quarta-feira, 11 de setembro de 2024

No aniversário de Di Cavalcanti, uma celebração da boemia, Gelo e Gim , FSP

 Poderia ter dito, com um sorriso no rosto, "boemia ou morte!". Ele, que nasceu um dia antes da data em que se comemora a Independência, quando um dom Pedro combalido pela diarreia, em cima de seu burrico, levantou a espada e bradou. Nada menos Di Cavalcanti.

Independente em seu país íntimo, viveu a vida boêmia no espírito artístico de Baudelaire, bebeu alguns tonéis de Heidelberg, o que o levou à cirrose, teve mil amigos e amantes e também teve tempo de ser um dos maiores pintores modernistas do Brasil.

Com a capacidade de mais de 200 mil litros de vinho, o tonel de Heidelberg foi construído no castelo de mesmo nome no século 18. É tido como o maior tonel do mundo. Era também o nome de um cabaré em São Paulo, onde Di Cavalcanti, jovem estudante de direito, ia se refrescar com os amigos poetas, desenhistas e pintores.

A boemia era sua maior musa. Escreveu, numa carta a Mário de Andrade: "(…) não quero nunca realizar obras-primas como quis o Brecheret, o Villa (…) Eles não amam a vida. Amam a arte como a um mito. E eu amo sobretudo a vida que vem como os calores sexuais, de baixo para cima…".

No começo, sua boemia não se resumia a beber por beber, ou a viver a vida noturna como um fato pitoresco, mas a um programa estético-existencial. No bairro de Montmartre, em Paris, onde Di Cavalcanti morou, os cafés prestavam-se a esse programa. O álcool intensificava o entusiasmo vanguardista e o passo trôpego e elegante dos dândis era um manifesto vivo daquela cultura

Jorge Amado, Zélia Gattai, Di Cavalcanti e Vinicius de Moraes - Acervo Fundação Casa Jorge Amado/Zélia Gattai

A transposição desse espírito hedonista e artístico para os bares e bordéis da Lapa foi um choque diante da realidade "tão crua e miserável" do bairro carioca. Mas a boemia do Rio compensava a eventual precariedade com seu lado carnal e alegre, sem o decadentismo algo sombrio de Paris.

Em suas lembranças, Di "falava do tempo em que bebiam cerveja com prostitutas no colo e diziam docemente segredos de amor a elas", conta Bortoli. Algumas talvez lessem Baudelaire. O bordel de Marthe, muito visitado por Di, em Botafogo, tinha uma biblioteca de clássicos franceses. Erudição e volúpia.

Foi nessas andanças que conheceu e ficou amigo de Pixinguinha e Villa-Lobos, com quem bebia e às vezes jogava sinuca no Bar Nacional, no Bar Adolf, no Passatempo Internacional. O samba e as biritas que o acompanham entravam em sua obra, com todo o colorido embriagante.

Com a Semana de 1922, o pintor passou a frequentar a alta-roda paulistana, que patrocinou o evento e seus escândalos. Assim, dá para se desenhar uma linha do tempo etílica nas andanças de Di: antes o conhaque e o absinto, depois a cerveja e a pinga e agora o uísque de endinheirados.

Di Cavalcanti em sua primeira estadia em Paris, em 1923
Em sua primeira estadia em Paris, em 1923 - Divulgação

A estes, disse, certa vez: "Não é vergonha ser pobre e ser boêmio, digam a Paulo Prado que me falta dinheiro para pagar o hotel e que ele compre uns desenhos meus, um quadro, o que ele quiser".

O tempo passou e Di ficou rico e famoso. Morador do primeiro prédio modernista de São Paulo, o Esther, recebia todo mundo em sua casa, para reuniões, festinhas e beberanças. O uísque e os coquetéis surgiam com prodigalidade.

Um dos amigos do peito era Vinícius de Moraes. Que escreveu: "Viveste, Di Cavalcanti/ Foste amigo e foste amante/ Não há outro igual a ti/ Juntos bebemos champanhe/ uísque, vinho, parati/ Juntos rimos e choramos/ No México e em Paris/ Quantas mulheres amamos!/ Quantas Maris perdi/ A muitas eu disse yes/ A muitas disseste oui".


DE RIGUEUR

45 ml de uísque

22 ml de suco de grapefruit rosa

22 ml de água de mel (três partes de mel para uma de água)

Bata os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe. Finalize com uma casca de grapefruit.

Os velhos, José Benjamim de Lima in APMP

 

                        Amo esses velhos,

homens e mulheres

de cabelos brancos,

rosto familiar

e passos claudicantes,

com quem cruzo nas ruas.

 

Embora não me conheçam,

eles me cumprimentam

com um sorriso largo

de simpática cumplicidade.

 

Não os estimo, entretanto,

por me saudarem

com alegria e cordialidade.

Amo esses velhos

porque são sobreviventes,

porque não se deixaram abater.

 

Amo-os porque percebo

nos seus olhos

a imensa alegria de estarem vivos,

mesmo sabendo, esses velhos,

que a qualquer momento

partirão.

 

E eles não querem partir.

 

José Benjamim de Lima

O LEGADO CIENTÍFICO DE DAWKINS, Alexandre Marcos Pereira, Procurador de Justiça, in APMP

 O LEGADO CIENTÍFICO DE DAWKINS

Alexandre Marcos Pereira, Procurador de Justiça.

O ateísmo está em voga. E seu líder é o respeitado Richard Dawkins, eleito um dos três intelectuais mais importantes do mundo (junto com Umberto Eco e Noam Chomsky) pela revista inglesa Prospect.

Esse é o contexto da importância de Richard Dawkins nos grandes debates filosóficos da atualidade e, sem dúvida, podemos dele discordar ou com ele concordar, mas jamais ignorar. Ser colocado ao lado de ícones de diferentes áreas do saber, como Umberto Eco e Noam Chomsky, demonstra o relevo de suas contribuições para a cultura hodierna. Cada um desses intelectuais se destaca em campos distintos – literatura (Eco), linguística (Chomsky) e biologia (Dawkins) – mas compartilham algo em comum: a capacidade de transcender suas disciplinas originais e influenciar o pensamento global sobre temas mais amplos, como a ética, a política, a ciência e a compreensão do ser humano em sua totalidade. Vamos explorar como Dawkins se insere nesse panteão de intelectuais e o impacto de suas ideias, particularmente em relação à sua crítica ao criacionismo, seu apoio ao ateísmo científico e suas reflexões sobre a evolução cultural.

Richard Dawkins ganhou notoriedade com a publicação de O Gene Egoísta em 1976, um livro que revolucionou a biologia evolutiva ao popularizar a ideia de que a unidade fundamental da seleção natural não é o organismo ou a espécie, mas o gene. Seu argumento central é que organismos são veículos temporários usados pelos genes para perpetuar-se, e isso gerou um novo entendimento sobre a dinâmica da evolução, destacando a competição intragenômica. A noção de que somos “máquinas de sobrevivência” a serviço dos nossos genes mudou a maneira como os biólogos pensam a seleção natural e inspirou uma série de debates filosóficos sobre a natureza do altruísmo e do comportamento humano.

Dawkins é, portanto, mais do que um biólogo: ele é um pensador que expandiu os limites da biologia para tocar questões filosóficas, morais e sociológicas. Seu conceito de meme (nada a ver com as piadinhas da internet) – uma ideia que pode ser transmitida culturalmente, de maneira análoga aos genes biológicos – abriu novos horizontes para a compreensão de como a cultura e as ideias se propagam e evoluem, influenciando tanto a psicologia quanto a antropologia.

Além de seu trabalho no campo da biologia, Dawkins se tornou amplamente conhecido por sua posição pública como defensor do ateísmo e crítico ferrenho da religião, especialmente após o lançamento de Deus, um Delírio (2006). Nesse livro, Dawkins argumenta que a crença em Deus é não apenas infundada, mas prejudicial à sociedade. Ele sustenta que a fé religiosa é um tipo de ilusão, comparando-a à superstição e ao

pensamento mágico, e acredita que ela deve ser combatida com a mesma energia que se combate o dogmatismo e o fanatismo.

A obra de Dawkins nesse campo o alçou a um papel de liderança no chamado “Novo Ateísmo”, movimento que inclui outros pensadores proeminentes, como Sam Harris, Christopher Hitchens e Daniel Dennett. Embora a crítica de Dawkins à religião tenha gerado grande controvérsia, é inegável que também desempenhou um papel importante no aumento do debate sobre secularismo, racionalidade e a separação entre Igreja e Estado no mundo moderno. Seu tom muitas vezes agressivo e implacável contra a religião não apenas ampliou a base de seguidores do ateísmo, mas também atraiu detratores que o acusam de intolerância e reducionismo.

Ainda assim, o impacto de Deus, um Delírio não pode ser subestimado. Ele trouxe para o centro do debate público a ideia de que a fé religiosa, longe de ser uma virtude, pode ser vista como um obstáculo ao progresso moral e científica da humanidade. Dawkins defende que o mundo seria um lugar melhor se abandonássemos as crenças religiosas e abraçássemos uma visão secular e científica da vida.

A defesa fervorosa que Dawkins faz da ciência como o único método válido para alcançar a verdade sobre o mundo físico levanta questões importantes sobre os limites do conhecimento científico e o papel da razão na vida humana. Sua postura é frequentemente associada ao “cientificismo”, a crença de que a ciência é a única forma legítima de conhecimento, e que outros modos de pensar – como a religião ou a filosofia moral – são fundamentalmente inferiores.

Críticos de Dawkins, como o filósofo Alvin Plantinga, argumentam que o cientificismo é uma visão excessivamente restrita do conhecimento humano, ignorando a importância de outras formas de compreensão que não podem ser verificadas empiricamente, como a ética, a estética e as questões metafísicas. A ênfase quase exclusiva de Dawkins na razão e na ciência o colocam em rota de colisão com aqueles que veem valor em formas não-científicas de experiência humana.

Mesmo assim, a perspectiva de Dawkins é inspiradora para muitos que veem a ciência não apenas como uma ferramenta para entender o universo, mas também como uma forma de libertar a humanidade dos grilhões do dogmatismo religioso. Ele acredita que a ciência pode fornecer uma base sólida para a ética e para o bem-estar humano, um ponto que levanta debates importantes sobre a relação entre ciência e moralidade.

A comparação entre Dawkins, Umberto Eco e Noam Chomsky é reveladora, pois cada um deles representa uma faceta distinta do pensamento contemporâneo. Chomsky, com suas contribuições à linguística e sua crítica feroz ao imperialismo e à política externa dos EUA, personifica o intelectual engajado na luta por justiça social e pela verdade política. Sua defesa da liberdade de expressão e sua análise crítica das estruturas de poder ecoam (sem trocadilho) o mesmo desejo de claridade racional que encontramos em Dawkins, embora aplicado a áreas diferentes.

Por outro lado, Eco, já falecido, com sua profunda erudição e seu interesse por semiótica e história, oferece um contraponto cultural e literário à ênfase científica de Dawkins. Enquanto Dawkins olha para a biologia e a ciência como fontes primárias de verdade, Eco explora o mundo dos símbolos, da linguagem e da narrativa como caminhos para a compreensão da experiência humana.

Esses três intelectuais, embora provenientes de disciplinas diferentes, compartilham uma dedicação à ideia de que o conhecimento, em todas as suas formas, é a chave para a libertação e o progresso humano. Suas visões, combinadas, nos lembram que o verdadeiro intelecto não reside apenas em uma disciplina isolada, mas na capacidade de cruzar fronteiras e influenciar o pensamento em múltiplos níveis.

Richard Dawkins, com sua mistura única de biólogo, pensador ateu e polemista público, ocupa um lugar central no panteão dos grandes intelectuais contemporâneos. Suas ideias sobre a evolução, religião e ciência continuam a inspirar debates fervorosos e a moldar o pensamento de milhões de pessoas ao redor do mundo. Ao lado de figuras como Umberto Eco e Noam Chomsky, ele nos lembra da importância de questionar, desafiar e buscar a verdade, seja ela científica, política ou cultural. Mais do que nunca, num mundo saturado por desinformação e crenças infundadas, as vozes de intelectuais como Dawkins são essenciais para manter viva a chama do pensamento crítico e da razão esclarecida.