Nos últimos meses, cerca de 20 jornais e revistas de relevância, como o Washington Post, The Guardian, Foreign Policy ou Politico, publicaram matérias sobre um novo fenômeno global: os jovens estão votando em políticos e partidos de extrema direita. Na Europa, o estereótipo do eleitor da direita radical –tipicamente branco, do sexo masculino, patriota, saudosista, com baixos níveis de literacia e aposentado –está mudando.
Partidos de extrema direita são as primeiras, segundas ou terceiras forças políticas mais votadas em países como Itália, Espanha, Países Baixos, França, Portugal, Itália, Finlândia. E também na Suécia, Áustria, Eslováquia, Hungria, Croácia e República Checa. Análises dos resultados indicam que este sucesso não seria possível sem o voto jovem.
Aconteceu novamente esta semana nas eleições para o parlamento europeu. O sucesso eleitoral dos partidos extremistas na Alemanha (AfD) e França (Reagrupamento Nacional) deveu-se ao apoio do eleitorado jovem.
O fenômeno multinacional também teve uma filial no Brasil. Um ano antes da eleição de Bolsonaro, o Datafolha já alertava que 60% dos eleitores que indicam voto no capitão da reserva tinham entre 16 e 34 anos. Desses, 30% tinham menos de 24 anos.
Mas por que é que a geração mais qualificada de sempre, com acesso vertiginoso a toda a informação, pode flertar com políticos que nos transportam para uma escuridão densa e impenetrável, quase palpável, assente numa visão autoritária e rudimentar de mundo?
Porque os jovens estão zangados. É o que indicam estudos acadêmicos (aqui, aqui e aqui). Subiu o custo de vida na mesma proporção que diminuiu a sua capacidade de comprar casa. Apesar de serem qualificados, têm empregos instáveis ou mal remunerados. Saídos de uma pandemia global, os jovens europeus enfrentam os desânimos das guerras na Ucrânia e em Gaza e as inseguranças das alterações climáticas. Para eles, o futuro precário não tem forma, odor nem som. Votam na extrema direita por protesto, não porque são extremistas. Sentem que os partidos tradicionais não os escutam. Foram os jovens que apoiaram a eclosão de partidos de combate, tanto à esquerda quanto à direita, como o Movimento 5 Estrelas na Itália ou o Podemos na Espanha.
O contexto é uma carcaça podre pronta para os abutres. Os partidos radicais de direita, de bico afiado, vão alimentando os jovens com migalhas de falsa esperança. Em França, o programa eleitoral da populista Marine Le Pen nas presidenciais de 2022 prometia eliminar os impostos para os menores de 30 anos, fornecer assistência financeira aos trabalhadores estudantes e aumentar a habitação estudantil. O ultraradical holandês Geert Wilders venceu as eleições parlamentares de 2023 falando exaustivamente sobre acesso a habitação condigna.
Políticos tradicionais discutem austeridade e contas públicas. Emoji de bocejo. Extremistas prometem segurança econômica e combate implacável à corrupção. E fazem-no usando a linguagem e os canais de transmissão que os jovens mais dominam.
O radical Vox na Espanha tem quase 3 vezes mais seguidores no Facebook do que o PSOE, o partido de esquerda no poder. O que o italiano Matteo Salvini posta é seguido por 2,3 milhões de pessoas no Instagram, enquanto a sua rival de esquerda, Elly Schlein, tem apenas 353 mil seguidores. A parlamentar Rita Matias, do partido nacionalista português Chega, começou a sua carreira profissional como coordenadora de redes sociais do partido. Os seus vídeos no TikTok desfilando em poses sensuais na casa da democracia quebraram a internet. Um terço dos jovens franceses afirmam que o TikTok é a sua principal fonte de informação política, segundo pesquisa do Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop).
Se para recrutar soldados para as Cruzadas medievais, a Igreja Católica utilizou sermões, promessas de salvação eterna e incentivos econômicos, os novos partidos radicais sabem que é preciso evangelizar os jovens onde eles estão. O ultrapopulista francês Reagrupamento Nacional faz campanha eleitorais e de filiação à noite em zonas de balada em Paris, Lyon e Marselha.
Os jovens também são politicamente mais suscetíveis, como revelou este estudo. Ainda não desenvolveram fortes lealdades a determinados partidos políticos, são mais reativos a notícias negativas e tendem a votar em quem é mais popular em um determinado momento. Gostam de políticos jovens e descolados, com coragem de puxar as orelhas aos políticos mais velhos e tradicionais. A nova safra de políticos radicais europeus são jovens e carismáticos, como o francês Jordan Bardella (28 anos), a portuguesa Rita Matias (25 anos), a espanhola Pepa Millán (29 anos) e o belga Dries Van Langenhove (31 anos).
Além disso, muitos jovens eleitores formaram-se politicamente em um contexto de normalização do extremismo. Em Portugal, a fundação do Chega em 2019, com a promessa de revogar leis de igualdade de gênero e introduzir a castração química como forma de punição de agressores sexuais, deixou a maioria dos portugueses atônitos. Como é que o país que deu cravos ao mundo poderia parir um partido antidemocrático? Atualmente, já há cinco forças políticas extremistas ou ultraconservadores (Chega, ADN, Alternativa 21, Ergue-te, Nova Direita). O líder do Chega, André Ventura, tem mais tempo de antena nas televisões do que o atual primeiro-ministro e conta com 50 deputados no Parlamento. Se o radicalismo deixou de ser estigmatizado, por que deveriam ser os jovens a fazê-lo?
Mas é arriscado assumir que há um novo alinhamento cultural ou ideológico entre a juventude e a extrema direita. Estatisticamente, os jovens até são mais progressistas e favoráveis à imigração, à descriminalização das drogas, ao aborto e à eutanásia do que os seus pais. O que lhes falta, como dizem os holandeses, é a bestaanszekerheid: uma vida com renda estável e previsível, moradia digna, acesso à educação e à saúde de qualidade. Tal como há 50 anos, a maior aspiração dos jovens é conseguir ser classe média.
Há quem não esteja pessimista. Afinal de contas, o interesse dos eleitores mais jovens por grupos extremistas é mais motivado pela frustração com o presente do que pela nostalgia do passado. Apertam o botão da urna com o dedo do meio. É um voto curtoprazista e não estrutural. Mas não foi sempre assim ao longo da história? No século passado, o apoio popular ao nazismo alemão, ao Estado Novo português, ao franquismo espanhol e ao fascismo italiano nasce da crença que uma nova classe reinante pode amansar os pitbulls da frustração. Nunca foi só ideologia.
Pesquisas recentes indicam que 93% da população brasileira está insatisfeita com a saúde pública (Datafolha), há mais brasileiros considerando que a economia piorou nos últimos meses do que os que enxergam melhora (Datafolha) e 90% afirma que a democracia brasileira tem problemas (Datafolha). Nas eleições municipais de 6 de outubro deste ano vamos torcer para que o bolsonarismo não saia beneficiado da relação causal probabilística.