Diante do aumento de casos de contaminação da Covid-19, o governo do Amazonas fez o quê? Fechou shoppings, cinemas, bares? Não. Adiou o início das aulas. Que se acenda a luz amarela novamente para quem considera a educação uma prioridade. Estamos no 3º ano da pandemia, há crianças e jovens no Brasil há dois anos sem aulas presenciais e sem acesso às remotas, e escolas continuam sendo as primeiras a fechar.
Pode-se tentar minimizar o fato argumentando que o adiamento se deu por "apenas" uma semana, de 7 para 14 de fevereiro. Primeiro ponto: 7 de fevereiro já seria um início tardio diante da tragédia da educação brasileira na pandemia. Em São Paulo, a rede estadual inicia em 2 de fevereiro, e grande parte das escolas particulares começa antes, na próxima segunda, 24 de janeiro, ou, no caso da capital, no dia 26, após o aniversário da cidade —há até colégios que retomam as aulas no próprio feriado.
Outra pergunta a ser feita: se o objetivo é o de conter a contaminação, "apenas" uma semana sem aula seria suficiente, especialmente considerando que a circulação de pessoas seguirá pouco alterada porque não haverá outros fechamentos? A medida soa como uma satisfação rápida a uma população traumatizada com o colapso da saúde de 2021 e que vê o índice atual de ocupação hospitalar beirar os 80%. Mas, à essa altura, será que o governo não tem nenhum outro plano além do de adiar aulas, inclusive levando em conta que pesquisas demonstram que as escolas, com os protocolos, estão entre os ambientes que menos colaboram para a disseminação do vírus?
Também é inadmissível que, com toda a experiência sobre a pandemia acumulada desde 2020, o adiamento do início das aulas seja imposto a todas as cidades do Estado, sem considerar os índices de contaminação local. O decreto amazonense adiou as aulas nas escolas estaduais de todas as cidades e recomendou que se fizesse o mesmo nas municipais e nas particulares. A falta de lógica da medida fica ainda mais clara com a decisão da prefeitura de Manaus de não seguir essa orientação do governo estadual, mantendo o início das aulas na rede municipal para o dia 7 de fevereiro.
Lembremos de uma peça importante desse xadrez: neste ano, não haverá eleições municipais e sim para os governos do Estado. Isso faz com que as decisões dos prefeitos estejam, por ora, menos conectadas a interesses eleitoreiros do que a de governadores/pré-candidatos à reeleição. Em 2020, foi o contrário, e isso ficou evidente em São Paulo. O governo liberou aulas presenciais em setembro, e muitos prefeitos decidiram manter as escolas fechadas, não com base na orientação de comitês de saúde e, sim, em pesquisas feitas pelas equipes das campanhas eleitorais que mostravam o temor de pais (eleitores) de que os filhos fossem contaminados.
Os próprios comitês de saúde que assessoram as autoridades, aliás, têm atualmente linhas muito diferentes das de 2020, quando não se considerava nada além das curvas de contaminação, internação e óbitos da Covid-19. Obviamente o cenário se alterou também pelo avanço da vacinação, inclusive, neste ano, de crianças. Mas não se trata essencialmente disso, e sim da constatação de que o fechamento das escolas, além dos prejuízos colossais para a aprendizagem, em parte já mensurados por pesquisas, foi incalculavelmente destrutivo para a saúde mental de crianças e adolescentes.
Em entrevista nesta semana ao jornal "O Globo", a pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcolmo, referência brasileira no combate à pandemia, não deixa dúvidas sobre a necessidade de se ter aulas presenciais mesmo com a ômicron: "De qualquer maneira, neste momento, tem que ter aula. As pessoas já estão vacinadas e usando máscaras, e há protocolos adequados no ambiente escolar (...) Nada é superior ao prejuízo de se manter as crianças longe das escolas por um tempo maior".
Por fim, algo que tem ficado à margem desse debate é a manutenção do fechamento de universidades, públicas e privadas. É como se, para os jovens, alguns deles ainda adolescentes, com 17 anos, não houvesse consequências em seguir online ad aeternum. Ainda que eles tenham mais capacidade de acompanhar o ensino remoto do que os estudantes da educação básica, não resta dúvida de que a qualidade do aprendizado se perde nesse modelo. Isso sem falar dos prejuízos socieomocionais da falta de convivência com os colegas e com os professores. Novos profissionais se formam em meio a ataques de ansiedade, depressão, síndrome do pânico etc.
No caso desse outro xadrez, o universitário, fica cada vez mais óbvio o interesse econômico de se manter cursos remotos. Além de economizar com a manutenção dos prédios, é possível unificar turmas e, no caso das particulares, demitir professores. É também para se gastar menos que prefeituras, como a de São Roque (SP), ainda não reabriram escolas, mesmo após a liberação da retomada às aulas por todos os Estados.
O abismo da desigualdade educacional não para de crescer entre as regiões e entre o ensino privado e público. Em São Paulo, por exemplo, a tendência é a de não se apelar mais para o fechamento das escolas. Além disso, os protocolos, especialmente nas particulares, que têm consultorias médicas, devem ser flexibilizados para que a suspensão de uma turma em caso de contaminação de um aluno seja evitada ao máximo ou que, pelo menos, o retorno à escola seja o mais breve possível.
A equidade no Brasil é que todos, inclusive alunos e docentes em ensino remoto, podem ir a festas e bares. É o extremo oposto dos países que priorizam a educação, nos quais, desde o auge das incertezas de 2020, já se definiu que escolas seriam as últimas a fechar e as primeiras a reabrir. Uma imagem marcante é a dos pais, no mais restrito lockdown da Suíça, serem parados por policiais e liberados ao apresentarem um comprovante de que estavam na rua para levar ou buscar os filhos na escola.
Já por aqui temos de nos conformar com o fato de o governo do Amazonas ter adiado o início das aulas por "apenas" uma semana (por enquanto) e também por ter, no mesmo decreto, cancelado o desfile do Carnaval. Só faltava ter mantido a folia...