O crime organizado é apontado como uma das principais preocupações da população brasileira, em todas as classes sociais. Não é para menos. Estudo do Esfera Brasil e do Fórum Nacional de Segurança Pública apontou a existência de 75 facções no território nacional, com conexões na América Latina, África e Bálcãs, atuando em diversos setores, como tráfico de drogas, roubo de cargas, mineração e comércio ilegal de madeira, dentre outros.
Para além de afetar a vida e patrimônio de milhares de brasileiros, a atividade criminosa custa cerca de 1,7% do PIB para empresas, em segurança privada e seguros.
Enfrentar essa situação exige mais do que as propostas usuais de aumentar penas, endurecer prisões e ampliar o efetivo policial. O Brasil conta com 820 mil pessoas sob custódia estatal, um crescimento de 44% nos últimos dez anos, e 796 mil profissionais de segurança, sem grandes avanços nesse setor.
Combater o crime organizado exige inteligência e organização. O Brasil tem 1.595 órgãos de segurança que pouco trocam informações. Há polícias militares, civis, federais, rodoviárias, municipais, judiciais, penais —cada uma com dados importantes sobre os crimes que enfrentam, mas não compartilhados com as demais. Inexistem números seguros sobre delitos e sua distribuição geográfica. As operações integradas são pautadas por experiências isoladas, incapazes de orientar taticamente ações contra facções sofisticadas, espalhadas por todo o território nacional. É necessário organizar esse rico acervo de dados, coordenar atividades, somar a excepcional experiência de cada agência em um sistema integrado e eficiente, que preserve a autonomia dos estados, mas garanta uma soma de esforços, uma cooperação eficaz.
Por lei, a União tem o dever de definir diretrizes para a segurança pública e gerir um sistema nacional de inteligência. Na prática, o ente carece de instrumentos para isso. A única forma de garantir a implementação de um sistema único de segurança pública é por meio de uma alteração constitucional, como aquela apresentada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que garanta à União instrumentos para impor regras gerais sobre coleta de dados, estatísticas, registros de ocorrências, operações integradas e sistema prisional. Não se trata de alterar a formatação das polícias estaduais ou reduzir sua autonomia, mas de estabelecer padrões e garantir o repasse de informações relevantes em um sistema de cooperação efetiva, capaz de fazer frente ao crime organizado.
Delitos como o tráfico de armas, os loteamentos de terra clandestinos e o desmatamento ilegal exigem uma abordagem integrada, que envolva os diversos entes federados. Para ficar no último exemplo, combater o corte ilegal de madeira implica investigar a grilagem de terras, o desmatamento em si, o transporte da mercadoria por ferrovias ou hidrovias e o seu comércio, que muitas vezes ocorre a quilômetros de distância do local do crime, em portos e aeroportos. É preciso averiguar registros de imóveis, licenciadoras de madeira e agências de exportação situadas em diversos estados. Isso só é possível por meio de um sistema coordenado, no qual as diversas agências compartilhem experiências e dados colhidos ao longo do tempo, sem que barreiras corporativas ou federativas impeçam estratégias comuns de atuação.
A PEC em discussão é um passo em direção ao futuro, um alicerce constitucional que permitirá superar obstáculos jurídicos e facilitar ações conjuntas de prevenção e repressão ao crime organizado que assombra a maior parte da população brasileira.