sexta-feira, 24 de maio de 2024

SALOMÃO XIMENES, CATARINA DE ALMEIDA SANTOS E MIRIAM FÁBIA ALVES - Militarização de escolas põe São Paulo na retaguarda do atraso, FSP

 Salomão Ximenes

Professor da UFABC e membro da Rede Escola Pública e Universidade (Repu)

Catarina de Almeida Santos

Professora da UnB e coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (REPME)

Miriam Fábia Alves

Professora da UFG e presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)

Quem acompanha o debate de políticas educacionais no país sabe bem das dificuldades do consenso quanto aos rumos da educação, decorrente da pluralidade de concepções possíveis sobre os objetivos da escola e sobre os meios de realizá-los.

Apesar da legislação estabelecer as balizas, há uma miríade de interpretações sobre o que significam "qualidade", "gestão democrática", "avaliação" etc. A crítica à crescente militarização da educação básica é um fato raro, pois tem sido capaz de formar consenso no campo, reunindo de um mesmo lado entidades científicas, organizações sindicais e estudantis, filantropia empresarial, ONGs, pesquisadores e educadores que parecem discordar sobre todo o resto.

Choque entra em confronto com estudantes contrários às escolas cívico-militares em São Paulo
Policiais militares entram em confronto com estudantes contrários às escolas cívico-militares em São Paulo, na Alesp, nesta terça (21) - Reprodução/X - Reprodução/Twitter

A opinião consensual de quem estuda e promove seriamente a agenda da educação pública, entretanto, não tem sido capaz de frear eficazmente o processo. O episódio mais recente é a aprovação na Assembleia Legislativa de São Paulo, com urgência, do PLC 9/2024, proposto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e que institui o Programa Escola Cívico-Militar na educação paulista.

A intenção do governo é militarizar cem escolas estaduais a partir de 2025, quando policiais militares da reserva passarão a atuar como monitores e gestores militares nas instituições de ensino. Pelo projeto, os agentes manterão a íntegra das aposentadorias e receberão um adicional pela tarefa, conforme a patente, que pode variar de R$ 6.261,75 a R$ 9.392,62 mensais, pagos com recursos da pasta da Educação. Na celebrada nova carreira do magistério, o salário inicial de um professor categoria "O" é de R$ 5.000.

O projeto autoriza ainda o estado a firmar parcerias com repasse de recursos financeiros a entidades privadas, uma via que já vem sendo ocupada por associações de praças e oficiais da reserva em diferentes estados e municípios. Algumas dessas entidades se especializaram em fornecer pessoal militar terceirizado e em produzir e vender metodologias e materiais didáticos, emulando o enorme mercado de apostilas e sistemas estruturados de ensino que, dispensando licitações, move fortunas no Brasil.

Apesar da retórica de que os militares não ministrarão aulas, é extenso o programa pedagógico da militarização. Dissemina-se doutrina militar corrente nas casernas, em atividades ditas extracurriculares e, sobretudo, no que os estudiosos denominam currículo oculto —ou seja, todas as práticas e normas, ditas e não ditas, que compõem o projeto pedagógico real da escola.

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Assim percebida, a militarização mobiliza tanto o interesse em controlar e incidir no currículo escolar, bloqueando avanços na gestão democrática das escolas e nas agendas de direitos humanos, como os interesses materiais em abocanhar uma parcela do orçamento da educação. A convergência desses interesses junto ao sistema político produz uma miragem, um falso cenário de polarização, como se houvesse posições razoáveis pró e contra a militarização. O que há é um processo de crescente ocupação militar da educação, que viola todas as balizas constitucionais e legais, contando com a omissão de instituições como o Ministério da Educação e o Supremo Tribunal Federal, que têm nas mãos a possibilidade de conter tal extrapolação.

De vanguarda na construção de universidades e escolas que serviram de modelo na educação pública, parece que São Paulo caminha para assumir a retaguarda do maior atraso imaginável na educação brasileira. Entregar a educação pública aos militares é desistir de qualquer possibilidade de democracia, criticidade e inovação.

Luis Fernando Verissimo - A caixinha., OESP

 Discute-se a melhor maneira de punir o presidente Trump por ter incitado a invasão do Congresso e criado as cenas de caos que os americanos não vão esquecer tão cedo. Ele poderia ser processado ou impichado (de novo). Estou escrevendo antes da escolha do castigo. A última notícia que se tem é que Trump estaria trancado no seu quarto na Casa Branca, recusando-se a receber assistentes, amigos e parentes. Do lado de fora da porta, teria se formado uma espécie de comitê que tenta convencê-lo a se entregar ou pelo menos conversar. Trump resiste. A qualquer tentativa de comunicação, ele começa a cantar. Convites para saírem todos dali e irem jogar golfe também são ignorados. Trump só respondeu quando perguntaram se ele precisava de alguma coisa. – Preciso de mais quatro anos de governo.  – Mas o senhor perdeu as eleições.  – Invenção da imprensa sem caráter. Se eu tivesse contado os votos, teria vencido. – O senhor não precisa de mais nada mesmo? Algo para os cabelos? Tintura? Armação?  – Tenho tudo que eu preciso, obrigado. Inclusive a caixinha... – A caixinha? – A caixinha. Com os dois botões. Um dispara foguetes contra a Rússia, o outro dispara foguetes contra o Congresso americano. A revelação de que Trump tem a caixinha dentro do quarto fechado provoca uma correria dentro da Casa Branca. Ele tem a caixinha! Ele tem a caixinha! Ele não tem a caixinha! Alguém viu a caixinha? Perguntam para ele:  – Presidente, o senhor usaria armas nucleares contra a Rússia e o Congresso? – Se me provocarem...  É ESCRITOR, CRONISTA, TRADUTOR, AUTOR DE TEATRO E ROTEIRISTA

Papo com os mortos, Ruy Castro, FSP

 Finalmente uma boa notícia sobre a inteligência artificial. Ela nos permitirá falar com os mortos. Virtualmente, claro, mas o que não é virtual hoje em dia? Bastará fornecer à IA amostras da voz do defunto e dados básicos sobre sua vida para que, através dela, possamos bater um papo com ele, e de viva voz —a sua, pelo menos.

Não está claro se o falecido terá de se limitar a assuntos de que participou em vida ou se poderá falar de fatos decorridos após sua morte. Se valer a segunda hipótese, será espetacular, porque as primeiras perguntas que todos lhe faremos serão aquelas nunca respondidas. Uma, "existe vida depois da morte?". E a outra, "existe Deus?". Esta última foi feita em 1966 a um supercomputador daquele tempo, e ele respondeu: "Agora existe." Que convencido!

De minha parte, eu me contentaria com dúvidas nunca bem esclarecidas sobre algumas pessoas. Por exemplo, eu convocaria o querido Garrincha, cracaço do Botafogo e da seleção, e lhe perguntaria: "Mané, é verdade que, como dona Rosa, sua irmã, me contou, você torcia pelo Flamengo?". Se a resposta for sim, eu emendaria: "Então por que aquela insistência em massacrar o Flamengo sempre que você o enfrentava?". Eu perguntaria também ao nosso maior oráculo, Nelson Rodrigues: "Nelson, o que você acha do politicamente correto?". Ele provavelmente responderia: "É uma invenção de imbecis de todos os sexos".

Como ainda se sabe pouco sobre as grandes mulheres do passado, eu chamaria algumas santidades unânimes, como madame Curie, Madre Teresa de Calcutá, Helen Keller, Mãe Menininha do Gantois e a princesa Isabel. Ou, pensando bem, mulheres com cabelinho nas ventas, como Aracy de Almeida, Eugenia Alvaro Moreyra, Dercy Gonçalves, Mata Hari e a Fera da Penha.

E, num rasgo de coragem, chamaria a mim mesmo depois de morto. Apenas para perguntar: "E aí? Apesar de ateu, fui pro céu?".

Garrincha (à esq.) enfrenta o lateral Itamar em partida do Botafogo contra o América, em 1964 - Acervo UH/Arquivo do Estado/Folhapress