quinta-feira, 17 de março de 2022

Como nascem as empregadas, Juliano Spyer, FSP

 O caso apresentado a seguir parece uma história exótica do interior do "Brasil profundo". Denúncia anônima leva à libertação de uma mulher que há 32 anos faz serviços domésticos em troca de moradia e alimentação em Mossoró (RN). Ela nunca teve salário, não tirava férias, cumpria suas tarefas também nos finais de semana, e relata que, ao longo de dez anos, o marido da casa, um pastor da Assembleia de Deus, a assediou e abusou sexualmente.

Esse tipo de caso, no entanto, está mais próximo das nossas vidas do que a notícia sugere. A experiência da servidão na infância faz parte da história de muitas brasileiras para quem a melhor opção de trabalho ainda é atuar como faxineiras, cozinheiras e babás.

Imagem aérea mostra duas mulheres de máscara sentadas, uma de frente para a outra, em uma sala
Vítima relatou abusos em Mossoró por dez anos e morou 32 anos na mesma casa sem receber salário - Divulgação/SIT

Conheci, como pesquisador, dois caminhos para a mulher aprender a atuar como empregada doméstica. Um acontece dentro da família: a menina, a partir dos 5 anos, ocupa-se de seus irmãos mais novos. Ela cozinha, dá de comer, troca roupa, lava e limpa a casa enquanto a mãe trabalha. O outro modo é quando a criança é oferecida para outra família —também a partir dos 5 anos de idade— para atuar como babá e auxiliar a dona da casa nos serviços domésticos.

Depois de muitos meses vivendo e estabelecendo relações de confiança com os moradores de um bairro pobre da Bahia, percebi - estarrecido - que muitas das mulheres adultas com quem eu convivi passaram por essa experiência de ser entregue a outra família em algum momento da infância ou adolescência. É um tema traumático sobre o qual geralmente não se conversa.

Antes de prosseguir, um pouco de contexto para entender as circunstâncias em que a prática de "dar filhos" acontece. O antropólogo Gilberto Velho classificou o deslocamento de milhares de nordestinos analfabetos principalmente para cidades do Sul e do Sudeste como o evento social mais importante do Brasil no século 20. Em apenas 50 anos esse fenômeno virou de pernas para o ar um país cuja população era 70% rural em 1950 e se tornou 80% urbana em 2000.

Segundo relatos que registrei, "dar o filho" é a solução culturalmente aceita para algumas famílias que, nesse redemoinho de transformações e dificuldades de adaptação causadas pela migração, se veem incapazes de alimentar seus filhos. É nessa situação que os pais começam a assuntar com vizinhos e conhecidos sobre a existência de famílias em condições (relativamente a eles) melhores, como têm casa própria e emprego fixo, portanto, aptas a receber a filha.

O argumento que justifica essa prática considera as "vantagens" para a criança no curto e no longo prazo: a menina terá casa. alimentação e roupas e aprenderá com a dona da casa a realizar tarefas domésticas, o que posteriormente servirá para ela trabalhar e se sustentar.

Para as mulheres que passam por essa experiência, o trauma não têm a ver com a falta de salário ou de liberdade e, sim, com estar longe de casa ainda na infância e ser tratada como ser humano de segunda categoria; ser criança e ser babá de crianças da mesma idade, e estar exposta no espaço privado das casas a situações de violência moral, física e sexual.

As "famílias adotivas" moram em lugares distantes, possivelmente para desencorajar a criança ou a adolescente a fugir. Mas essas fugas acontecem. Algumas meninas reencontram seus parentes, outras ficam nas ruas.

Apenas uma pessoa que conheci, entregue nessas condições, teve um desfecho que pode ser classificado como um final feliz. Apesar da separação familiar, seus "guardiães" eram de classe média e o trabalho dela consistia em fazer companhia para uma idosa que vivia sozinha e que a tratou bem. Ela pôde frequentar a escola e posteriormente se tornou empresária —uma ascensão que nenhum dos seus muitos irmãos biológicos tiveram.

Mas, para a maior parte das "sobreviventes" da experiência de servidão durante a infância, o estágio seguinte como profissional para famílias afluentes, que podem pagar pelo serviço doméstico, incluirá remuneração, mais autonomia, e também em algum momento tratamentos abusivos e humilhações.


Gás natural vendido a distribuidoras deve subir 30% até agosto, FSP

 Nicola Pamplona

RIO DE JANEIRO

A escalada das cotações internacionais do petróleo após o início da guerra da Ucrânia pode elevar em 30% até agosto o preço do gás natural vendido às distribuidoras de gás encanado. A projeção é da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia).

Os contratos de gás natural entre Petrobras e distribuidoras são reajustados trimestralmente com base na variação dos preços do petróleo, que atingiram os maiores patamares desde 2008 após o início do conflito no Leste Europeu.

Segundo a Abrace, de acordo com a fórmula atual e as projeções de preço do petróleo, o preço do gás sairia dos US$ 10,52 (R$ 53,60, pela cotação atual) por milhão de BTU (medida de poder calorífico) vigentes em março para o pico de US$ 13,65 (R$ 69,60) milhão de BTU em agosto.

Depósito da gás natural em Rehden, na Alemanha - Fabian Bimmer - 16.mar.2022/Reuters

Considerando as projeções de preço do petróleo feitas pela EIA (Agência de Informações em Energia do governo dos Estados Unidos), o preço permaneceria em torno dos US$ 13 até dezembro.

Segundo a Abrace, esse aumento elevaria em 25% a tarifa do gás consumido por indústrias, que passaria de R$ 2,85 por metro cúbico em março para R$ 3,57 por metro cúbico em setembro.

A estimativa considera apenas o custo da molécula de gás, excluindo a tarifa de transporte do combustível até as redes das distribuidoras. O gás já sofreu forte aumento no início do ano, com o início da vigência de novos contratos de fornecimento.

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O preço previsto para agosto de 2022 é quase o dobro dos US$ 7,45 (R$ 38) vigentes em agosto de 2021.

Quatro distribuidoras de gás encanado ainda têm liminares contra o reajuste nos novos contratos da Petrobras: SCGás (Santa Catarina), ESGás (Espírito Santo), Sergás (Sergipe) e as duas distribuidoras da Naturgy que atendem o Rio de Janeiro.

"Se as liminares caírem, o aumento vai ser maior", diz o diretor de Gás Natural da Abrace, Adrianno Lorenzon.

Os analistas Eduardo Faria e Gyslla Vasconcelos avaliam que o cenário de preços do petróleo e do gás após o início da guerra se caracteriza mais como uma crise econômica do que como uma crise de oferta de gás.

"O aumento de preços dos combustíveis fósseis produz um efeito cascata em diversas cadeias produtivas, o que pode provocar aumento da inflação", afirmam.

Eles lembram ainda que pode haver impactos na conta de luz, já que o custo de operação de diversas térmicas no Brasil está indexado aos mercados internacionais, apesar de, no momento, os reservatórios das hidrelétricas estejam cheios.

"Esse panorama muda conforme a necessidade de utilização das termelétricas, que pode ocorrer caso as chuvas reduzam de forma considerável, tornando os preços mais vulneráveis aos eventos geopolíticos externos."


Doria convida Aloysio Nunes a voltar para o Governo de SP após arquivamento de inquérito, FSP

 Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) foi convidado pelo governador João Doria (PSDB) a voltar ao seu cargo de presidente na Investe SP, do qual pediu demissão após ação da Polícia Federal em sua casa no âmbito da Operação Lava Jato. O chamado ocorreu por ocasião do recente arquivamento do inquérito por falta de provas.

O ex-chanceler, no entanto, disse estar bem como diretor-presidente da SP Negócios, agência municipal de investimentos da capital, e recusou o convite.

O ex-chanceler Aloysio Nunes durante encontro na Fundação FHC
O ex-chanceler Aloysio Nunes durante encontro na Fundação FHC - Danilo Verpa-19.fev.2019/Folhapress

Nunes foi acusado de ter recebido um cartão de crédito de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB e que teria negociado propinas da construtora Odebrecht. Sua casa foi alvo de operação de busca e apreensão em 2019.

O ex-chanceler então pediu demissão da gestão estadual, alegando que gostaria de poupar Doria da repercussão negativa.

O Ministério Público Federal pediu o arquivamento do processo e disse que o cartão de crédito em questão não estava com Nunes e que, portanto, não haveria como ele ter se beneficiado de recarga feita por Paulo Preto. O juiz federal Diego Paes Moreira acolheu a solicitação.