quarta-feira, 15 de maio de 2024

Mauricio Stycer - E se for tudo mentira?, FSP

 Numa indústria totalmente submetida à lei da oferta e da procura, como o audiovisual, um dos produtos mais vendidos hoje é o que promete contar "uma história real". O interesse do público por séries, filmes ou podcasts que trazem esse selo não dá sinais de diminuir. Ao contrário. É uma onda em alta.

Cena da série 'Only Murders in the Building'
Cena da série 'Only Murders in the Building' - Divulgação


Tão em alta que a própria indústria já está rindo, com o sucesso, de si mesma. A série "Only Murders in the Building" (Star+), lançada em 2021, foi a primeira a fazer piada com a mania americana pelos podcasts de "true crime". A quarta temporada tem previsão de estreia em agosto.


Esta semana, chegou por aqui "Baseado em uma História Real" (Globoplay), outra série que ri dessa mesma obsessão. Sem a sofisticação do programa protagonizado por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez, a nova série conta a história de um casal falido que decide produzir um podcast sobre um serial killer com a ajuda do próprio criminoso.

Protagonizada por Kaley Cuoco (a musa de "The Big Bang Theory"), a série tripudia sobre a ideia de que o selo "baseado em uma história real", de fato, é um atestado de autenticidade que confere um valor a mais às produções ficcionais.

Cena da série 'Baseado numa História Real'
Cena da série 'Baseado numa História Real' - Divulgação


Matt, o dublê de encanador e serial killer, vivido por Tom Batteman, reclama a certa altura que a edição do podcast não está fazendo justiça ao seu talento como assassino: "Não parece autêntico. Não parece real. Tenho que proteger a minha marca".

Grande sucesso do mês passado, "Bebê Rena" (Netflix) deve muito da sua repercussão ao compromisso anunciado logo na abertura. Não é uma série "baseada" ou "inspirada" em fatos reais. A promessa de Richard Gadd, autor e protagonista da trama, é mais enfática: "Esta é uma história verdadeira".

No papel de Donny, Gadd relata ter vivido duas histórias dramáticas tipificadas como crimes, o assédio e perseguição praticados por Martha, uma mulher apaixonada, e o abuso sexual cometido por um homem chamado Darrien.


Uma semana após o lançamento, aparentemente assustado, Gadd pediu aos fãs que parassem de "investigar" quem seriam os verdadeiros autores dos crimes. Na semana passada, Fiona Harvey, a suposta "Martha da vida real", como foi apresentada, deu uma entrevista negando que tenha perseguido Gadd. Segundo ela, a caracterização da personagem na série prejudicou a sua vida.

A história contada em "Bebê Rena", o pedido de Gadd, a entrevista de Fiona: e se for tudo baseado em fatos irreais? Não seria mais interessante?

Ryan Murphy, na recém-lançada "Capote vs the Swans" (Star+), lidou melhor com essa situação. Baseada em um livro, "Capote´s Women", de Laurence Leamer, que promete contar "uma história verdadeira de amor e traição", a sua série toma várias liberdades e encena inúmeras situações totalmente ficcionais.

"Capote vs the Swans" chegou à TV americana no final de janeiro. Ao longo dos meses seguintes, cada episódio lançado foi submetido a uma espécie de "detector de mentiras" pela imprensa especializada em chiques e famosos.


Atenção, spoiler: dois dos melhores episódios são totalmente inspirados em fatos irreais. No terceiro, Murphy apresenta um baile que Capote de fato organizou em Nova York como se fosse um documentário dos irmãos Maysles, criadores do chamado "cinema direto". Esse doc não existe. Na vida real, a dupla fez um filme sobre a repercussão de "A Sangue Frio", o livro mais famoso de Capote.

O sexto episódio relata um dia inteiro em que o escritor James Baldwin passou em companhia de Capote em Nova York, tentando convencê-lo da importância do seu trabalho como escritor. Segundo os checadores de notícias, esse encontro nunca ocorreu. Ainda há espaço para a ficção, ufa!

Especialistas criticam falta de manutenção em sistema antienchente de Porto Alegre, FSP

 Francisco Lima Neto

SÃO PAULO

Um grupo de 11 especialistas afirma que o sistema de proteção contra inundações e de drenagem pluvial de Porto Alegre não funcionou por falta de manutenção adequada. Os profissionais avaliam que o mecanismo deveria ter sofrido intervenções depois da última inundação, sete meses atrás.

As informações constam em manifesto direcionado à população da capital gaúcha e elenca medidas a serem tomadas de forma emergencial e outras a serem implementadas depois que as águas baixarem.

De acordo com os profissionais, o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre é "robusto, eficiente e fácil de operar e manter", mas que não recebeu manutenção e nem foi ampliado como poderia.

Imagem aérea de Porto Alegre - Maurício Tonetto - 14.mai.2024/Secom

Construído para prevenir catástrofes como a enchente de 1941, o sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre é composto por 68 km de diques de terra; 2,65 km de muro na avenida Mauá, no centro da cidade; 14 comportas e diversas casas de bomba espalhadas pelo município.

"Ao longo do sistema existem 23 casas de bombas, que também possuem comportas. Esse sistema, quando totalmente fechado impede o extravasamento das águas sobre a cidade. Impede a inundação até a cota de 6 m acima do mar", traz trecho do manifesto.

A água é retirada da cidade por meio do bombeamento das casas de bombas, diques internos e condutos forçados (dutos que levam as águas para o Guaíba em dutos completamente fechados desde pontos mais altos). Ou seja, os dois sistemas –de proteção contra inundações e de drenagem– precisam funcionar de forma integrada, segundo os especialistas.

De acordo com o grupo, os sistemas vazam ou não funcionam adequadamente por falta de manutenção.

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"Não tem a necessária manutenção permanente, especialmente em relação às comportas, tanto ao longo do muro e abaixo da av. Castelo Branco, bem como as comportas junto às casas de bombas. Os diques e os muros não vazam. Os vazamentos estão em boa parte das comportas sem manutenção", afirma.

Os especialistas afirmam que as deficiências ficaram visíveis na inundação de setembro de 2023.

"No ano passado, quando o sistema foi acionado, durante as inundações com início no Vale do Taquari e que também inundaram a região metropolitana, as deficiências nas comportas ficaram visíveis, fáceis de serem sanadas, mas não foram. As próprias casas de bombas, bem como as estações de bombeamento de Água Bruta estão inundadas", ressaltam.

Os especialistas dizem que é preciso fechar os vazamentos nas comportas para evitar a entrada e o retorno da água do Guaíba, recompor os condutos forçados e bombear a água da inundação de Porto Alegre para o Guaíba por meio das casas de bombas ou outra forma.

Eles elencam as seguintes medidas emergenciais:

  1. Com uso de mergulhadores, vedar as comportas do muro e a av. Castelo Branco com sacos permeáveis à entrada de água, preenchidos com areia misturada com cimento, borrachas e parafusos. A prioridade seria a comporta 14, que invadiu o bairro Navegantes;
  2. Também com mergulhadores, vedar as comportas e colocar ensecadeiras nas casas de bombas com "stoplogs", elementos de controle de engenharia hidráulica que são usados para ajustar o nível de água, solda sub-aquática e bolsas infláveis de vedação;
  3. Vedar hermeticamente as tampas violadas dos condutos forçados Polônia e Álvaro Chaves;
  4. Com as casas de bombas secas e protegidas por ensecadeiras, reenergizá-las eletricamente, o que pode ser realizado com redes paralelas de cabos isolados pela concessionária de energia. Se não for possível, geradores movidos a combustível;
  5. Caso não seja possível operar imediatamente as casas de bombas, utilizar bombas volantes de grande vazão para drenar o centro histórico e os bairros da região norte da cidade.

O grupo de profissionais também indicou as seguintes ações a serem implementadas depois que as águas baixarem:

  1. O DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto) necessita imediatamente consertar e, se necessário, realizar eventuais substituições das comportas do sistema de proteção contra inundações;
  2. Regularizar o funcionamento das casas de bombas;
  3. Retomar o Plano de Desenvolvimento da Drenagem Urbana, elaborado desde 1998;
  4. Completar, aperfeiçoar e manter o Sistema de Drenagem Urbana, manter e aperfeiçoar permanentemente o Sistema de Proteção contra inundações;
  5. Estudar a ampliação e o aperfeiçoamento, a nível estadual, de alternativas para os sistemas de proteção contra inundações, em especial, a região metropolitana de Porto Alegre.