suspeita vai deixando de parecer fofura de autoajuda e começa a ganhar contornos de tese respeitável: talvez os pequenos rituais de saudação sejam uma espécie de “vitamina social” diária, tão discreta quanto decisiva. Cumprimentar alguém é um gesto tão banal que geralmente passa despercebido. Uma palavra curta, um aceno com a cabeça, um sorriso fugaz no corredor. Mas, sociologicamente, o cumprimento é um ritual de confirmação: ao dizer “olá” a alguém, você está, essencialmente, reconhecendo que o outro existe e importa minimamente. Erving Goffman, o grande analista da vida cotidiana, diria que o cumprimento funciona como um pequeno contrato: • eu reconheço que você está aqui; • você reconhece que eu estou aqui; • e, por alguns segundos, suspende-se o anonimato indiferente do mundo. É pouca coisa? Para o cérebro, não. O cérebro é um órgão obcecado por sinais de pertença. Ele mede o tempo todo, com delicadeza paranoica, se estamos incluídos ou excluídos, se somos bem-vindos ou rejeitados. Um simples “bom dia” no elevador comunica, em linguagem microscópica, que você não é um fantasma social. Nas últimas décadas, pesquisas em saúde pública vêm repetindo, com métodos cada vez mais sofisticados, uma constatação desconfortável: solidão mata. Não em sentido metafórico apenas – mas literalmente. A ausência de vínculos consistentes se associa a maior risco de doenças cardiovasculares, depressão, demência, imunidade comprometida e, em última instância, mortalidade precoce. Se o cigarro foi o grande vilão do século XX, a solidão aparece como forte candidata a vilã silenciosa do século XXI. Não se trata apenas de viver “sozinho” no sentido físico, mas de viver não visto. De atravessar dias, semanas, meses sendo, no máximo, um CPF na fila, um número de protocolo, um usuário em mais uma base de dados. Nesse cenário, as saudações – esses olás, hellos, bonjours, holas, ni haos – podem parecer quase ridículas. Mas são, na verdade, fissuras na muralha da invisibilidade. Elas não resolvem tudo, evidentemente; não substituem amizade, intimidade, cuidado, amor. Mas são porta de entrada para tudo isso. Nenhuma grande história de afeto começa com um silêncio constrangido no corredor: quase sempre, começa com um “oi”. Do ponto de vista biológico, o corpo responde ao mundo social em tempo real. Interagir minimamente com outros seres humanos pode: • reduzir níveis de cortisol (o hormônio do estresse); • ativar circuitos de recompensa associados à dopamina; • modular o sistema nervoso parassimpático, ajudando o organismo a sair do estado de alerta permanente. Não está em jogo apenas a conversa longa no bar ou o jantar de três horas; microinterações contam. Trocar duas frases na fila do café, comentar o tempo com o vizinho, agradecer e olhar nos olhos do motorista do ônibus — todas essas pequenas cenas enviam ao cérebro a mensagem: “você não está sozinho no deserto”. É claro que nenhum cientista sério vai dizer que basta repetir “hello” cinco vezes ao dia para ganhar dez anos de vida. Mas o que a pesquisa sugere, cada vez com mais clareza, é que pessoas com redes sociais mais ativas — mesmo que formadas por laços fracos, como conhecidos e vizinhos — têm, em média, melhores desfechos de saúde do que aquelas isoladas. E o cumprimento é o átomo mínimo dessa rede: a unidade básica do vínculo. A sociologia gosta de distinguir entre laços fortes (família, amigos íntimos, parceiros amorosos) e laços fracos (colegas de trabalho, vizinhos, conhecidos do café, a balconista da padaria). À primeira vista, os laços fortes parecem ser os únicos realmente importantes. Mas, na prática, são os laços fracos que costuram o tecido do cotidiano. Eles fazem a diferença entre: • viver na mesma cidade que milhares de estranhos indiferentes; • ou viver em uma comunidade com rostos familiares, mesmo que você não saiba o nome de todos. O “olá” que se troca com o porteiro, o “hola” com o atendente do mercadinho, o “bonjour” com a colega de corredor que você só vê no café… tudo isso constitui uma rede de reconhecimento difuso que amortece a solidão. Do ponto de vista da longevidade, isso é crucial. Porque a vida não se sustenta apenas em grandes acontecimentos; ela se apoia na regularidade dos pequenos rituais. E, entre esses rituais, o cumprimento é um dos mais antigos e universais. Talvez, sem perceber, os cientistas estejam apenas reencontrando, com linguagem estatística e gráficos, uma sabedoria intuitiva das culturas tradicionais: quem é visto, cumprimentado, inserido num círculo de rostos conhecidos, tende a viver melhor — e, muitas vezes, mais. É curioso notar como, apesar das diferenças culturais, praticamente todas as línguas desenvolveram formas de saudação resistentes ao tempo: • Olá (de “olá”, chamando a atenção, quase um “ei, você aí” domesticado); • Hello (com sua história ligada a formas antigas de chamar o outro à escuta); • Bonjour (“bom dia” – um desejo explícito de que o outro tenha um dia bom); • Hola (curta, direta, quase uma interjeição de presença); • Ni hao (“você bem?”), que, mais que cumprimentar, pergunta pelo bemestar. Todas essas fórmulas, apesar da enorme diversidade cultural, orbitam a mesma ideia central: eu reconheço você e te dirijo a palavra. Do ponto de vista da longevidade, pouco importa a língua específica. O que interessa é o mecanismo comum: o cérebro humano, em Pequim ou em Ribeirão Preto, reage com alívio quando percebe sinais de inclusão mínima. O “ni hao” carregado de séculos de tradição confuciana e o “olá” apressado num hall de prédio moderno cumprem funções semelhantes: afastar os fantasmas da exclusão. A vida nas grandes cidades, porém, veio embaralhar esse repertório ancestral. Por um lado, estamos cercados de gente como nunca antes na história. Por outro, raramente nos sentimos tão sozinhos. Há uma espécie de epidemia de anonimato: você pode dividir o vagão do metrô com cem pessoas e, ainda assim, atravessar todo o trajeto sem uma única troca de olhares ou palavras. As telas reforçam essa ambivalência. Passamos horas trocando mensagens, reagindo com emojis, curtindo fotos, e isso cria uma sensação de conexão constante. Mas uma coisa é o “oi” digitado mecanicamente numa janela de chat; outra, muito distinta, é o “olá” pronunciado com voz, entonação, expressão facial, a presença física inteira engajada no ato. Para o cérebro e para o corpo, esse detalhe importa. O contato presencial mobiliza todo um conjunto de sinais não verbais — sorriso, postura, tom — que os pixels simplesmente não conseguem reproduzir integralmente. Não se trata de demonizar o digital, mas de reconhecer que o capital social presencial ainda tem um peso imenso na saúde e na longevidade. Talvez o risco do século XXI não seja apenas viver cercado de estranhos, mas acostumar-se tanto às interações mediadas que se perca o hábito de dizer “olá” para quem está, literalmente, ao nosso lado. Pensar o cumprimento como questão de longevidade é, no fundo, pensar o cotidiano como uma espécie de política de baixo para cima. Há grandes políticas públicas de saúde – vacinação, saneamento, hospitais – sem as quais não há sociedade minimamente decente. Mas existe também uma micro-política do cuidado que se desenrola no plano dos gestos mínimos. Dizer “bom dia” não substitui um sistema de saúde competente, mas colabora para um ambiente social menos hostil. E ambientes menos hostis reduzem o nível basal de estresse, o que, em larga escala, significa menos pressão arterial explodindo, menos infartos, menos AVCs, menos depressão. Venho de dois ACVc seguidos. Minha competente neurologista, Dra. Soraia, diretora do Instituto do AVC de Ribeirão Preto, vaticinou que pelo estilo de vida sedentário, alimentação, fatores clínicos e hereditários tenho uma probabilidade de 50% de ter um terceiro AVC, que teria sequelas mais graves e até letais do que os dois anteriores. Premido pelas circunstâncias, tenho mudado alguns hábitos. Cumprimentar as pessoas é a parte fácil de ser um new Alexandre. É claro que isso não se mede facilmente em gráficos: não há banco de dados com o número de “olás” que um bairro troca por dia. Mas é difícil duvidar de que um condomínio em que os vizinhos se cumprimentam, ainda que sem grandes intimidades, seja psicologicamente mais saudável do que um edifício silencioso, onde todos se evitam como se promovessem uma quarentena emocional permanente. Nesse sentido, dizer “hello” é um ato político, ainda que minúsculo: uma recusa a transformar todos em estranhos totais. É verdade que, em muitos contextos, o cumprimento virou apenas formalidade. O “tudo bem?” que não espera resposta, o “bom dia” automático na reunião de trabalho, as fórmulas repetidas em tom burocrático. Há quem veja nisso mera hipocrisia social e conclua que seria melhor abolir a fachada educada e assumir a indiferença. Mas essa leitura é, talvez, injusta. Mesmo quando roteirizado, o ritual carrega um potencial de humanidade. Não é preciso que cada “olá” venha acompanhado de uma explosão de sinceridade. Basta que não seja um gesto de desprezo. A etiqueta pode funcionar como a casca que protege o núcleo de algo mais profundo: a disposição de não tratar o outro como inexistente. O desafio, então, é habitar esses rituais com um mínimo de presença. Dizer “bonjour” ao colega francês ou “hola” ao amigo hispanofalante não como quem aciona um botão de software, mas como quem realmente abre um microespaço de encontro — por breve que seja. Quando se diz que “os cientistas desconfiam” que falar olá, hello, bonjour, hola e ni hao pode ajudar na longevidade, cabe ler essa frase em duas camadas: 1. Camada empírica: pesquisas mostram, com crescente robustez, que pessoas socialmente conectadas vivem, em média, mais e melhor. Cumprimentos são um dos tijolos dessa arquitetura. 2. Camada simbólica: viver mais não é apenas acumular anos no calendário; é prolongar o tempo em que faz sentido levantar da cama, atravessar a rua, olhar nos olhos de alguém e, por um instante, fazer parte de uma trama de histórias. Se a ciência está certa em desconfiar, então o convite é simples e, ao mesmo tempo, exigente: não economizar cumprimentos. Não é sair distribuindo intimidade forçada, mas aproveitar as oportunidades óbvias — o porteiro, o colega de corredor, a balconista, o vizinho do ônibus, a senhora que espera ao seu lado na f ila. Cada “olá” é, ao mesmo tempo, uma afirmação de que o outro existe e uma lembrança sutil de que você também existe para alguém, ainda que por poucos segundos. Se isso vale ou não alguns meses a mais de vida, os estudos seguirão debatendo. Mas, mesmo que não rendesse um único dia a mais no calendário, já seria muito: renderia dias menos vazios. Talvez, quando olharmos para trás, daqui a algumas décadas, a hipótese científica se consolide: comunidades onde as pessoas se cumprimentam mais tendem a ser mais longevas, menos doentes, menos desesperadas. Talvez não. A ciência é paciente; ela corrige, refina, às vezes desmente suas próprias apostas. Mas há algo que não depende de estatística: a experiência imediata de ser reconhecido. Aquele instante em que alguém cruza os olhos com os seus e diz, com qualquer sotaque, em qualquer língua: “Eu sei que você está aqui. Eu estou vendo você.” Se isso pode, de fato, prolongar a vida, é plausível que os cientistas queiram medir. Nós, enquanto isso, podemos simplesmente viver essa hipótese — multiplicando olás, hellos, bonjours, holas e ni haos pelo caminho. No pior cenário, teremos apenas deixado o mundo um pouco menos frio. No melhor, teremos descoberto que a chave da longevidade começa, discretamente, em algo tão simples quanto abrir a boca e  e, com um sorriso, dizer: “olá”.