sexta-feira, 10 de maio de 2024

‘Antibiótico’ fiscal, trava a supersalários e decisão do BC: veja destaques da entrevista de Haddad, OESP

 BRASÍLIA - Em entrevista ao Estadão/Broadcast em seu gabinete no quinto andar do Ministério da Fazenda, Fernando Haddad sinalizou nesta quinta-feira, 9, que a pasta seguirá focada no ajuste fiscal pelo viés da arrecadação. O chefe da equipe econômica disse que foi feita “uma primeira faxina grossa” nos chamados jabutis tributários e deixou claro que a caça seguirá firme, mas sem antecipar as novas medidas no radar.

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O temor é atiçar os lobbies no Congresso Nacional. “É algo que não se pode antecipar. É igual cartela de antibiótico, você vai administrando uma a cada seis horas, porque se você mandar toda a cartela para o Congresso, é capaz de devolverem”, disse Haddad.

Segundo ele, os verdadeiros campeões nacionais “estão no Orçamento e não no BNDES”. “Nós estamos pagando juros absurdos para rolar a nossa dívida para privilegiar setores que têm acesso privilegiado ao Congresso Nacional. Isso não é razoável”, disse.

Haddad destaca 'faxina grossa' feita nos jabutis tributários
Haddad destaca 'faxina grossa' feita nos jabutis tributários Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O ministro se mostrou satisfeito com o resultado dessa primeira faxina e antecipou que a arrecadação do mês de abril, ainda não divulgada pela Receita Federal, veio acima do projetado pela Fazenda. Mas essas medidas terão fôlego no médio prazo? “Vamos acompanhar”, responde.

Questionado sobre o ajuste pelo lado da despesa, o ministro repetiu, em diferentes momentos da conversa, que o arcabouço fiscal já trava o aumento do gasto. No caso, em 2,5% acima da inflação. Também disse não ver “muito espaço” para o governo discutir a desvinculação do reajuste das aposentadorias em relação à correção do salário mínimo, conforme sua colega, a ministra do PlanejamentoSimone Tebet, propôs debater.

Já sobre uma eventual mudança de indexador dos pisos da educação e saúde, que voltaram a ser atrelados ao desempenho da receita, Haddad deu um recado importante: é uma “decisão política”. Segundo ele, o governo terá mais clareza sobre o quanto essas despesas estão comprimindo as demais no fechamento do próximo Orçamento.

Em relação à reforma administrativa do governo Lula, que ainda não saiu do papel, o ministro disse que o pontapé inicial deveria ser dado por meio dos supersalários. Ele defendeu colocar travas na Constituição para limitar o pagamento de auxílios que atualmente driblam o teto constitucional do salário do funcionalismo, hoje fixado em R$ 41,6 mil mensais.

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“Se ficar só no projeto de lei, amanhã alguém muda”, disse Haddad, em referência ao projeto que trata do tema e está há três anos parado no Senado Federal. A mesma Casa que vem debatendo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio, que aumenta os gastos com o Judiciário. Segundo Haddad, trata-se de um expediente indefensável.

Na seara monetária, ele rejeitou uma leitura política à divisão exposta no Comitê de Política Monetária (Copom) sobre o corte da taxa de juros. De um lado, os quatro indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram por uma redução de 0,50 ponto porcentual. Do outro lado, cinco que estavam no BC antes da chegada de Lula optaram por um corte menor, de 0,25.

O racha gerou desconfiança entre investidores e analistas, que veem risco de que o próximo presidente da instituição, a ser nomeado por Lula ainda neste ano, seja tolerante com a inflação para não bater de frente com os interesses do Palácio do Planalto.

“Não tem uma bancada bolsonarista e uma bancada lulista no BC”, afirmou Haddad. O ministro também rebateu os temores de que a divergência possa suscitar dúvidas sobre a autonomia da autoridade monetária. Para ele, é uma “leitura superficial e ideológica”.

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Após idas e vindas, o ministro anunciou, no fim da entrevista, que caminhava para fechar um acordo com os 17 setores atendidos pela política de desoneração da folha de pagamentos, que empregam mais de 9 milhões de pessoas. Neste ano, as empresas seguirão desoneradas. A cobrança da contribuição que incide sobre os salários recomeçará em 2025 e seguirá crescente até 2028, quando o benefício acabará.

As companhias, que estavam pressionadas pela data do dia 20 de maio, quando a cobrança integral seria retomada, avaliam que “não foi a situação ideal, mas a possível”.

A fórmula foi negociada pela Fazenda com representantes dos setores nos últimos dias, após o governo recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o programa ― irritando o Congresso e o empresariado. O ministro Cristiano Zanin concedeu liminar suspendendo a desoneração e a cobrança era iminente.

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Após a entrevista, o ministro formalizou o acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em relação aos municípios, a pendência segue, e Haddad disse que enxerga uma solução fora da desoneração sobre os salários. Uma reunião será realizada na próxima segunda-feira.

Custo do trabalho: empresas pagam em encargos mais de 100% do valor dos salários no Brasil, OESP


BRASÍLIA - Os encargos trabalhistas custeados pelas empresas no Brasil superam os salários pagos para os empregados. De acordo com estudo do professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) José Pastore, o custo chega a 103,7% das remunerações.

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O cálculo considera tudo que as empresas gastam com obrigações sociais, entre elas as contribuições para a Previdência, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e salário educação, e despesas com o tempo em que o empregado não está trabalhando, como férias e décimo terceiro salário.

Para a contratação de um trabalhador com salário de R$ 2.287 na indústria — remuneração média para um indivíduo com ensino médio completo — as empresas gastam R$ 2.371,62 com encargos.

Trabalhador em indústria de calçados em Franca (SP).
Trabalhador em indústria de calçados em Franca (SP). Foto: Jf Diorio/Estadão

Pastore observa que praticamente todos os custos são fixos e compulsórios. Na prática, os encargos representam um bloqueio à expansão do emprego formal e ao aumento de salários, além de um estímulo ao emprego informal. “O Brasil fica, assim, numa situação em que os trabalhadores ganham pouco e custam muito”, diz o especialista.

Tributação perto da carga máxima de países da OCDE

Considerando apenas os impostos sobre os salários e contribuições à seguridade social, a tributação no Brasil está perto da carga máxima cobrada em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme levantamento do Estadão com dados de 42 nações divulgados pela instituição.

As empresas brasileiras pagam 25,8% de impostos sobre os salários dos empregados e contribuições à seguridade social, segundo a organização. Em uma relação de 42 membros da OCDE e economias parceiras, a tributação fica atrás apenas da França e supera a de países ricos e desenvolvidos como Estados UnidosReino Unido e Alemanha (veja o mapa abaixo).

É como se o Brasil cobrasse o mesmo nível ou até mais impostos do que países com renda mais alta e com maior produtividade. Para especialistas, uma tributação alta limita a criação de empregos formais e é uma das explicações para o nível de informalidade dos empregados e para o fenômeno conhecido como “pejotização” (contratação excessiva de serviços sem vínculo empregatício).

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A comparação foi feita com dados de 2019, último ano em que a OCDE publicou dados sobre o Brasil. Os índices mais recentes, divulgados em 2023 e restritos a membros da organização, têm variações menores que um ponto porcentual e não alteram o cenário. O número não inclui tributação sobre a renda, impostos pagos diretamente pelo trabalhador e encargos sobre férias e décimo terceiro salário.

Em comparação ao salário médio dos trabalhadores, o que se cobra no Brasil (25,8%) fica acima da média dos países membros da OCDE (13,8%) e de nações ricas como Alemanha (16,5%), Reino Unido (9,8%), Estados Unidos (7,6%), além de países em desenvolvimento como China (22,1%) e México (10,4%). Alguns países, como Nova Zelândia e Chile, não cobram impostos sobre a folha salarial, mas focam em cobrar tributos sobre a renda do trabalhador.

“Em termos relativos, os encargos trabalhistas no Brasil são semelhantes aos de países desenvolvidos que têm mercado de trabalho mais regulado, superiores aos países desenvolvidos mais liberais e aos da maioria dos países em desenvolvimento para os quais se dispõe dessa informação”, afirma o consultor do Senado Federal e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Luiz Ricardo Cavalcante. Ele observa que a tributação no Brasil se dá sobre salários mais baixos que em outros países, mas que ainda superam países como China Índia.

Segundo o economista Robson Gonçalves, professor do MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), a carga sobre os salários no Brasil fica entre 55% a 60% quando são somados custos como o décimo terceiro salário e as contribuições para o sistema S.

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“O oneração da folha é um dos vetores do Custo Brasil. Produzir e empregar no Brasil é caro e não deveria ser. Deveríamos ter oneração sobre o consumo e a renda, não sobre a produção e a geração de emprego”, diz Gonçalves. “A oneração pode pressionar algumas empresas a precarizar e sonegar, adotando uma conduta de fugir dessa oneração por meio da informalidade.”

Entenda a desoneração da folha

No Brasil, empresas de 17 setores da economia contam com desoneração da folha salarial, pagando impostos menores sobre a Previdência Social. A desoneração foi criada em 2011, no governo Dilma Rousseff, tendo sido prorrogada em todos os governos posteriores.

A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida por milhares de empresas que empregam mais de nove milhões de pessoas.

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No ano passado, a Câmara e o Senado aprovaram a prorrogação do benefício, até 2027, por ampla maioria: na Câmara, foram 430 votos favoráveis e 17 contrários; enquanto que no Senado o tema foi aprovado em 10 minutos, por meio de votação simbólica.

Na sequência, a lei foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado por placares igualmente folgados. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, e 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.

Na virada do ano, o governo editou uma Medida Provisória limitando o benefício fiscal. A alíquota menor ficaria restrita a trabalhadores que ganham um salário mínimo, com redução gradual até 2027.

As negociações com o Congresso então recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta original do Congresso. O projeto não avançou, e o governo passou por cima da decisão do parlamento e recorreu ao STF.

O relator, ministro Cristiano Zanin, acatou a ação protocolada pelo governo e suspendeu a desoneração. O julgamento, no entanto, foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux, que tem até 90 dias para devolver o processo. Até a suspensão, havia cinco votos favoráveis ao governo — ou seja, faltava apenas um para formação de maioria.

Nesta quinta-feira, 9, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmaram que fecharam um acordo sobre a tributação dos 17 setores econômicos atendidos pela política de desoneração da folha de pagamentos.

Pelo acordo, as empresas não serão tributadas neste ano, e um escalonamento da cobrança começará a valer no ano que vem e se estenderá até 2028. A tributação sobre a folha de pagamentos do 13º salário só ocorrerá no último ano.

Veja os 17 setores afetados

  • Confecção e vestuário;
  • Calçados;
  • Construção civil;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Empresas de construção e obras de infraestrutura;
  • Couro;
  • Fabricação de veículos e carroçarias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • TI (tecnologia da informação);
  • TIC (tecnologia de comunicação);
  • Projeto de circuitos integrados;
  • Transporte metroferroviário de passageiros;
  • Transporte rodoviário coletivo;
  • Transporte rodoviário de cargas.