23 de março de 2022 | 05h55
Caro leitor,
A filiação do ex-governador Geraldo Alckmin ao PSB, nesta quarta-feira, 23, é o primeiro passo de um enredo político que prevê a entrada do antigo adversário como vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto. De “picolé de chuchu” sem sal, Alckmin foi promovido ao patamar de “nova Carta ao Povo Brasileiro” para Lula. É o avalista que pode atrair a centro-direita, mas sabe que terá de cumprir o protocolo para inglês ver e passar pelo “crivo” do PT.
Embora esse “debate” sempre acabe com a vitória de Lula, é bem possível que o ex-tucano entre no jogo sob caneladas de uma ala do partido. Nesta quinta-feira, 24, por exemplo, ocorrerá uma reunião do Diretório Nacional por videoconferência. O primeiro item da pauta é justamente “Conjuntura e Tática eleitoral”. Não haverá votação sobre a aliança nesse momento, uma tarefa que sempre fica para o Encontro do PT, mais adiante. Mesmo assim, a chamada esquerda petista – ou os radicais do partido, como se dizia em um passado não muito distante – não ficará calada.
“Não vejo por que não buscar uma mulher para vice”, disse o deputado Rui Falcão (SP), ex-presidente do PT. “São elas as que mais apoiam Lula e rejeitam Bolsonaro”, argumentou.
Para Falcão, o ex-presidente também não precisa de uma nova Carta ao Povo Brasileiro. O documento serviu para acalmar o mercado, na campanha de 2002, com o compromisso assumido pelo então candidato de não dar calote na dívida nem rasgar contratos. “O momento é outro e, além disso, o governo Lula não teve nenhum radicalismo. Nem o da Dilma. Ao contrário. Deveria ter tido muito mais”, insistiu o deputado.
Em artigo publicado na última sexta-feira no site Página 13, da corrente Articulação de Esquerda, o dirigente Valter Pomar ironizou a filiação de Alckmin ao PSB. “O ex-governador Geraldo Alckmin era “social-democrata”, virou “socialista”, mas continua sendo neoliberal”, escreveu Pomar. “Assim como muitos dos “progressistas” e dos “democratas”, por fora bela viola, por dentro pão bolorento.”
Dono de um estilo que até amigos definem como “linguagem de horóscopo”, sob medida para agradar a qualquer interlocutor, Alckmin tem dito a aliados que não se importa com os ataques na seara petista. Tanto que já vestiu o figurino de vice e tem anotado colaborações para o programa de governo. Os apontamentos são sempre feitos em um caderno universitário, costume que carrega desde os tempos de prefeito em Pindamongaba (SP), cidade onde também perdeu a eleição presidencial para Jair Bolsonaro, em 2018.
Apesar das divergências históricas com o PT, a cúpula do partido calcula que Alckmin ajuda não apenas Lula como o ex-prefeito Fernando Haddad, candidato ao governo de São Paulo. O raciocínio é o de que, ao sair do tradicional “nós com nós mesmos”, a chapa passa a imagem de frente ampla e de união entre diferentes para superar um “mal maior” – no caso, Bolsonaro –, em nome da governabilidade.
“Prepare as pernas porque nós vamos percorrer esse Brasil”, disse Lula a Alckmin, recentemente, sem dar ouvidos aos críticos da dobradinha.
Na avaliação do ex-chanceler Aloysio Nunes (PSDB), chamado por Lula para conversar sobre cenários políticos, Alckmin é um símbolo importante na aliança. “Trata-se de uma indicação de que, se Lula for eleito, poderá fazer um governo tão amplo como os graves problemas que terá de enfrentar”, afirmou o tucano. “Ele quer um mutirão, mas isso não basta. É preciso explicitar com mais clareza qual seria o perfil desse governo amplo.”
Se Alckmin já estava com a orelha fervendo antes da filiação ao PSB, agora, então, nem se fala. Em 2002, o empresário José Alencar – então candidato a vice na chapa de Lula – foi vaiado na convenção do PT. Militantes fantasiados com nariz de palhaço ajudaram a fazer barulho. “Aumenta o som!”, gritava o marqueteiro Duda Mendonça para a produção, na tentativa de abafar o protesto. Alencar era do PL de Valdemar Costa Neto, que foi preso e condenado após o escândalo do mensalão e agora apoia Bolsonaro.
Vinte anos depois, Alckmin não enfrenta a mesma resistência vivida por Alencar, dissipada depois no governo, quando ele adotou a defesa da queda dos juros como mantra. Ninguém garante, porém, que o ex-governador escape das vaias numa convenção do PT. Mas é só aumentar o som.