quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Deirdre Nansen McCloskey - Keynes ainda está errado, FSP

 John Maynard Keynes (1883-1946) rima, em inglês, com "brains" (inteligência) e "reigns" (reina). Ele ainda reina.

economia keynesiana está fundamentada em duas premissas.

Uma é o "estagnacionismo", baseada numa teoria econômica do balão —essa teoria prega que as pessoas devem continuar a inflar o balão com gastos ou então ele cairá.

O discurso de jornalistas e de muitos economistas hoje em dia é o de que "o consumo é a maior parte do PIB e, portanto, qualquer gasto expande a economia". É o "gaste ou morra", uma versão das versões mais técnicas da macroeconomia keynesiana.

Equivale à velha afirmação de que os gastos com luxo pelo menos empregam trabalhadores. Até Adam Smith (1723-1790) a utilizou em um de seus dois usos muito diferentes em seus textos publicados com a frase "a mão invisível".

O economista John Maynard Keynes (1883-1946)
O economista John Maynard Keynes (1883-1946) - Reprodução

A outra premissa keynesiana é a de que os economistas sabem mais e, portanto, devem ser recrutados para evitar a estagnação. Os keynesianos são pessimistas.

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Uma forma antiga e muito popular de estagnacionismo é a que afirma que a fruta mais fácil de colher já foi colhida e, portanto, progressos futuros serão muito, muito difíceis de alcançar.

Keynes acreditava, como muitos economistas até hoje ainda acreditam, que os retornos estáticos decrescentes, que de fato ocorrem, se aplicam também às inovações, o que não é verdade.

Ainda em 2013, o economista norte-americano Tyler Cowen anunciou que "a média acabou"; em 2016, o também economista norte-americano Robert Gordon lamentou o fim da inovação. O pessimismo vende.

Os keynesianos afirmam que podem ajustar a economia porque conhecem o futuro no nível macro e também no nível micro.

Em 1946, a keynesiana Joan Robinson (1903-1983) afirmou que, "quando é preciso fazer adaptações em larga escala, o controle central é muito mais flexível do que a iniciativa privada".[1]

Estranho que ela não tenha entrado no mundo dos negócios, lucrando com seu incrível conhecimento de flexibilidade.

Vamos trazer macromanipulações e microrregulamentações para nos salvarmos dos horrores da estagnação e da desorganização, disseram os keynesianos.

A maioria dos economistas em 1946 presumiu, por exemplo, que sem a sua engenharia social a Grande Depressão recomeçaria. Afinal, os soldados estavam voltando para casa aos milhões e iriam ficar desempregados. Entretanto isso não aconteceu, nem de perto.

A teoria do balão e o ajuste fino, portanto, são factualmente equivocados.

Vamos parar de acreditar na inteligência de Keynes.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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[1] Joan Robinson, "Obstacles to Full Employment" (1946), in Id, Contributions to Modern Economics. New York: Academic Press, 1978, p. 27.

Quem se lembra do Enéas?, Elio Gaspari, FSP

 Desde 1959, quando o rinoceronte Cacareco teve 100 mil votos para uma cadeira de vereador na eleição municipal de São Paulo, os candidatos pitorescos ganharam um espaço inédito. Só na noite de 6 de outubro se saberá se ganharam peso político. As pesquisas de outros estados mostram o contrário. Na vida real, a baixaria é alimentada por dois candidatos, só em São Paulo. No Rio, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte e nas outras capitais, a campanha vai bem, obrigado.

Depois de Cacareco, vieram fenômenos como Enéas Carneiro e o comediante Tiririca. Enéas disputou três vezes a Presidência da República e chegou a conseguir 1,4 milhão de votos. Em 2002, elegeu-se deputado federal por São Paulo com a maior votação da época, 1,6 milhão de votos. Reelegeu-se em 2006 e morreu no ano seguinte. Tiririca elegeu-se deputado federal por São Paulo em 2010, também como o mais votado (1,3 milhão de votos), e está até hoje na Câmara.

homem careca de farta barba preta, bigode preto e óculo preto
Enéas Carneiro na campanha presidencial de 1998 - Rosane Marinho - 1998/Folhapress

Cacareco morreu no zoológico em 1962. O quadrúpede passou pela vida pública sem deixar vestígios. Seus similares também. Ganha um archote para produzir uma queimada quem souber das contribuições de Enéas e Tiririca para a vida do país. Representaram um desconforto dos eleitores, nada mais que isso. Ninguém votou em Cacareco, Enéas ou Tiririca esperando alguma coisa. Afinal, o voto é obrigatório. Se não fosse, esse eleitor ficaria em casa.

Um cidadão que acompanhou por dez anos a Operação Lava Jato e viu seu funeral melancólico tem razões para não acreditar em coisa nenhuma. Outra coisa é entregar a administração de sua cidade ao produto de uma vaia. Os candidatos pitorescos vestem-se com mantos radicais para nada. Fanáticos sem causa, são asteriscos que acabam esquecidos.

Tudo isso pode fazer sentido, mas falta incluir no quadro o fenômeno Jair Bolsonaro, saído da avalanche eleitoral de 2018. Seu filho Eduardo quebrou o recorde de Enéas, elegendo-se para a Câmara com 1,8 milhão de votos. Quatro anos depois, quando o pai disputava a reeleição, teve menos da metade de eleitores.

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A eleição de 2018 foi única e ainda reverbera. Lula, o principal candidato, estava na cadeia, trancado por decisão do Supremo Tribunal Federal, soprada pelo comandante do Exército. Poucos países passaram por experiências semelhantes.

A maré conservadora e antipetista elegeu os Bolsonaro. No Rio, o anônimo juiz Wilson Witzel capturou o governo do estado e foi deposto em 2021. O Supremo soltou Lula, os generais voltaram aos quartéis e, no Rio, o candidato de Bolsonaro, sem a plumagem dos pitorescos, patina.

As pesquisas dos próximos dias dirão qual foi o efeito da cadeirada de domingo no debate da TV Cultura e, na noite de 6 de outubro, virá o juízo final. O candidato Pablo Marçal é qualificado como "influenciador". Trata-se de um vago anglicismo. Na mesma noite, se saberá se existe bolsonarismo, ou se ele é um vagão atrelado a um locomotiva conservadora.

O protesto encarnado por Cacareco era muito mais inteligente. O rinoceronte nunca disse besteira nem foi a debates. Para quem está a fim de jogar o voto fora, limitando-se a mostrar seu desconforto, aqui vão duas sugestões de candidaturas, de animais que alegram o Zoológico de São Paulo:

1 - Pepe é um chimpanzé, maior de idade.
2 - Sininho é uma fêmea de hipopótamo, filha da falecida Tetéia, a decana do pedaço.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Alvaro Costa e Silva - O circo das cadeiradas, FSP

 O chamado antissistema é o próprio sistema em ação. É a maneira de fazer política que conquista eleitores pelo menos de uns 30 anos para cá, oficializando governos liderados por comediantes que se valem da sedução da cultura de massa. Com o avanço das redes sociais, o esquema se fortaleceu: personalidades inventadas, mitos forjados, eventos falsos, mentira passando por informação verdadeira. Circo sem pão.

Ao chamar Datena de "arregão" no debate, Marçal ganhou a cadeirada ao vivo. Cena típica dos mais apelativos programas de auditório. Não por acaso, o apresentador Ratinho convidou os dois para brigarem diante de suas câmeras: "Pode meter o braço".

O candidato provocador agradece a agressão, pois a baixaria o põe de novo na berlinda. Discute-se se o coach é um Bolsonaro reboot, que avança na mesma faixa de votos e ameaça jogar o capitão definitivamente para a reserva. Ou se é um Celso Russomanno reciclado, que vai perdendo gás ao longo da disputa.

Marçal, ao contrário do que se acredita, é bem tradicional em intenções e gestos. Sua campanha expõe dois pilares da política brasileira. O primeiro é o descumprimento sistemático da lei eleitoral. O segundo é a suspeita cada vez mais forte da penetração do crime organizado nas estruturas do Estado.

Para ficar em só exemplo, e dos mais comuns: os repórteres Aline Ribeiro e Rafael Soares mostraram que um candidato a vereador de Nilópolis, na Baixada Fluminense —que nas redes postava vídeos dizendo ter o sonho de ver as pessoas conversando em frente ao portão de casa sem serem assaltadas— foi condenado a mais de sete anos de prisão por integrar uma milícia.

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Com 14% da população vizinha de organizações criminosas, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é escancarada a interferência de facções como PCC e Comando Vermelho nas eleições municipais. As cidades com mais casos de atentados e assassinatos de lideranças comunitárias registraram uma queda acima da média nacional no volume de candidaturas. Com o tempo, só vão ficar os palhaços e os bandidos.