quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Elio Gaspari - O Brasil na armadilha argentina, FSP

 O general Juan Domingo Perón foi deposto em 1955 e seu fantasma ainda influencia a política argentina. Dizem-se peronistas o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, que governou de 2007 a 2015. Ela é a viúva de Nestor, presidente de 2003 a 2007.

Era peronista Carlos Menem (1989-1999). O que é um peronista, não se pode saber, mas sabe-se que desde 1955, o andar de cima argentino tentou criar alternativas a esse fantasma e fracassou. Como se cantava em Buenos Aires:

Se siente,
Se siente
Perón está presente

Perón foi um ladravaz que emulou políticas sociais da época em seu primeiro governo (1946-1955). Tinha o apoio do andar de baixo, que chamava de "los descamisados". (De certa forma, ele fez na Argentina o que Getúlio Vargas fazia no Brasil, sem roubar. Pindorama foi salva de uma perenização do "varguismo" pelo governo e pela personalidade de Juscelino Kubitschek.)

(Roma - Itália, 30/10/2021) O presidente Jair Bolsonaro ao lado do líder da Argentina, Alberto Fernández, na cúpula de líderes do G20.
O presidente Jair Bolsonaro ao lado do líder da Argentina, Alberto Fernández - Esteban Collazo/Presidência da Argentina/Divulgação

O andar de cima argentino tentou de tudo. Dois civis foram depostos e dois generais foram dispensados até que em 1973 um terceiro abriu as portas para o retorno de Perón. Doente, ele colocou a mulher, uma ex-dançarina de cabaré panamenho na vice, e morreu um ano depois.

Seguiu-se, a partir de 1976, a mais sanguinária das ditaduras militares da região. Produziu uma sucessão de quatro generais. Um deles, aloprado, teve a ideia de invadir as ilhas Malvinas. Surrado pela Inglaterra, foi dispensado.

O peronismo retornou em 1989 com Carlos Menem e lá ficou por dez anos, até que o andar de cima elegeu o presidente Fernando de La Rúa. Abandonado pela banca internacional, ele fugiu da Casa Rosada. Em 2003, pelo voto, o peronismo retornou com Néstor Kirchner.

Entre 2015 e 2019 Mauricio Macri derrotou o peronismo e presidiu a Argentina com uma agenda liberal. Perdeu a reeleição para Alberto Fernández.

Em 1943, quando Perón surgiu como Secretário do Trabalho, o motor da economia argentina já estava rateando. Passaram-se 79 anos, ao longo dos quais a Argentina andou para trás. Causa vertigem lembrar que em 1923 ela tinha uma economia maior que a da Alemanha ou a do Japão.

A sabedoria convencional costuma atribuir ao que chama de populismo peronista o declínio argentino. O buraco está mais em cima, numa classe de endinheirados que também produziram desastres econômicos, duas ditaduras, massacres e uma guerra maluca. O peronismo é ruim, mas suas alternativas revelaram-se sempre piores pela incapacidade de produzir algo racional e eficaz.

O que? Sabe-se lá, mas o Brasil produziu JK. Da elite argentina saiu só Máxima Zorreguieta, a atual rainha da Holanda, filha do ministro da Agricultura do governo de um dos generais. (Ele não foi convidado para o casamento com o príncipe, atual rei.)

Enquanto não se consegue uma explicação para a cegueira do andar de cima argentino, resta lembrar uma observação de Sir Cecil Beaton, o fotógrafo da casa real inglesa. Em 1971, depois de um Carnaval e de uma visita às mansões e fazendas das terras do Sul ele escreveu:

"Alguns sul-americanos têm um estranho cheiro doce".

MORO NÃO DESISTIRÁ

Sergio Moro se faz ouvir e garante que não existiu, não existe, nem existirá a possibilidade de desistir de sua candidatura à Presidência.


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Distribuidoras de energia lucram mais na crise hídrica mesmo com dívida maior, FSP

 Julio Wiziack

BRASÍLIA

Mesmo mais endividadas, distribuidoras de energia lucraram, em média, muito mais durante o ápice da mais recente crise hídrica. A alta nas contas de luz deu combustível para a elevação da inflação.

Levantamento da Economatica feito a pedido da Folha mostra que, de junho a setembro de 2021, o Ebitda (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciações e amortizações) de companhias elétricas foi de R$ 110 bilhões.

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A média mensal é de R$ 27,5 bilhões ante R$ 14,8 bilhões por mês no mesmo período do ano anterior.

Empresas como Energisa, Celpe, Cesp, Neonergia e Rede Energia registraram as maiores altas de Ebitda no período, com variação de 46% a 62%. Analistas do mercado dizem que boa parte da alta se deve a um socorro excessivo do governo Jair Bolsonaro (PL) ao setor.

Na foto, Presidente Jair Bolsonaro (PL) com a mão estendida
Presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Antonio Molina - 12.jan.2022/Folhapress

Além da segunda rodada de empréstimos coordenada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as empresas contaram com postergação de pagamento de encargos e impostos. Isso pesou sobremaneira no resultado.

"Foi uma dose exagerada de socorro sob o argumento de que não podiam quebrar ou dar prejuízo", disse o economista e analista do setor Maurício Gutemberg.

A segunda rodada de ajuda financeira, aguardada para fevereiro, será coordenada pelo BNDES e contará com juros mais baixos. Estima-se que seja inferior a R$ 14 bilhões, valor do descasamento entre custos e receitas estimado pela Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica).

Inspirada em empréstimo coordenado pelo governo Dilma Rousseff (PT) durante a crise de 2014, essa ajuda teve como objetivo resolver um problema de liquidez das distribuidoras, antecipando a essas empresas recursos que só seriam obtidos em futuros reajustes tarifários.

Para a definição do valor necessário, o setor avalia que será preciso calcular quanto o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) irá autorizar em novos contratos de energia das térmicas de janeiro a abril deste ano, quando vence o prazo da bandeira da escassez hídrica.

Também será preciso fechar quanto será concedido em bônus às empresas que aderiram ao programa de redução de consumo de energia.

bandeira de escassez hídrica foi criada pela Aneel justamente para bancar a estratégia de enfrentamento da seca sobre os reservatórios das hidrelétricas, mas, ainda assim, o déficit da conta das bandeiras já passa de R$ 8 bilhões, segundo o órgão regulador.​

Esse dinheiro, quando liberado, ajudará as distribuidoras a refinanciarem dívidas e equilibrar balanços.

Na prática, a situação financeira deve melhorar, cenário que vinha sendo percebido pelos investidores da Bolsa. Por isso, as ações das empresas do setor atravessaram a crise hídrica em alta.

​Os analistas também consideraram positivas a declaração do ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) de que a bandeira de escassez hídrica, que acrescenta R$ 14,20 para cada 100 kWh (quilowatts-hora) consumidos, continuará em vigência até abril pelo menos, mesmo em um cenário de chuvas fortes e recuperação do nível de água dos reservatórios.

Segundo a Economatica, as ações das 40 empresas da área valiam R$ 390 bilhões em janeiro deste ano contra R$ 443 bilhões no final de 2020, quando a crise hídrica começou a se agravar com a autorização pelo governo da compra de energia produzida por termelétricas.

Em junho de 2021, os papéis continuaram no mesmo patamar, cerca de R$ 440 bilhões. Isso considerando ainda o aumento do endividamento das empresas, que saltou de R$ 285 bilhões, em dezembro de 2020, para R$ 312 bilhões, em setembro de 2021 —alta de R$ 27 bilhões no estoque da dívida bruta no período.

Questionado, o MME (Ministério de Minas e Energia) respondeu, por meio de assessoria de imprensa, que tomou as melhores medidas para mitigar o impacto no setor elétrico do pior cenário de escassez hídrica da história do país.

A maior parte desses empréstimos foi tomada por distribuidoras, que funcionam como o caixa do setor elétrico, arrecadando dinheiro do consumidor para repassar aos segmentos de geração e transmissão de energia, além de pagar os próprios custos.

Se os custos sobem demais, as empresas podem enfrentar problemas de liquidez até que os próximos reajustes tarifários joguem as despesas extras para a tarifa da conta de luz.

"As distribuidoras arrecadam por meio das tarifas ou das bandeiras tarifárias [como a da escassez hídrica] os recursos para pagar as geradoras pela energia que é disponibilizada para o mercado regulado [cativo]", disse Marcos Madureira, presidente da Abradee.

Segundo ele, em condições normais, a defasagem é assumida pelas empresas até o momento em que, uma vez por ano, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) autoriza reajustes.

"Neste momento, a defasagem é muito grande, o que obrigou as empresas a usarem reservas, inclusive de holding e ir ao mercado financeiro tomando recursos com taxas elevadas e com isso impactando seus fluxos de caixa que podem levar a problemas para seus equilíbrio financeiro e até econômico", afirmou.

Estimativas do setor apontam para um montante equivalente a 60% do Ebitda das distribuidoras em novos empréstimos, com juros mais elevados.

O aumento de custos se deve, basicamente, à explosão nos custos de combustíveis para térmicas que foram acionadas pelo MME (Ministério de Minas e Energia) desde outubro de 2020 para gerar energia que deveria ter sido entregue pelas hidrelétricas desde então.

Diante da mais severa crise hídrica dos últimos 91 anos, as usinas não tiveram água para mover turbinas e, assim, as distribuidoras se viram diante de um quadro ruim: comprar energia mais cara para cumprir os contratos de fornecimento.

No ano passado, esse descompasso chegou a R$ 14,8 bilhões —valor que foi liberado pelo governo em um programa de financiamento às distribuidoras chamado de Conta-Covid.

Neste ano, com o agravamento da crise, o governo decidiu liberar uma segunda rodada de ajuda ao setor que saiu por meio de decreto na sexta-feira (14). A partir de agora, ele será regulamentado pela Aneel.

Madureira espera que os recursos comecem a ser liberados em fevereiro. Segundo ele, muitos custos já foram pagos pelas distribuidoras com dinheiro obtido por empréstimos próprios.