terça-feira, 21 de maio de 2024

O país do PT versus a pátria dos brasileiros, Aécio Neves - FSP

 


Aécio Neves

Deputado federal (PSDB-MG), é presidente do Instituto Teotônio Vilela; ex-senador (2011-18), ex-governador de Minas Gerais (2003-10) e candidato à Presidência da República em 2014

Nas últimas semanas, os brasileiros se uniram num gigantesco sentimento de solidariedade em torno dos nossos irmãos do Rio Grande do Sul. São sentimentos assim, em torno de uma causa, que transformam um país em pátria.

tragédia do Sul, pela sua dimensão, poderia ter sido o início de um verdadeiro e profundo movimento de união nacional. Mas, na verdade, a máxima política —e defeito orgânico atávico do lulopetismo, que floresceu em diferentes episódios da história (de que, entre o PT e o Brasil, o PT sempre fica com o PT)— mostrou que continua mais viva do que nunca.

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Lula e o ministro Paulo Pimenta durante evento no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 8 abr.2024/Folhapress - Folhapress

A decisão do presidente da República de nomear um militante do seu partido com notórias pretensões políticas para, dentre outras funções, cuidar "da articulação entre governos federal, estadual e municipais do Rio Grande do Sul; da interlocução com a sociedade civil (...)", atribuições constitucionais do governador eleito, se configura em evidente intervenção no estado sem previsão legal —e, o que é mais grave, com previsíveis consequências na gestão da crise.

O presidente Lula, com esse gesto, perde a oportunidade de incorporar o estadista que vinha sonhando ser, e que o momento aguardava, para contentar-se com o papel de líder do seu governo ou apenas do seu grupo político.

Mesmo nas tragédias, a vida costuma oferecer aos homens públicos algumas oportunidades que o presidente parece não ter percebido ao visitar o equívoco do Narciso, que acha feio tudo que não é espelho, demonstrando estar mais preocupado com a visibilidade das suas ações do que com sua real efetividade, confundindo obrigações e responsabilidades do Estado nacional com mera benemerência pessoal.

Assim, na prática, reforça o que diz querer combater —o insano antagonismo entre brasileiros.

Como "pau que dá em chico dá em Francisco", imaginem se o então presidente Jair Bolsonaro houvesse nomeado em alguns estados ministros interventores durante outra grande tragédia nacional, a pandemia de Covid-19. Isso seria aceitável? Ou se um próximo presidente viesse a criar um Ministério Extraordinário da Defesa para cuidar da tragédia da segurança pública na Bahia, nomeando para comandá-lo o principal adversário político do governador eleito. Isso seria razoável?

A pergunta que se faz hoje em diversos ambientes é: se o governador do Rio Grande do Sul fosse do PT, a mesma medida teria sido tomada pelo presidente?

Num momento em que a solidariedade precisa se traduzir em medidas práticas e urgentes em favor da população do RS, que dependem da articulação de todas as instâncias governamentais, cria-se uma divisão e uma disputa de poderes onde não deveria haver.

Não é difícil imaginar os conflitos e atrasos desnecessários que a criação desse poder paralelo pode trazer.

O texto da Constituição de 1988, que teve o voto contrário do PT e do seu então líder na Câmara, Luiz Inácio Lula da Silva, enuncia na primeira parte de seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal. Extrai-se daí o denominado princípio federativo.

Em um Estado federado como o nosso, o poder se reparte no espaço territorial, gerando uma multiplicidade de organizações governamentais autônomas, distribuídas regionalmente e que, portanto, não podem ser violentadas por um imprudente ato presidencial.

Por tudo isso, o Congresso Nacional deverá se debruçar cuidadosamente sobre a medida provisória 1.220, que, a meu ver, não deveria sequer ter sido aceita por sua flagrante inconstitucionalidade, para avaliar, dentre outros efeitos, os perigosos precedentes que ela cria.

O presidente Lula cumprimenta o governo Eduardo Leite (PSDB-RS) em Santa Maria - Rcardo Stucker/PR/AFP

Infelizmente, entre o projeto político do PT e o eficaz enfrentamento da tragédia, o presidente e seu governo optaram pelo primeiro.

Que tenhamos força e desprendimento para superar as diferenças e os equívocos, garantindo que o interesse da população do Rio Grande do Sul seja a única prioridade.

No fundo, poucos se importam com a mudança climática, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 "Estudos alertaram, mas o governo também vive outras agendas", respondeu Eduardo Leite quando indagado sobre a falta de investimentos para o combate de enchentes no Rio Grande do Sul, cuja necessidade já era apontada por estudos. A sinceridade brutal que ele mostrou ali cobra seu preço, mas seria verdadeira em diversos estados brasileiros. Estamos mal adaptados à mudança climática.


No discurso, ela é prioridade para variados lados do espectro ideológico. A real divisão atual entre liberais e a esquerda é se o Estado, ao incorporar essa agenda ambiental, tem que fazer escolhas e priorizar o que é mais importante ou se pode simplesmente gastar mais sem nenhum limite a cada nova necessidade que se apresenta. Mas isso é uma discussão teórica.

Eldorado do Sul, que fica há 12 km da capital gaúcha, é uma das cidades mais afetadas pela cheia do lago Guaíba, com 80% da população atingida - Bruno Santos - 17.mai.2024/Folhapress

Na prática a coisa é bem diferente. A insuficiência de investimentos é geral. Bahia e Minas em 2021 e 2022, Pernambuco em 2023, Rio Grande do Sul em 2024. Isso vale tanto para investimentos que mitiguem o impacto de eventos climáticos extremos quanto para tecnologias que deixem de contribuir com (ou até revertam) os processos destrutivos que tornam esses eventos cada vez mais frequentes.

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e com passagem pelo governo federal, narrou, em sua conta no X, como o Programa Brasil 2040 —que previu o aumento de chuvas no Sul e propunha adaptações às mudanças climáticas no governo Dilma— foi simplesmente cortado em 2015, entre outros motivos por apontar a burrice de projetos como Belo Monte. Parece que pouca coisa mudou. O novo PAC do governo Lula destina 1,5% do seu R$ 1 trilhão à prevenção de desastres.

A agenda ambiental mais ampla também parece alheia às grandes discussões de política econômica, que passam pelo estímulo à compra de automóvel e pelo subsídio da Petrobras ao preço da gasolina. A boa notícia é que temos, depois de longa sabotagem (do governo Dilma até Bolsonaro) um Ministério do Meio Ambiente comprometido com a redução do desmatamento na Amazônia. Se o resto do governo não cooperar, contudo, será insuficiente.

A real cara da emergência climática não são os eventos apocalípticos de Hollywood que destroem o mundo inteiro de uma vez. É a frequência cada vez maior de enchentes que alagam cidades, secas que destroem plantações, incêndios florestais que se prolongam, desertificação de solos, picos de calor e frio que prejudicam a saúde etc. A vida humana não será extinta, mas ficará gradualmente mais cara, mais precária e mais brutal, especialmente para quem vive na base da pirâmide social e não tem como se proteger.

É quase inacreditável que esse tema não tenha mais centralidade no Brasil. Temos em nosso território 60% da selva amazônica, a maior biodiversidade do mundo, o maior volume de água doce do mundo. Nosso agro depende diretamente do clima e do regime de chuvas que essas condições propiciam. Nossa matriz elétrica é relativamente limpa, e só de manter as florestas de pé já ajudamos o esforço global.

O Brasil, sozinho, não tem como combater as mudanças climáticas. Por isso deveria tomar o protagonismo no tema e deixar de se perder em ruídos sobre guerras com as quais não estamos envolvidos (e nas quais temos ficado do lado errado). Se o mundo pagar o que deve pelo esforço brasileiro de preservar nossa Amazônia, poderemos inclusive investir mais na adaptação para desastres futuros.

Enquanto isso, aqui dentro, liberais, desenvolvimentistas, esquerdistas, direitistas, deveriam todos se unir em torno de um novo consenso de que a agenda ambiental é não só uma prioridade global como uma oportunidade para o Brasil.