quinta-feira, 18 de julho de 2024

Ruy Castro - O troar dos maxilares, FSP

 Deu nos sites. Na semana passada, num cinema em Belo Horizonte, um espectador tentou agredir uma funcionária porque, precisando repor sua ração de pipoca durante a projeção, viu-se obrigado a ir ao pipoqueiro na sala de espera, o que o faria perder instantes cruciais do filme. O homem esperava que houvesse um refil no escurinho da própria sala. A câmera de segurança mostra-o correndo grotescamente atrás da pobre moça. Não se informou o título do filme.


Para mim, o filme é secundário. Tanto faz ser de tribunal quanto de dinossauro, com ou sem beijo no fim. É a prova de que não se vai mais ao cinema para ver o filme, mas para comer pipoca. Imagino que parte dos bilhões auferidos hoje pelos blockbusters inclua a receita da pipoca. E não me surpreenderá se a Fox ou a Disney estiverem usando a produção de filmes como uma frente para o seu verdadeiro negócio, que é produzir pipoca.

Como não acho graça em pipoca (prefiro torresmo), há anos deixei de ir ao cinema. Não posso me arriscar a ser visto entrando para ver um filme sem estar sobraçando um megassaco de pipoca —o que irão pensar de mim? Ninguém entenderá que essa deficiência se deve ao fato de que, em outros tempos, a que me acostumei, a pipoca era só uma atração opcional. E, mesmo assim, restrita a filmes de caubói ou de guerra, em que os tiroteios e explosões abafavam o rumor da mastigação. Em outros, como "Hiroshima, Meu Amor" (1959), de Alain Resnais, ou "A Aventura" (1960), de Michelangelo Antonioni, o troar dos maxilares triturando caroços ficaria terrivelmente conspícuo nas longas sequências de total silêncio.

O homem que armou o barraco no cinema é, parece, um desembargador. Um desembargador é um magistrado encarregado de desembargar, ou seja, tirar os embargos, os estorvos de um processo.

E não há maior estorvo hoje num cinema do que a distância entre a tela e o pipoqueiro.

Disputa de facções por porto e letalidade policial fazem de cidade do Amapá a mais violenta do Brasil, FSP

 Jorge Abreu

SÃO PAULO

O município de Santana, na região metropolitana de Macapá (AP), tem o maior índice do Brasil de mortes intencionais —correspondentes à soma de casos de homicídio doloso (crime com intenção), latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e intervenções policiais.

Foram 92,9 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes em Santana no ano de 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que divulgou, nesta quinta-feira (18), a análise feita a partir de dados fornecidos por órgãos ligados aos governos estadual e federal.

A imagem mostra três policiais militares em pé na rua, ao lado de uma viatura da Polícia Militar. A viatura é branca com detalhes em azul, amarelo e verde, e está estacionada à direita da imagem. Ao fundo, há um arco de pedra com a inscrição 'BEM VINDO A SANTANA'. O céu está nublado e a rua parece estar molhada, sugerindo que choveu recentemente. Há alguns carros passando pela rua.
Polícias militares na entrada do município de Santana durante Operação da Paz, da Sejusp - Governo do Amapá

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, da FBSP, traz o ranking das dez cidades mais violentas do país. Além de Santana no topo, o Amapá tem a capital Macapá em 9º lugar. A Bahia possui seis na lista, sendo elas Camaçari (2º), Jequié (3º), Simões Filho (5º), Feira de Santana (6º), Juazeiro (7º) e Eunápolis (10º). Mato Grosso tem Sorriso, em 4ª posição, e Ceará tem Maranguape, em 8º.

Com apenas 16 municípios, o Amapá tem a maior piora do índice ao ser comparado com os outros estados. Em 2023, o estado registrou aumento de 36% de mortes intencionais a mais do que no ano anterior sendo o único dos sete do Norte a ter crescimento na taxa —os demais apresentaram diminuição.

Os números de Santana, que pulou da 31ª posição para o topo da lista das mais violentas em um ano, dão pistas sobre uma das principais hipóteses defendidas pelo Fórum para variações nas mortes violentas. Foram 72 vítimas de homicídio, uma de latrocínio e 27 de ações policiais.

De acordo com a publicação, a matança pode ser explicada por uma sequência de disputas entre facções pelo porto —considerada a porta fluvial do estado— e pela atuação policial.

Ainda conforme o anuário, 33% das mortes violentas intencionais do ano passado no Amapá são decorrentes de intervenções policiais, ou seja, 1 a cada 3 casos.

Em nota, a Secretaria da Justiça e Segurança Pública do estado também atribuiu o aumento da violência a uma guerra entre facções rivais, que começou no fim de 2022 e escalou ainda mais no ano seguinte, principalmente, nos quatro primeiros meses de 2023.

A pasta vinculada ao governo de Clécio Luis (Solidariedade) disse ainda que adotou estratégias de inteligência, incluindo operações policiais na região metropolitana e na área de fronteira, em Oiapoque, que resultaram a diminuição da violência a partir do segundo semestre.

Santana possui 107.618 habitantes (segundo o Censo de 2022) e fica a 17 quilômetros de Macapá.

TIROTEIO E MORTE NA IGREJA

Um culto de Páscoa interrompido por tiroteio retrata essa escalada da violência no ano passado em Santana. No dia 9 abril, um homem armado invadiu a igreja evangélica Congregação Monte Carmelo, na área portuária, e efetuou diversos disparos.

Denilson de Jesus Cardoso da Silva, de 39 anos, morreu no local. Ele possuía passagem na polícia por roubo. Outra vítima era uma criança de 3 anos. A pequena Evelin Lopes de Souza levou dois tiros e chegou a ser internada em um hospital infantil na capital, mas não resistiu aos ferimentos após quatro dias.

A imagem mostra um grupo de pessoas reunidas em uma rua à noite. Algumas pessoas estão de pé, enquanto outras parecem estar caminhando. A rua está iluminada por postes de luz e há prédios e estabelecimentos comerciais ao fundo.
Culto em uma igreja evangélica no município de Santana foi interrompido por um tiroteio que deixou quatro pessoas feridas por disparos de arma de fogo. (9.abr.2023) - rudinho.com

Uma adolescente foi baleada de raspão nas costas, recebeu atendimento médico e teve alta no mesmo dia. Vinicius Ferreira de Souza, com então 35 anos, levou cinco tiros e sobreviveu. Ele é ex-detento Iapen (Instituto de Administração Penitenciário), preso por tráfico de drogas.

No dia 17 de abril, oito dias depois do tiroteio, as polícias Civil e Militar prenderam um suspeito de ter participado da ação. A secretaria informou, na época, que os dois homens baleados na igreja eram os dois verdadeiros alvos do ataque. O caso ainda é investigado.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Prefeita de Paris cumpre promessa e mergulha no rio Sena, FSP

 

PARIS

A prefeita de ParisAnne Hidalgo, mergulhou no Sena na manhã desta quarta-feira (17) para demonstrar que o rio tem condições de receber as provas da maratona aquática e da natação do triatlo nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris.

"We did it", disse a prefeita, em inglês, após o mergulho de cinco minutos.

O bom tempo em Paris –sol, 22 graus– favoreceu o mergulho. Segundo a prefeitura, a água estava a 20 graus.

Adiado várias vezes, o mergulho pré-olímpico é um marco simbólico para os organizadores do megaevento, depois de um investimento de 1,4 bilhão de euros (cerca de R$ 8 bilhões) na despoluição do rio que atravessa a capital francesa. A cerimônia de abertura dos Jogos será no dia 26.

Uma mulher está nadando, com um sorriso no rosto. Ela veste uma roupa de mergulho preta e está parcialmente submersa na água. O mar ao seu redor está calmo, com pequenas ondulações.
Prefeita de Paris nada no rio Sena antes das Olimpíadas - Gonzalo Fuentes/Reuters

Além de Hidalgo, pulou na água Tony Estanguet, presidente do Comitê Organizador dos Jogos e tricampeão olímpico de canoagem. Outras autoridades também mergulharam. O trecho do rio que foi escolhido fica a pouco mais de cem metros do Hôtel de Ville, sede da prefeitura parisiense.

"São anos de trabalho. É um momento simbólico. A menos de dez dias dos Jogos, aí está, o plano para o mergulho deu seus frutos", disse Estanguet.

Na semana passada, a ministra francesa dos Esportes e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, Amélie Oudéa-Castéra, antecipou-se a Hidalgo e mergulhou no Sena, em roupa de mergulho que cobria quase todo o corpo.

Anne Hidalgo, 65, mergulhou menos coberta, usando um maiô preto de neoprene. "Não tenho medo do frio", afirmou, em uma aparente indireta à ministra.

Oudéa-Castéra pertence ao partido Renascimento, do presidente Emmanuel Macron, de centro, e é adversária política da prefeita. Macron, que também prometeu mergulhar no Sena antes dos Jogos, tinha sido convidado por Hidalgo para o banho de rio desta quarta-feira, mas não compareceu.

Questionada pela Folha sobre a ausência de Macron, a prefeita desconversou, sorridente: "Desfrute da alegria de um banho na cidade mais bonita do mundo."

Apesar do mergulho, ainda há dúvidas sobre a balneabilidade do Sena para as provas olímpicas e paralímpicas. Medições do nível de coliformes fecais são feitas diariamente. Caso nos dias de competição a qualidade da água seja insuficiente, as provas serão adiadas ou transferidas para outro local.

A Prefeitura de Paris anunciou que no ano que vem o banho no rio será permitido em três pontos do Sena, um legado dos Jogos para a população parisiense. Desde 1923 é proibido nadar no rio, devido à má qualidade da água, receptáculo histórico do esgoto de residências e indústrias da região e do lixo carregado pela água da chuva.

A imagem mostra um grupo de pessoas em uma coletiva de imprensa ao ar livre. No centro, há três pessoas em destaque, duas delas vestindo roupas esportivas com logotipos, incluindo um que diz 'Paris 2024' e outro com a marca 'Orca'. Vários microfones de diferentes emissoras de TV, como LCI e BFM, estão posicionados em frente a eles. Ao fundo, há várias outras pessoas, algumas com crachás e outras com roupas casuais. A cena ocorre em um ambiente urbano com árvores e edifícios ao fundo, sob um céu claro e ensolarado.
Anne Hidalgo concede entrevista após nadar no rio Sena, em Paris - André Fontenelle/Folhapress

Até os anos 1970, ainda era comum ver parisienses desafiarem a interdição e mergulharem.

Como provocação a Hidalgo, um grupo de gaiatos chegou a criar uma hashtag na internet, #jechiedanslaseine (literalmente, #eucagonosena), incitando a população a defecar no rio para sabotar o mergulho da prefeita.