quinta-feira, 13 de junho de 2024

Por que projetos para produzir hidrogênio verde ainda estão fora da realidade, FT FSP

 

Malcolm Moore
FINANCIAL TIMES

Na sede em Paris da AIE (Agência Internacional de Energia), pesquisadores que acompanham o progresso do hidrogênio como uma alternativa limpa aos combustíveis fósseis têm uma lista de mais de 100 gasodutos para o produto em mais de uma dúzia de países.

Mas a grande maioria desses projetos são apenas conceitos ou estão passando por estudos de viabilidade. Apenas um está realmente em construção —um gasoduto de 30 quilômetros no porto de Roterdã.

O projeto de Roterdã, que começou em outubro passado, é a primeira etapa de um plano para construir uma rede europeia de hidrogênio que poderia atingir 28.000 km até 2030 e abranger 28 países até 2040, de acordo com a European Hydrogen Backbone, um grupo de 33 operadores de infraestrutura energética.

Dos mais de 100 gasodutos para hidrogênio verde em estudo na Europa, apenas um está realmente em construção - Benoit Tessier/Reuters

A Gasunie —a operadora estatal de rede de gás holandesa— acredita que, à medida que os Países Baixos começam a usar menos gás para cumprir seus compromissos climáticos, até 85% de seus gasodutos poderiam ser convertidos para transportar hidrogênio.

E pode não haver lugar melhor para começar o experimento do que Roterdã, que tem acesso a energia renovável offshore, envios de hidrogênio por meio de seu porto e várias refinarias interessadas em usar o gás.

No final do porto, a Shell está construindo sua própria planta de hidrogênio verde —alimentada por energia renovável—, que será a maior da Europa.

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Ela usará eletricidade derivada de energia eólica offshore e um eletrolisador de 200 MW para separar o gás da água. Quando estiver operacional, fornecerá hidrogênio para a própria refinaria de Pernis da Shell, a poucos quilômetros mais adiante no porto.

Mas Amir Mansouri, diretor do projeto na Shell, destaca que ainda estão no início da curva de aprendizado quando se trata de construir infraestrutura de hidrogênio.

"Para colocar em perspectiva, esta é a maior instalação de hidrogênio renovável em construção na Europa, e constitui apenas de 5% a 10% da demanda de hidrogênio de Pernis", afirma.

Mansouri disse que há vários desafios a serem superados para o projeto, que combinará 10 dos eletrolisadores de 20 MW fabricados pela empresa de engenharia Thyssenkrupp Nucera.

"Qual é a interação dos 10 eletrolisadores ao aumentá-los e diminuí-los?", disse. "Qual é a degradação disso? Quanto realmente se pode obter disso? Estamos gastando muito tempo para entender isso."

Outro desafio, ao pensar nos gastos com infraestrutura de hidrogênio, é a capacidade de entender a precificação de um mercado que ainda não existe.

Mesmo Mansouri, que começou sua carreira na Shell entregando projetos complicados de petróleo em águas profundas e ajudou a Shell a desenvolver sua estratégia de hidrogênio, não tem certeza sobre o futuro do hidrogênio verde.

"No momento, direi que é um caso de negócios bastante frágil", disse. Isso torna difícil avaliar a viabilidade de futuras plantas de hidrogênio verde: "Seria altamente imprevisível, ou altamente incerto, dizer quantas mais você pode construir", afirma Mansouri. "Estamos focados em fazer este certo."

No momento, a ambição está à frente da realidade. Segundo o Hydrogen Council, agora existem mais de 1.400 projetos de hidrogênio limpo sendo planejados, mas apenas 7% chegaram à decisão final de investimento.

A UE espera que haja 40 GW de capacidade de eletrolisador na Europa até 2030, mas atualmente há apenas cerca de 1 GW disponível globalmente.

Cameron Smith, CEO da Fortescue Hydrogen Systems, diz que é necessário mais apoio governamental para "corredores de produtos", como os gasodutos para transportar o gás, as linhas de transmissão para conectar os eletrolisadores e "os equipamentos que precisamos para gerenciar esses elétrons: eletrônica de potência, transformadores, inversores e retificadores".

Ele destaca que os eletrolisadores de água alcalina comprovados há muito tempo precisam de energia de base estável e são menos eficazes quando o fornecimento de energia renovável oscila.

Portanto, a Fortescue e outras empresas estão experimentando com novas tecnologias para tentar trabalhar com energia renovável. Mas a nova tecnologia leva tempo, disse Javier Cavada, CEO europeu da Mitsubishi Power.

"Às vezes, quando venho a conferências, parece que a economia do hidrogênio precisa acontecer em dois ou três anos, rapidamente", disse. "Desculpa, mas isso não é viável. Precisamos de toda a década de 2020 e o início da década de 2030 para fazer isso acontecer."

Cavada diz que a primeira etapa da expansão necessária para o hidrogênio verde foi um enorme aumento na produção de eletricidade renovável. No momento, disse, toda nova usina de energia renovável deveria estar alimentando eletricidade para a rede, em vez de para eletrolisadores de hidrogênio.

"Essa é a compreensão comum da sociedade e do setor", disse. No entanto, a Mitsubishi Power está construindo usinas de energia a gás que podem ser facilmente convertidas para funcionar com hidrogênio, caso haja demanda futura.

"Não temos nenhum gargalo técnico ou de cadeia de suprimentos", explica Cavada. "Mas não podemos construir uma cadeia de suprimentos quando não sabemos quando o volume vai chegar."

Suicídios de PMs batem recorde em SP no 1º ano da gestão Tarcísio, FSP

 Rogério Pagnan

SÃO PAULO e RIO DE JANEIRO

número de suicídios cometidos por policiais militares bateu recorde no estado de São Paulo no primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Foram 43 casos registrados em 2023, o que representa uma alta de 30% em relação aos 33 casos de 2022 e quase o dobro (95,5%) das 22 ocorrências de 2015.

Esse quadro faz parte de um conjunto de dados inéditos obtidos pela Folha por força da LAI (Lei de Acesso a Informação), que incluem informações do efetivo policial da ativa e, também, de homens e mulheres que passaram para a inatividade, mas que continuam sendo monitorados pela corporação.

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Os suicídios de policiais militares bateram recorde no primeiro ano da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) - Divulgação/MPSP

A quantidade de PMs que tiraram a própria vida ano passado é superior, inclusive, à soma dos policiais mortos durante serviço e no horário de folga e, também, de aposentados assassinados por criminosos. No ano passado, totalizando as três situações, o contingente chegou a 31 vítimas.

Procurado para comentar os dados, o Governo de São Paulo negou o pedido para indicar um porta-voz da PM. Em notas enviadas à reportagem, a Secretaria da Segurança não apontou motivos que pudessem levar ao aumento dos suicídios na categoria. Citou, apenas, programas implementados.

"A Polícia Militar está ampliando as iniciativas de suporte ao bem-estar e atendimento psicológico aos agentes da ativa por meio do Sistema de Saúde Mental (SISMen), que disponibiliza atendimento psicossocial no Centro de Caps (Atenção Psicológica e Social), na capital, e também em 41 Núcleos de Atenção Psicossocial em todas as regiões do estado", informa a nota.

Os dados oficiais revelam ainda que, de 2015 até o ano passado, foram registradas 261 ocorrências de suicídio entre PMs. Desse contingente, a maioria das vítimas era de praças (90%), como soldados, cabos e sargentos. Em números absolutos, foram 235 praças (cargos inferiores) e 26 de oficiais (10%).

Desse total, 65% dos suicidas estavam na ativa, contra 35% de aposentados. Em 2015, o efetivo existente da PM era de 89.483 pessoas. No ano passado, esse quadro foi reduzido para 79.045 PMs.

Além de estar na contramão da queda do efetivo, o aumento de suicídios também não acompanhou a queda de policiais assassinados. Em 2015, foram 64 casos, contra os 31 do ano passado (menos da metade).

A aceleração dos suicídios ocorre apesar de medidas anunciadas pelo governo em 2022, como a criação de uma cartilha destinada à tropa, o Manual de Orientações para Prevenção de Suicídios, e uma maior atenção à saúde mental dos servidores públicos ligados à área de segurança.

Há dois anos, quando a cartilha foi lançada à base da admissão do comando de haver uma alerta ligado quanto ao crescimento de mortes, São Paulo registrava 1 suicídio a cada 11 dias. Em 2023, esse quadro subiu para 1 ocorrência a cada 8 dias –quase uma por semana.

Nessa mesma época, a socióloga Dayse Miranda, doutora em ciência política pela USP e presidente do Ippes (Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio), alertava sobre a necessidade de medidas além da propagação de quartilhas e trabalhos de conscientização.

Para ela, tanto lá quanto agora, permanece a necessidade de avaliar o próprio trabalho que a PM de SP desenvolve há mais de 20 anos, na prevenção de manifestação suicida, que envolve outros subprogramas.

"Porque [não adianta só] fazer cartilha, fazer campanha, sem mexer no crucial, que é a mudança de escala, que é a valorização da imagem desse profissional, que é melhorar a qualidade da relação com as lideranças, considerar que todo policial que perde um colega ele não pode voltar para o trabalho imediatamente", afirmou a socióloga.

Conforme oficiais ouvidos pela Folha, entre as explicações para o aumento de suicídios na corporação está a falta de períodos de lazer e descanso para os policiais, já que eles utilizam os horários de folga para fazer "bicos". Isso deixaria os profissionais cansados e traria problemas familiares, um dos principais motivos para piora do quadro mental.

Também atribuem à suposta alteração dos programas de recuperação mental de PMs. Eles teriam deixado de ser afastados (como antes) após ocorrências de alto estresse.

Segundo esses oficiais, antes, em média, os PMs ficavam fora das ruas por cerca de três meses —período que dura, em média, um IPM (Inquérito Policial Militar). Agora, porém, ainda segundo eles, até pela falta de efetivo, o afastamento chega a ser de apenas 24 horas, tempo de análise dos casos e liberação do policial.

O procedimento seria mais frequente na Rota —tropa de elite—, grupo mais exposto a confrontos.

"A polícia, quando há um líder negligente, contribui para circunstâncias, situações, e para as condições de trabalho, de aumentar o risco [dos suicídios]. Essa é a diferença", afirma Miranda.

Para Guilherme Bertassoni, doutor em psicologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e perito criminal da Polícia Científica do Paraná, o aumento de suicídios é resultado de uma maior pressão de trabalho, agravada pela falta de acompanhamento psicológico.

Ele diz que falar de saúde mental nas corporações ainda é um tabu. Policiais atuam sob a lógica de eliminação do inimigo e, nesse contexto, problemas psicológicos são considerados fraqueza e algo que não condiz com a finalidade do trabalho.

"Policial precisa estar em alerta, ser resistente e não pode demonstrar fraqueza. Por isso, é como se eles vivessem em um constante estado de estresse pós-traumático", diz ele.

Em São Paulo, são 4 suicídios a cada 10 mil policiais militares. A cifra é o dobro da média nacional, de 1,97 para 10 mil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, dados mais recentes.

A taxa de São Paulo também é maior do que a de países inteiros como os Estados Unidos, com 2 suicídios a cada 10 mil policiais, e a Inglaterra, de 1 a cada 10 mil.

Os dados são referentes a 2021 (os mais recentes), respectivamente, de relatório da CNA, organização financiada pelo governo federal dos EUA, e do Office for National Statistics, organização britânica equivalente ao IBGE.

GOVERNO DIZ AMPLIAR ATENDIMENTOS

Procurada, a PM negou ter feito alterações nos procedimentos de suporte psicológico adotados em casos de ocorrências de maior gravidade, como confrontos armados.

"Os policiais envolvidos continuam passando por avaliação com psicólogos em, no mínimo, dois momentos para o devido monitoramento. O tempo de afastamento é determinado de acordo com cada caso, atendendo às necessidades individuais de cada paciente", relata a nota.

Sobre as cartilhas de prevenção de suicídio, informa que foram disponibilizadas ao efetivo e também estão disponíveis na página do Caps (Centro de Atenção Psicológica e Social), na intranet da corporação.

Além da cartilha, ainda segundo a pasta, o SISMen (Sistema de Saúde Mental) conta "com diversas outras iniciativas voltadas ao acolhimento e orientação dos policiais para prevenir e combater suicídios".

A PM diz, por fim, que em agosto passado, "a telepsicologia também foi implementada no atendimento psicoemocional de policiais da ativa ou da reserva com agendamento e consultas online".

ONDE BUSCAR AJUDA

A recomendação dos psiquiatras é que a pessoa busque qualquer serviço médico disponível

NPV (Núcleo de Prevenção à Violência)
Os NPVs são constituídos por ao menos quatro profissionais dentro das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e de outros equipamentos da rede municipal. Para acolher e resguardar as vítimas, os núcleos atuam em parceria com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

Pronto-Socorro Psiquiátrico
Ideação suicida é emergência médica. Caso pense em tirar a própria vida, procure um hospital psiquiátrico e verifique se ele tem pronto-socorro. Na cidade de São Paulo, há opções como o Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo, o Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) e o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya.

Mapa da Saúde Mental
O site, do Instituto Vita Alere, mapeia serviços públicos de saúde mental disponíveis em todo território nacional, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos, além de ações voluntárias realizadas por ONGs e instituições filantrópicas, entre outros. Também oferece cartilhas com orientações em saúde mental.

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188, por chat, via email ou diretamente em um posto de atendimento físico.

Desmemória coletiva, Ruy Castro, FSP

 Ivan Lessa se queixava de que, no Brasil, a cada 15 anos esquecemos o que aconteceu nos 15 anos anteriores. Ivan, sempre tão rigoroso com o Brasil. Mas, digo eu, em outros lugares, até mais cultos, não é muito melhor. Só varia o tempo da desmemória. Muito do que de pior acontece hoje no mundo tem como causa o fato de grande parte da população ignorar o passado de seu país, dando de barato certos privilégios e conquistas e achando que é preciso mudar tudo.

Essa desmemória parece coletiva na Europa, com a extrema direita a ponto de tornar-se a segunda força política do continente. Já está no poder na Hungria, Eslováquia, Itália, Finlândia, República Tcheca e Países Baixos e começa a chegar perto em Portugal, Áustria, França, Espanha e, incrível, a Alemanha. Em todos, a mesma receita: populismo, nacionalismo, negacionismo, xenofobia, racismo, homofobia, ódio ao imigrante e slogans neonazistas.

O discurso com que seus líderes se vendem como solução para os problemas econômicos de seus países se baseia em demagogia, dados falsos e no desconhecimento da história pela população mais jovem. Em Portugal, o grosso dos adeptos do Chega, novo partido de extrema direita, tem entre 18 e 34 anos. Como vão se lembrar de que, antes de 25 de abril de 1974, seu país era o mais triste e atrasado da Europa?

No Brasil, os seguidores de Bolsonaro acreditam em tudo o que ele diz sobre os 21 anos da ditadura e sonham com a volta de um país que não conheceram e nunca existiu. É normal. Nasce um otário por minuto e o ser humano tem uma irresistível tendência a ser tapeado.

Mais incrível ainda é o culto a Donald Trump nos EUA. Nesse caso, trata-se de uma desmemória de quase 250 anos. Os constituintes de 1776, que julgavam estar fundando uma democracia para sempre, não contavam com um celerado que se valeria dela para tentar destruí-la e seria apoiado por milhões.

Visitantes no Capitólio em frente ao quadro "A Declaração de Independência", de John Trumbull, que retrata personagens preparando a declaração da independência dos EUA - Joe Raedle/Getty Images via AFP