quarta-feira, 23 de março de 2022

Como Alckmin foi promovido de 'picolé de chuchu' a fiador de Lula, OESP

 

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

23 de março de 2022 | 05h55

Caro leitor,

A filiação do ex-governador Geraldo Alckmin ao PSB, nesta quarta-feira, 23, é o primeiro passo de um enredo político que prevê a entrada do antigo adversário como vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto. De “picolé de chuchu” sem sal, Alckmin foi promovido ao patamar de “nova Carta ao Povo Brasileiro” para Lula. É o avalista que pode atrair a centro-direita, mas sabe que terá de cumprir o protocolo para inglês ver e passar pelo “crivo” do PT.

lula alckmin
Alckmin e Lula durante jantar em São Paulo em dezembro de 2021; ex-tucano se filia ao PSB nesta quarta-feira, 23. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Embora esse “debate” sempre acabe com a vitória de Lula, é bem possível que o ex-tucano entre no jogo sob caneladas de uma ala do partido. Nesta quinta-feira, 24, por exemplo, ocorrerá uma reunião do Diretório Nacional por videoconferência. O primeiro item da pauta é justamente “Conjuntura e Tática eleitoral”. Não haverá votação sobre a aliança nesse momento, uma tarefa que sempre fica para o Encontro do PT, mais adiante. Mesmo assim, a chamada esquerda petista – ou os radicais do partido, como se dizia em um passado não muito distante – não ficará calada.

“Não vejo por que não buscar uma mulher para vice”, disse o deputado Rui Falcão (SP), ex-presidente do PT. “São elas as que mais apoiam Lula e rejeitam Bolsonaro”, argumentou.

Para Falcão, o ex-presidente também não precisa de uma nova Carta ao Povo Brasileiro. O documento serviu para acalmar o mercado, na campanha de 2002, com o compromisso assumido pelo então candidato de não dar calote na dívida nem rasgar contratos. “O momento é outro e, além disso, o governo Lula não teve nenhum radicalismo. Nem o da Dilma. Ao contrário. Deveria ter tido muito mais”, insistiu o deputado.

Em artigo publicado na última sexta-feira no site Página 13, da corrente Articulação de Esquerda, o dirigente Valter Pomar ironizou a filiação de Alckmin ao PSB. “O ex-governador Geraldo Alckmin era “social-democrata”, virou “socialista”, mas continua sendo neoliberal”, escreveu Pomar. “Assim como muitos dos “progressistas” e dos “democratas”, por fora bela viola, por dentro pão bolorento.”

Dono de um estilo que até amigos definem como “linguagem de horóscopo”, sob medida para agradar a qualquer interlocutor, Alckmin tem dito a aliados que não se importa com os ataques na seara petista. Tanto que já vestiu o figurino de vice e tem anotado colaborações para o programa de governo. Os apontamentos são sempre feitos em um caderno universitário, costume que carrega desde os tempos de prefeito em Pindamongaba (SP), cidade onde também perdeu a eleição presidencial para Jair Bolsonaro, em 2018.

Apesar das divergências históricas com o PT, a cúpula do partido calcula que Alckmin ajuda não apenas Lula como o ex-prefeito Fernando Haddad, candidato ao governo de São Paulo. O raciocínio é o de que, ao sair do tradicional “nós com nós mesmos”, a chapa passa a imagem de frente ampla e de união entre diferentes para superar um “mal maior” – no caso, Bolsonaro –, em nome da governabilidade.    

“Prepare as pernas porque nós vamos percorrer esse Brasil”, disse Lula a Alckmin, recentemente, sem dar ouvidos aos críticos da dobradinha.

Na avaliação do ex-chanceler Aloysio Nunes (PSDB), chamado por Lula para conversar sobre cenários políticos, Alckmin é um símbolo importante na aliança. “Trata-se de uma indicação de que, se Lula for eleito, poderá fazer um governo tão amplo como os graves problemas que terá de enfrentar”, afirmou o tucano. “Ele quer um mutirão, mas isso não basta. É preciso explicitar com mais clareza qual seria o perfil desse governo amplo.”

Se Alckmin já estava com a orelha fervendo antes da filiação ao PSB, agora, então, nem se fala. Em 2002,  o empresário José Alencar – então candidato a vice na chapa de Lula – foi vaiado na convenção do PT. Militantes fantasiados com nariz de palhaço ajudaram a fazer barulho. “Aumenta o som!”, gritava o marqueteiro Duda Mendonça para a produção, na tentativa de abafar o protesto. Alencar era do PL de Valdemar Costa Neto, que foi preso e condenado após o escândalo do mensalão e agora apoia Bolsonaro.

Vinte anos depois, Alckmin não enfrenta a mesma resistência vivida por Alencar, dissipada depois no governo, quando ele adotou a defesa da queda dos juros como mantra. Ninguém garante, porém, que o ex-governador escape das vaias numa convenção do PT. Mas é só aumentar o som.  

Elio Gaspari - Bolsonaro precisa de Lula, FSP

 


Há um novo Bolsonaro na praça. É muito parecido com os anteriores, mas tem a marca do candidato. Abandonou algumas causas perdidas, parou de falar das vacinas e esqueceu a cloroquina. Tenta se dissociar do aumento dos combustíveis: "Vilões são a roubalheira na Petrobras e o ICMS".

falta de fôlego dos candidatos da 3ª via leva-nos para a desejada polarização Bolsonaro x Lula. Há quatro anos, o comissariado petista achava que Bolsonaro seria o candidato mais fácil de derrotar. Deu no que deu.

Apresentar Lula como uma ameaça às instituições democráticas é uma carta amarelada: ele governou o país por oito anos sem ofendê-las. Ameaças houve, aqui e ali, sem a ênfase e a insistência das investidas de Bolsonaro.

Montagem com Presidente Jair Bolsonaro e o ex Presidente Lula
Montagem com presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula - Pedro Ladeira/Folhapress/ Miguel Schincariol/AFP

As campanhas eleitorais têm suas dinâmicas próprias. Se caixas, tempo de televisão e as costuras dos primeiros meses do ano decidissem a parada, o Brasil estaria sendo governado por Geraldo Alckmin. Cada candidato precisa dos erros do outro e nem sempre os erros são percebidos como tal.

Em janeiro, o deputado Rui Falcão, ex-presidente do Partido do Trabalhadores, quadro que passou pelo poder sem se lambuzar, disse ao repórter Ranier Bragon que a campanha, por "aguerrida", precisaria da "construção de comitês de defesa da eleição do Lula que permaneçam depois como comitês de apoio do programa de transformação".

Em fevereiro, durante uma reunião do Partido dos Trabalhadores, tratou-se da criação de cinco mil comitês, com a participação de partidos aliados. Divulgou-se que eles trabalhariam na campanha e também depois dela, para assegurar a posse.

A partir de janeiro de 2023, os comitês continuariam ativos. Nas palavras de Alberto Cantalice, diretor de comunicação da Fundação Perseu Abramo, "se ganharmos as eleições, a gente vai ter que mobilizar o povo para exigir o cumprimento do programa de governo."

Imagine Jair Bolsonaro propondo a mesma coisa. Vem logo à memória a formação de milícias. Lula não é Bolsonaro, mas na sua banda do espectro político, onde estão simpatizantes da experiência cubana, do chavismo venezuelano e do orteguismo da Nicarágua com seus comitês de defesa do regime. De pouco adiantará o exemplo das Comisiones Obreras chilenas e espanholas para quem quer instrumentalizar o medo.

No Brasil, uma experiência parecida desmanchou-se no ar. Foram os Grupos dos Onze de 1964. Serviram apenas para assustar a classe média, porque na hora da onça beber água, sumiram. (Um posto de alistamento criado na manhã de 1º de abril de 1964 no Teatro Nacional de Brasília, cadastrava voluntários. Cadastro com nome, telefone e endereço serve para facilitar emprego. Os voluntários passaram horas queimando as fichas.)

Propostas desse tipo geralmente não passam de promessas de campanha, como a do bujão de gás a R$ 35, feita por Bolsonaro. A diferença do bujão do capitão, é que não podia ser instrumentalizado pelos adversários.

Faz tempo, Brian Jenkins, um dos fundadores da empresa de segurança Kroll e ex-responsável pela seção de estudos de terrorismo da Rand Corporation, ensinava:

"O Minimanual do Guerrilheiro Urbano" de Carlos Marighella é um pacote de platitudes inúteis. Serviu para dar à esquerda a ideia de que tinha um manual e para botar na direita o medo de que a esquerda o tivesse."

terça-feira, 22 de março de 2022

Para o PCC, Cracolândia teria se tornado um mau negócio; leia análise, OESP

O que é a renda da venda de drogas na Cracolândia comparada com os problemas que a manutenção do maior mercado da droga ao céu aberto do País causava ao Primeiro Comando da Capital (PCC)? Para quatro integrantes da cúpula da Polícia Civil e um promotor do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) a resposta a essa pergunta pode estar por trás da decisão da facção criminosa de encerrar – por enquanto – suas atividades na região. Desde sua criação no Anexo da Casa de Custodia de Taubaté, em 1993, o PCC cresceu continuamente, dominou presídios e depois a criminalidade no Estado. Hoje, está presente em 22 países de três continentes e lucra mais de R$ 1,5 bilhão por ano com o tráfico internacional de drogas, mantendo laços com a ’Ndragheta, a máfia da Calábria (Itália) e com o Cartel de Sinaloa (México).

“Hoje o PCC é uma organização de tipo mafioso”, afirmou o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco. Isso porque ele exerce controle de território e social por meio do medo da violência. Busca o monopólio da atividade criminosa e domina mecanismos de lavagem de dinheiro. É a organização criminosa que mais cresce no mundo por meio de seu cartel, o Narcosul.

Cracolândia
Entorno das ruas Cleveland, Dino Bueno e Helvétia, no "coração" do lugar conhecido como Cracolândia, sem a presença de usuários de crack desde o início do final de semana  Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 22/03/2022

Símbolo dessa nova fase, em outubro de 2021, os promotores do Gaeco detectaram que o PCC determinou a suspensão da cebola, a cobrança de contribuição mensal dos integrantes da facção que existia desde a fundação do grupo. Abria assim mão de uma renda tradicional – bandidos em liberdade pagavam R$ 1 mil, dinheiro que financiava ações de populismo carcerário, como a distribuição de cestas básicas e o fretamento de ônibus na capital para levar parentes de detentos aos presídios do oeste do Estado.

Com toda essa estrutura, por que manter o tráfico de drogas na Cracolândia? Ainda mais depois que, desde maio de 2021, a polícia instalara câmeras de vídeo escondidas na região para identificar traficantes em meio aos usuários maltrapilhos. “Prendemos 64 deles. Cada vez que aparecia alguém melhor vestido em meio ao fluxo, passamos a identificá-lo e capturá-lo”, afirmou o diretor do Departamento de Narcóticos (Denarc), Genésio Léo Júnior. As prisões se multiplicavam e o lucro diminuía. Para quem está ganhando com o tráfico internacional, a Cracolândia teria se tornado um mau negócio. A polícia só não sabe até quando. 

*REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO